O que é preciso para encaixar Kokçu no 11 do Benfica (sim, é possível)
Kokçu (Foto: SOPA Images/IMAGO)

O que é preciso para encaixar Kokçu no 11 do Benfica (sim, é possível)

NACIONAL24.03.202422:00

Um exercício à volta das declarações do internacional turco, a contratação mais cara da história dos encarnados

Muito se escreveu sobre Orkan Kokçu e as polémicas declarações que afastaram o internacional turco da visita do Benfica ao Casa Pia na última jornada do campeonato antes da paragem para as seleções. Escreveu-se e afirmou-se ou que cada atleta é livre para dizer o que bem entende ou que não pode colocar em causa a entidade patronal, o seu treinador e o grupo de trabalho, ou que deve ser multado e integrado, ou suspenso e mesmo transferido. Aplaudiu-se e assobiou-se, em inúmeros cenários, depois das surpreendentes (aqui, parece um adjetivo mais consensual) palavras do médio.

Roger Schmidt marcou a sua posição ao afastá-lo, Kokçu não pediu desculpas e invocou direito à autocrítica, e agora aparece o Besiktas como bom samaritano a posicionar-se o melhor possível, com o livro de cheques à vista.

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A meu ver, o melhor jogador da Eredivisie na última época está frustrado. Não esperaria estar em situação pior do que a de há um ano e procurou desculpas fora de si próprio para a involução, quando talvez já esperasse andar a ser falado para vários clubes da Premier League ou de uma outra liga mais competitiva que a portuguesa ou a neerlandesa.

Não sabendo o que lhe foi prometido na altura da contratação, se é que sequer tal aconteceu, ou com quem expôs, uma vez que diz que expôs, o seu desagrado pelo momento que atravessa, é difícil desatar o equívoco. Se o fez com o treinador, e se recordarmos declarações passadas de antigos pupilos, é estranho que o alemão não lhe tenha explicado melhor as suas ideias. Ou então terá explicado e Kokçu não as aceitou. Da mesma forma me parece que se o futebolista tivesse estudado a época anterior das águias teria percebido que não há um verdadeiro 10 na equipa, mesmo que o sistema, o habitual 4x2x3x1, o preveja.

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Kokçu dentro ou fora de posição?

Nas palavras de Orkan Kokçu e, posteriormente, em várias interpretações das mesmas, são passados, parece-me, vários pressupostos errados para quem acompanha o caso, sejam adeptos ou meros curiosos.

Primeiro, o centrocampista participou em 34 jogos em todas as competições pelo Benfica. Marcou 3 golos e fez 10 assistências. É difícil concluir que alguém quase sempre titular e com um papel tão declarado de organizador não seja assumidamente uma unidade importante para a equipa, mesmo a nível estratégico.

O turco integrou o duplo-pivot a maior parte das vezes, porém alinhou em dois encontros como médio ofensivo – mais concretamente, a unidade mais avançada de um meio-campo a 3 (Portimonense, 4-0; e Sporting, derrota por 2-1 na Taça) – e ainda como médio mais à esquerda. Se nesta última posição pareceu ficar alheado de tudo, desde a organização com bola à pressão ou mesmo contenção dos adversários diretos, com o avançar no terreno sobressaiu apenas na goleada aos algarvios, parecendo então ligar algumas pontas soltas do ataque posicional dos encarnados. Não é verdade, portanto, que o técnico alemão não tenha procurado posicionamentos diferentes para extrair o melhor de Kokçu, já depois de, aparentemente, ter esgotado todas as tentativas para que resultasse no eixo do meio-campo.

Não é tudo. O turco garante que joga fora de posição. No entanto, na época passada, que lhe garantiu o prémio de melhor jogador da liga holandesa, jogou praticamente sempre… no duplo-pivot do campeão Feyenoord. Somou 46 partidas, 12 golos e 5 assistências pelo conjunto de Roterdão em todas as provas.

O Kokçu do Feyenoord vs. o Kokçu do Benfica

Arne Slot começou por optar pela entrada de Kokçu para terrenos mais adiantados, é verdade, nomeadamente como médio ofensivo, porém mudou de ideias e este passou a alinhar na maior parte dos encontros ou ao lado do jovem talento Quentin Timber, médio-centro capaz de desempenhar várias funções, ou do mais defensivo Mats Wieffer. A posição 10 foi ocupada inúmeras vezes por Sebastian Szymanski, um esquerdino polaco que hoje representa o Fenerbahçe, da Turquia.

Feyenoord 2022/23

Curiosamente, o Feyenoord alinhou quase sempre em 4x2x3x1 e até defendia, embora com nuances, sobretudo a da introdução de mais uma unidade de pressão na primeira linha, em 4x4x2. Notam semelhanças com o Benfica?

O melhor Kokçu foi avistado numa posição mais baixa no terreno, onde pôde ser o playmaker ao jeito de quarterback que parece destinado a ser. Porque não funciona na Luz? Antes de ser um problema individual há uma questão coletiva determinante para o menor fulgor.

Benfica 2023/24 com Kokçu

O Feyenoord montava-se numa pressão e contrapressão agressivas de alta intensidade. Szymanksi, que se juntava ao ponta de lança Santiago Giménez no modo defensivo (4x4x2), devorava metros em segundos e recuperava muitas bolas em zonas próximas da área. Dilrosun, Jahanbakhsh, Idrissi e as várias outras opções trabalhavam no mesmo sentido: abafar para recuperar a posse. Kokçu podia depois também ele saltar na pressão com o jogo filtrado. Já no Benfica, o turco sabe que a bola mais cedo ou mais tarde vai passar e não tem as referências de que precisa. Está perdido, sempre a meio-caminho.

Depois, com bola, a primeira fase de construção era muito mais eficaz nos neerlandeses, que conseguiam atrair a pressão contrária e libertar-se. Kokçu apanhava a bola já entre linhas, depois de a primeira linha ter quebrado, e podia transportar e passar como queria. Ou acompanhar e chegar para o remate à entrada da área, de onde atirou para muitos golos dos de Roterdão. Por sua vez, nos encarnados, a capacidade de retenção de bola, com perdas sucessivas, frutos de más ligações, más decisões ou até péssimas definições nesses momentos, partem a equipa em duas. As águias sentem-se muito desconfortáveis quando são pressionadas. Não é de hoje.

Lembra-se do particular entre Benfica e Feyenoord na pré-época? A sensação não perdurou porque as águias venceram depois a Supertaça ao FC Porto, mas os sinais no De Kuip foram muito negativos e mostraram vulnerabilidades inesperadas no campeão luso. Os neerlandeses podiam ter construído resultado bem mais penalizador do que o 2-1 final.

Depois da questão coletiva há a individual. Kokçu parece sempre muito mais exposto do que Florentino ou João Neves no momento sem bola ou ainda não ser tão dinâmico como o segundo com esta, no meio da turbulência em que a equipa joga. Individualmente, estará sempre longe do que vale enquanto os restantes 10 em campo não conseguirem criar um processo equilibrado. Nesse momento, Schmidt até pode abdicar de Florentino mais uma vez, porém isso nunca acontecerá enquanto Aursnes andar a tapar buracos lá atrás e não quiser abdicar de tantas unidades à frente que mal defendem.

O Kokçu da Turquia

Kokçu foi protegido nos jogos de nível de dificuldade mais elevada por Stefan Kuntz. O técnico alemão, substituído entretanto pelo italiano Vincenzo Montella, utilizou em muitos desses encontros, vários a contar para a fase de qualificação para o Euro-2024, um 4x1x4x1, com um 6 declarado (Salih Özcan, do Dortmund, ou İsmail Yüksek, do Fenerbahçe, por exemplo) a proteger as costas do benfiquista e também de Hakan Calhanoglu, uma das grandes estrelas do Inter.

Já em desafios mais acessíveis, chegou Kokçu, ele próprio, a ser o 6, por vezes com Calhanoglu ao seu lado, uma posição que o antigo pupilo de Roger Schmidt no Bayer Leverkusen desempenha com tranquilidade ao serviço dos nerazzurri. No entanto, também é verdade o contrário, ao ter perdido o lugar no 11 quando houve necessidade de fazer coexistir dois médios defensivos, entregando a batuta apenas a Calhanoglu.

A Turquia também tem uma organização sem bola diferente das utilizadas tanto pelo Benfica como pelo Feyenoord, sobretudo a nível do posicionamento do bloco. O que se entende, dada a menor ambição da seleção em querer dominar os encontros.

Um 11 possível da Turquia com Kokçu

A posição 'certa' para Kokçu: a conclusão

Kokçu nunca será Enzo, porém nem mesmo o argentino, que tem uma diferente versatilidade, passou por conjuntura semelhante. O turco tem os seus argumentos, mas também ele precisa de ser rodeado por equilíbrios e, não esquecer, de se encontrar individualmente.

Não se trata, concluindo, de um problema de posição. As individualidades rendem mais quando suportadas pelo coletivo, e é aí, na forma como o conjunto se organiza com e sem a bola, que tem sentido as maiores dificuldades. O turco não é exceção à regra. Mesmo que pareça renegar, até publicamente, um lugar que parece ter sido feito mesmo à sua medida.

A opinião do editor-executivo Nuno Travassos sobre a entrevista de Orkan Kokçu: