ENTREVISTA A BOLA João Nuno: «Estamos na luta para pôr o Belenenses no lugar que merece»

NACIONAL01.03.202511:30

Na primeira parte desta entrevista, o ambicioso novo técnico dos azuis aborda o desafio que aceitou a meio da época, depois de deixar o 1.º Dezembro

— Qual é a memória mais antiga que tem do futebol? 

— A memória mais antiga é jogar à bola com os amigos na rua, foi assim que crescemos. Essa é a mais antiga e não percebemos o quanto éramos felizes naquele momento, porque eu ainda sou da geração em que se jogava muito futebol na rua e passávamos o dia a jogar. E foi daí que começou a paixão por este jogo e que me leva a estar nele há 30 anos.   

— Ficou surpreendido por receber o convite do Belenenses após a 1.ª fase da Liga 3?

— Não contava, sinceramente, estávamos muito focados naquilo que estávamos a fazer no 1.º Dezembro, tínhamos acabado de fazer história, num clube onde ninguém pensava estar na fase de subida e o objetivo era claramente a manutenção, estávamos todos muito felizes. Apareceu esta chamada e a reunião com o presidente do Belenenses, onde foi feita esta abordagem e depois foi um dia difícil, foram 24 horas para tomar uma decisão, mas o Belenenses é um clube muito grande e eu achei que era o momento certo para assumir, porque tinha feito todos os objetivos que me tinham pedido no 1.º Dezembro, a manutenção na época anterior e esta época, com o acesso à fase de subida, isso estava garantida. Portanto, achei que era a hora certa para darmos o passo e aqui estamos na luta para tentar pôr o Belenenses no lugar que merece.

— Olhou para o convite do Belenenses como uma oportunidade de alcançar algo ainda mais especial nesta época?

— É muito isso que é o meu pensamento, eu não gosto de estar confortável em nada, quero continuar a subir e tenho a ideia de que vou chegar muito longe, e, portanto, quero continuar, precisava de outro desafio e também foi um pouco isso que me motivou. E depois a história que o Belenenses tem, um clube enorme em Portugal, os adeptos, os títulos que já ganhou, acho que na carreira vai ficar como um clube marcante para mim, portanto não podia recusar. Faz parte da nossa vida, mesmo que algumas pessoas possam não entender, mas há situações que temos que aceitar.

«Os jogadores do Belenenses são muito melhores do que aquilo que têm vindo a apresentar nos jogos» 

— Do lado do 1.º Dezembro, entenderam a sua decisão?

— Os jogadores não tanto, a direção também ficou triste, nós tínhamos uma excelente relação, mas os jogadores daqui a uns tempos vão perceber e a direção também não dificultou a minha saída. O Belenenses fez uma abordagem primeiro à direção do 1.º Dezembro, fizemos as coisas corretamente e esse foi o único pedido que fiz, fazer as coisas corretamente e acho que nesse aspeto correu bem. Os jogadores ficaram tristes, porque estamos num projeto e ia começar a fase de subida e eles acreditavam muito no que estávamos a fazer, e eu também, podíamos surpreender ainda mais, mas tenho a certeza que um dia vão perceber.

— Como encontrou a moral da equipa do Belenenses, que só tinha uma vitória nos 12 jogos anteriores à sua chegada?

— Primeiro de tudo, encontrei um excelente grupo, com um lado humano muito forte, preparado para aprender e as primeiras impressões foram muito positivas. Depois, esse não aparecer de resultados em tantos jogos cria alguma insegurança, instabilidade e eles são muito melhores do que aquilo que têm vindo a apresentar nos jogos. E quando resolvermos a parte mental, acredito que vamos ter um Belenenses cada vez mais forte e para isso precisamos que os resultados também vão ajudando. Para as nossas ideias passarem precisamos também de recuperar os jogadores a nível mental. É muito isso que tem sido o nosso foco do trabalho, passar-lhes essa motivação, porque acho que têm qualidade, só que estavam numa fase em que duvidavam do que estavam a fazer, e isso é tudo o que nós não queremos.

— Como é que se opera essa revolução, não só do aspeto mental, mas também do aspeto tático da equipa?

— É mais difícil porque estamos a meio de uma fase de subida, onde as equipas estão consolidadas, onde o processo de trabalho das equipas já passou para uma primeira fase e nós estamos a alterar muita coisa, sabemos esse risco, mas também definimos bem o caminho. Fui contratado para um ano e meio, e o presidente [Patrick Morais de Carvalho], o que me pediu foi para definir um rumo e uma equipa com uma forma de jogar diferente, que os adeptos venham a gostar, para que cheguem ao Restelo e se identifiquem com uma equipa a jogar para ter a bola, para ganhar e para a frente e, portanto, é começar a pôr essas ideias em prática desde o primeiro dia, e é isso que temos estado a fazer. Os jogadores estão cada vez a perceber melhor aquilo que é o nosso jogo, e agora o último jogo tivemos [com o Sporting B], principalmente na primeira parte até à expulsão do jogador do Sporting B, tivemos muitos momentos já dentro daquilo que eu quero, a jogarmos no meio-campo contrário, a pressionarmos, a termos a bola, a marcarmos um e a continuarmos a ir à procura do segundo e do terceiro e é essa a mentalidade que eu quero impor ali.

«Acredito muito que vamos ter condições para subir já de divisão» 

— E as ideias que defende são a de controlar o jogo e de pressionar o adversário quando não tem a bola? 

— Estão ligados os dois momentos, nós se pressionarmos bem, vamos conseguir ter a bola, porque uma coisa liga à outra, não vamos deixar o adversário jogar e vamos ser nós a tentar mandar no jogo. Eu acho que não podemos dizer que somos só grandes de história, temos de tentar provar isso em campo e são essas ideias que temos vindo a passar. Numa Liga 3, o Belenenses tem que assumir o jogo, tem de tentar mandar e de ser protagonista do jogo. É essa a ideia que eu quero passar para os jogadores. 

— Nesse último jogo com o Sporting B, o Belenenses marcou primeiro e estava por cima até ficar com mais um jogador, aos 37’, com a expulsão de Luís Gomes; a partir daí, pareceu que as equipas até ficaram mais equilibradas, tanto que o Belenenses ainda cedeu o empate, antes de conseguir a vitória nos minutos finais. 

— Muito da explicação vem da parte mental dos jogadores. O Sporting B tem jogadores com muita qualidade, o Diego Callai que já jogou Liga 2, o João Muniz, o Rafael Nel, que já jogou na Liga Europa. Acho que a nossa primeira meia hora foi muito boa, estivemos sempre mais perto do 2-0 do que o Sporting de chegar à nossa baliza. Acho que na expulsão vem muito a parte mental. Pensamos que o jogo está resolvido e que agora temos que ganhar por quatro ou cinco a zero e não é isso o futebol. Ficámos mais ansiosos, permitimos espaços que até ali o Sporting não tinha, não gostei tanto do jogo. Gostei mais do 11 para 11 do que do 11 para 10. Mas, felizmente, na segunda parte, até fazermos o 2-1, temos ali 10, 15 minutos em que encostamos completamente o Sporting, criámos duas, três oportunidades claríssimas, não fizemos, mas senti que íamos chegar ao golo. Vencemos o jogo justamente, mas a notar-se ainda intranquilidade na equipa. 

— Essa vitória teve um gosto especial para si por derrotar João Pereira, um treinador que há pouco tempo comandava o campeão nacional? 

— Sinceramente, não. Teve um gosto especial para dedicar ao professor Manuel Sérgio, que foi alguém muito importante na minha vida. Esse sim foi o gostinho mais especial desta vitória. E pela importância que tem para o grupo, acho que por aí, sim, o resto não ligamos a isso. 

— Já disse que assinou com o Belenenses até 2026, isso quer dizer que mesmo que não suba esta época de divisão, estará no clube na próxima época para tentar essa subida? 

— Foi isso que assinei e os contratos são para cumprir. O presidente foi muito claro quando me foi buscar, gostou muito de ver as minhas equipas a jogar, quer que aquilo se transporte para o Belenenses. Nós não sabemos o que é que vai acontecer nesta fase, vamos fazer tudo para subir. Acredito muito que vamos ter condições para subir já e pôr o Belenenses nos campeonatos profissionais e é nisso que temos de pensar todos os dias. Neste momento está tudo em aberto, ainda acabou de começar, nós estamos a dois pontos dos primeiros classificados, está tudo em aberto para todas as equipas. 

— Como é que olha para esta fase de subida da Liga 3? 

— Todas as equipas podem ganhar em qualquer campo, em qualquer jogo, é muito difícil adivinhar qualquer coisa. Eu sinto mesmo muito equilíbrio, quem conseguir ser mais consistente nestas 14 jornadas vai subir. 

— Quais são as suas maiores inspirações? 

— A minha maior inspiração é o meu pai, que já não está cá e como eu gostava que ele estivesse, porque acho que ia se sentir orgulhoso. Essa é a minha maior inspiração. Depois, académica, o professor Manuel Sérgio, por tudo o que me passou, e por todas as ideias que trocámos. Depois, de treinadores com mais nome, claramente Pep Guardiola é o treinador que mais admiro no futebol.