João Carvalho: «Não penso num regresso ao Benfica»
SÉRGIO MIGUEL SANTOS

ENTREVISTA A BOLA João Carvalho: «Não penso num regresso ao Benfica»

NACIONAL04.04.202410:00

Jogou 14 anos de águia ao peito e falou em «até já» ao deixar a Luz, mas não vê regresso viável

— No Estoril foi colega do Tiago Gouveia, que entretanto regressou à Luz. Como tem visto a forma como, aos poucos, tem conquistado o seu espaço no Benfica?

— Tenho visto com bons olhos, o Tiago evoluiu muito na época passada. Foi muito consistente ao longo da temporada, só houve um jogo ou dois em que não esteve tão bem. É um sonho dele, jogar pelo Benfica – toda a gente sabe, é ele quem o diz – e estou a ver a afirmação dele com bons olhos. Começou sem minutos nenhuns, mas trabalhou. Vê-se a personalidade dele, a forma como conquistou minutos a trabalhar. Nos últimos meses tem jogado mais, devido ao rendimento nos jogos, e acredito que pode ser muito importante para o Benfica até final da época.

— Curiosamente, essa afirmação do Tiago acabou por ‘empurrar’ o Gonçalo Guedes para fora, também devido às lesões, enquanto o colega ia respondendo à aposta do treinador…

— Não sei se foi exatamente isso, mas são dois excelentes jogadores, com os quais os treinadores podem estar descansados, que vão ter rendimento. Não sei o que se passou. Se calhar o Guedes preferiu outras coisas, e até se tem dado melhor, e o Tiago tem trabalhado para somar minutos e está a merecer mais, sempre.

— E o João, como jogador formado no Seixal, com os anos que teve de ligação ao Benfica, como tem visto a afirmação do António Silva e do João Neves, que são os mais recentes símbolos da formação encarnada, e que até já chegaram à Seleção?

— Isso é o Benfica. É dos melhores clubes do mundo a formar jogadores, e se chegas à equipa principal e tens minutos, se consegues ser uma peça importante, é obvio que estás às portas da Seleção. Se tens nível para jogar no Benfica, tens nível para chegar à Seleção e ter rendimento. É isso que eles têm feito. Chegaram, tiveram a oportunidade, agarraram-na, e agora estão a mostrar ao mundo que são jovens com um futuro risonho.

— Algum deles surpreendeu-o, ou já sabia que iam chegar a este patamar?

— Eu desliguei um pouco quando saí. Quando estava em Portugal, e até mesmo nos primeiros anos fora, ainda via muito a equipa B, até porque ainda tinha lá amigos. Agora não acompanho tanto a equipa B, que é um passo importante. Não ouvi falar muito dos nomes, nem os vi jogar assim tanto antes de chegarem à equipa principal. O António parece que já joga na equipa A há muitos anos, e o João acho que até fez a estreia [a titular] com o Estoril, não o conhecia. Tem sido sempre a progredir.

— Vários símbolos da formação do Benfica, como o João Cancelo e o Bernardo Silva, têm manifestado repetidamente o desejo de voltar ao clube, um dia. O João Carvalho, quando saiu, publicou uma mensagem na qual manifestava também o desejo de que fosse um «até já». É algo em que ainda pensa?

— Não penso, como é óbvio. Sei que as coisas não se proporcionaram para isso acontecer, até agora. No futuro nunca se sabe. É óbvio que, se me aparecer o Benfica amanhã, nunca vou dizer que não [risos]. Mas é diferente, o nível deles também é diferente do meu, e tenho de ser realista. Acompanho sempre o Benfica, desejo sempre que seja campeão, mas não adivinhamos o futuro.

— Ainda se lembra do dia 14 de outubro de 2017, o dia da estreia pela equipa principal?

— Já não fazia a mínima ideia da data. Contra o Sporting, uns minutos a acabar?

— Contra o Olhanense, para a Taça de Portugal...

— Ah, sim, com o Sporting foi o primeiro jogo na Liga. Já não me recordava bem. Nunca fui emotivo a esse ponto, de decorar tudo, mas sem dúvida que são momentos da carreira que ficam apontados. Não com essa clareza toda [risos]. Mas são recordações bonitas.

— E como foi a relação com Rui Vitória?

— Foi boa. Foi um treinador que sempre nos ajudou. Apostou em mim, quando eu lá estava, e tenho muito a agradecer-lhe. Já não era um miúdo, tinha vindo de uma experiência na Liga, mas foi um treinador que me pôs lá dentro para mostrar o meu potencial.

— Já falou disto noutras entrevistas: aquele empate com o Belenenses, em janeiro de 2018, acaba por ser marcante? O João vinha de uma boa sequência, a entrar, aparece como titular aí, mas o jogo corre mal à equipa e o João é substituído ao minuto 60…

— Não tive a sorte do jogo, basicamente. Nunca seria por mim que o Benfica ia perder ou ganhar. Se eu não estivesse lá, o Benfica tinha obrigatoriedade de ganhar na mesma. Mas, se calhar, foi um pouco de azar, ou menos sorte, o jogo não ter corrido bem. A mim não correu assim tão mal, mas se toda a gente estivesse ao nível normal, claro que ganharíamos o jogo, mas…

— Nesses momentos, por vezes, paga o elo mais fraco, o jogador com menos estatuto…

— Sim, talvez. O Krovinovic tinha sofrido uma lesão. O mister Rui Vitória tinha um onze-tipo, e estava a ver quem ficava com esse lugar. Tive a sorte de ser o primeiro com uma oportunidade, mas o jogo não correu bem à equipa. Mas não fica mágoa, é o que é. As coisas acontecem por algum motivo. Mas é óbvio que teve algum peso.

— O que faria diferente se tivesse possibilidade de voltar ao último jogo que fez pela equipa principal do Benfica? Faria algo diferente?

— Não sei. Acho que não faria nada diferente. Se calhar tinha uma experiência diferente… Ou seja, se eu soubesse, naquela altura, tudo o que tinha passado até agora, se calhar o rendimento seria diferente, pois já tenho outra experiência. Mas se mudava alguma coisa? Acho que não. Nada acontece por acaso. Se estou aqui hoje, foi porque as coisas aconteceram assim.

— Ainda assim, em 10 jogos, o João conseguiu duas assistências. Não é mau registo…

— Não é nada mau, não. Sempre tive mais olho para as assistências do que para os golos. Naquela altura jogávamos com três médios. Não era assim tão atacante, e ter duas assistências claro que valoriza. Foi uma boa experiência na minha carreira.

— Sente que lhe faltam golos? Marcar mais?

— Já senti mais isso. Agora não tanto. Claro que nunca fui um jogador com muitos golos, mas agora, com mais experiência, já sei muito mais do jogo. Antes diziam-me que tinha de rematar mais à baliza, hoje já não é assim. Crescemos e melhoramos alguns aspetos.

— O João também andou muito entre o papel de terceiro médio, no corredor central, em 4x3x3, e uma posição mais a partir da ala, embora sempre a procurar muito o meio. Sente-se mais confortável a jogar onde?

— No início de carreira era mais virtuoso, era mais selvagem em campo. Até digo, muitas vezes, que a minha posição, no início de carreira, era 10, que hoje já quase não existe. Tive de mudar. Parti muitas vezes da linha, precisamente porque alguns treinadores já não tinham essa posição. Hoje em dia jogo mais a 8, mais perto do 6, como organizador de jogo recuado. Tive de tomar decisões, e a minha posição deixou de existir. Entre ir para a esquerda e continuar a ser um jogador atacante, preferi estar no meio do jogo e ter mais tarefas defensivas do que 1x1 e decisões no último terço. Preferi estar mais no coração da equipa, moldar-me mais a um 8 do que a um extremo.

— Teve muitos anos de ligação ao Benfica, e pertencia a uma geração da qual saíram vários talentos. Qual o jogador que chegou a um patamar mais acima do que o João imaginava, e aquele que talvez fosse esperado que estivesse agora no topo do futebol europeu, mas não correspondeu às expectativas?

— Ui, isso são perguntas difíceis. É difícil dizer porque acompanhamentos de perto, dia a dia. Lembro-me do Rúben Dias, que teve uma evolução gigante. Digo sempre que merece estar onde está, pelo que trabalhou. E depois há muitos… o Félix, quando chegou à equipa B, notava-se que era diferenciado. O Renato Sanches também trabalhou muito e merece estar onde está. Não consigo dizer, ia estar a colocar uns mais em baixo e outros mais em cima, quando não é bem assim, porque acompanhávamos diariamente. É difícil pensar em desilusões, ou no oposto, quando vês a forma como as pessoas trabalham.

— E o João, aos 27 anos, está no patamar em que esperava estar?

— Sinceramente, não sei. Tinha de recuar uns cinco ou seis anos, para lembrar-me daquilo que sonhava e pensava. É óbvio que, sendo um jogador saído da formação do Benfica, e com minutos da equipa A, e que até teve bons números quando saiu para o Nottingham, claro que sonhamos ter muito mais na carreira. Mas, se não aconteceu, foi por alguma razão. É isso que estou a procurar. Ainda tenho muitos anos de carreira, pode acontecer tudo, não deixo isso para trás. Sei a qualidade que tenho, nunca notei que o meu nível baixasse, por isso é uma questão de trabalhar, e as coisas boas vão aparecer, de certeza.