ENTREVISTA A BOLA Fábio Paim: «O jogador de futebol é o pior bicho que existe»

NACIONAL22.11.202410:30

Fábio Paim garante que há vários antigos jogadores a passar mal no anonimato pois quando a luz se apaga tudo vai embora. Ficam apenas as memórias

Continuas a ver futebol ou só vês os treinos do teu filho?

Agora já estou a ver mais. Vou ser sincero aqui, o futebol agora mudou muito. Já não é aquele futebol que íamos ver e tínhamos prazer de ver jogar. Agora o futebol é correr e correr. Já não tem aqueles jogadores tipo o Ronaldinho, o Neymar. Aqueles que nos levavam ao estádio. Falta muita magia ao jogo. Mas, agora gosto de ir ver o Sporting, gosto de ver a Seleção. Estive muito tempo com aquela mágoa em relação ao futebol, como que se sentisse que ainda podia estar ali em campo, e fui-me afastando.

Já estás em paz com o futebol?

Quase, quase. Porque isso leva tempo… Quem disser que as coisas se resolvem do dia para noite está a mentir. Eu estou a mudar, mas tudo leva o seu tempo. Estou mais tranquilo, estou mais feliz, estou mais organizado e as coisas estão a correr bem. Mas, sou um ser humano e vou errar muitas vezes, mas vou aprender com os erros. O caminho que eu estou a fazer tem-me dado muito orgulho.

Sempre expuseste as tuas falhas pós-futebol. Mas, há muitos outros jogadores que se esconderam, que ainda não conseguiram gerir e conheces muitos casos desses. É difícil a segunda vida quando a luz do futebol se apaga?

Eu vou dizer uma coisa, infelizmente nós não podemos falar de nomes, mas existem muitos casos de grandes jogadores que estão até pior do que eu. Eu não falo em termos de dinheiro, eu falo em termos de cabeça, de espírito. No futebol, como tu dizes, quando a luz se apaga, tudo acaba. Tu deixas de ser conhecido, tu deixas de ser apaparicado, e isso mexe com o ego. Peço desculpa aos jogadores, mas, o jogador de futebol é o pior bicho que existe. Eles sabem que eu sou da mesma leva que eles. Mas, enquanto não conseguirmos assumir que estamos mal e que precisamos de ajuda nada muda. Fecharmo-nos em casa e viver com isso, vai ser complicado.

Quando o futebol acaba não fica nada. Ficamos nós e as nossas memórias. Mais nada. De resto, tudo vai embora. Mulher, família. Tudo.

Houve alguns deles que já te pediram ajuda no anonimato. Não é fácil ajudar aqueles que em silêncio sofrem porque a ribalta já não é deles?

A primeira coisa que devemos fazer é pedir ajuda. Darmos a cara, como eu sempre fiz, e vou continuar a fazer. Eu não tenho vergonha de pedir ajuda, porque isso é o mais importante. Vai haver sempre alguém que nos quer dar a mão. Depois nós aproveitamos ou não. Mas, os vícios que a gente traz, a vida de luxo que temos, se não tivermos bases que nos levem a comprar casas e a investir como é que vamos fazer quando a carreira acaba? Já me pediram ajuda a mim, e eu que não tenho nada. No futebol as pessoas querem mostrar sempre que estão bem e não é verdade. Quando o futebol acaba não fica nada. Ficamos nós e as nossas memórias. Mais nada. Do resto, tudo vai embora. Mulher, família. Tudo. Tudo vai embora.

E viver nessa solidão é tramado?

É o que nos faz a pensar em coisas... Ficamos vazios e isso é muito complicado. É por isso que eu estou a tentar e sinto-me orgulhoso comigo próprio. Com todos os erros, que é normal. Acho que agora era a altura para as pessoas olharem para mim e me darem valor. Depois de tudo o que eu passei, estar aqui de pé e com esta força, tem o seu valor. As pessoas deviam pensar mais nisso e dar mais valor.

Quem é o Fábio Paim hoje?

O Fábio Paim é pai, é filho e é uma pessoa que está a voltar a sorrir e voltar a ser feliz. Claro que não estou como estava quando jogava, mas gosto mais deste Fábio. Consigo saborear uma boa carne. Antes não sabia o que era comer bem. Durmo bem, tranquilo e acordo tranquilo. Sou um Fábio novo e muito feliz. Agradeço aos que têm estado do meu lado e me têm ajudado. Às pessoas que gostam de mim porque me dão força. Às que não gostam também agradeço, porque ajudam-me a não errar da mesma maneira.