Euro 2025 feminino: uma Relíquia(s) na UEFA para que tudo corra bem
GENEBRA — Há 15 anos Cátia Relíquias deixou Portugal. Para trás ficou uma carreira de jogadora construída no 1.º Dezembro, onde jogou dúzia de anos, sem saber que se viria a tornar uma peça fulcral nas operações da UEFA.
«Era professora de educação física, dava treinos em ginásio, e de futebol e, sinceramente, as oportunidades não eram aquilo que gostaria que fossem. Surgiu a oportunidade de vir para a Suíça para aprender francês. Quase rejeitei porque queria muito jogar a Liga dos Campeões durante o verão, era o meu ponto alto do ano, portanto, custou-me bastante, mas acabou por ser a escolha certa», conta.
A energia positiva da portuguesa é contagiante. O sorriso nunca lhe falta e os olhos brilham ao quando lhe é pedido para especificar as suas funções: «O meu cargo é Match Operations Supervisor. Sou responsável pela parte desportiva das operações das competições femininas de futebol da UEFA, portanto, UEFA Women's Champions League, a nova competição UEFA Women's Europa Cup, UEFA Women's Nations League, Women's European Qualifiers, UEFA Women's EURO e até as sub-17 e sub-19. Tudo quanto diz respeito a regulamentos, apoio aos organizadores e representantes UEFA no terreno para que as equipas se possam concentrar a 100 por cento na sua performance.»
Saudades do mar e da família
E como surgiu a oportunidade de ingressar na UEFA? «Um bocadinho de sorte e timing perfeito. Soube que estavam a recrutar para o Euro-2016 através de uma amiga e como já tinha alguma experiência em operações, fui colocada no Estádio Geoffroy Guichard , em St. Etiénne como Venue Logistics Coordinator numa missão de três meses. Correu bem e logo a seguir surgiu a oportunidade de entrar na UEFA e, ainda por cima, a trabalhar com operações nas femininas.»
Voltar a Portugal não está nos planos imediatos, não esconde «saudades do mar e da família», mas «gosto do que faço, tenho a sorte de trabalhar numa organização que me dá desafios e oportunidades. Tenho o gosto de trabalhar com imensas pessoas diferentes num universo multicultural. Vou aos estádios, encontro-me com clubes, federações, ouço-os e tento utilizar este feedback para continuar a melhorar os nossos processos e operações».
Era daquelas jogadoras úteis para a equipa, disponível para jogar em qualquer posto, mas jogando ao lado da Carla Couto, Edite Fernandes, Dolores Silva, enfim... dava o meu melhor
Cátia Relíquias foi jogadora no 1.º Dezembro, clube com grande tradição no futebol feminino, e chegou a representar a Seleção Nacional. Desafiada a desfiar o novelo das memórias, a emoção apoderou-se das suas palavras: «Joguei na seleção e tenho um orgulho enorme em ter essa linha tão importante no meu currículo. Não ficou uma carreira de grande jogadora para trás, mas tive a sorte de jogar numa equipa excelente, sendo uma jogadora mediana, vá [risos]. Era lateral, esquerda ou direita, ia mudando porque, de facto, nunca fui excepcional em nenhum posto [risos]. Era daquelas jogadoras úteis para a equipa, disponível para jogar em qualquer posto, mas jogando ao lado da Carla Couto, Edite Fernandes, Dolores Silva, enfim... dava o meu melhor.»
As Navegadoras estão na Suíça, na terceira presença em fases finais de um Europeu, e, lá no fundo, Cátia Relíquias sente que também contribuiu para o crescimento da equipa das quinas.
«Sem dúvida. Trabalho na organização de grandes competições, portanto, tenho que ser imparcial no que faço, mas nunca escondo que sou portuguesa e que sofro com a Seleção. Tenho um enorme orgulho no percurso que já foi feito por esta equipa e, claro, estou sempre a torcer por elas. Já é mais do que conhecido que cada geração contribui para que as seguintes tenham mais visibilidade. Espero também ter dado uma humilde contribuição para abrir portas para aquelas que vieram depois mim», confessou.
Evolução do futebol feminino
Em jeito de análise ao atual momento do futebol feminino português, Cátia Relíquias assumiu que ainda há muitos degraus a subir: «O que tenho visto é o aumento da qualidade das jogadoras do campeonato nacional e a evolução na quantidade de jogadoras profissionais. Vejo também que temos mais equipas na Liga dos Campeões Feminina, com o Benfica já com várias épocas de sucesso na competição. Vejo que está a evoluir, mas ainda acompanhando o padrão do masculino, com um gap consequente entre os primeiros e aos outros, o que faz com que depois o campeonato não seja, provavelmente, tão competitivo como gostaríamos, dando-lhes mais experiência e ritmo.»
A terminar, Cátia Relíquias deixou o seu ponto de vista de como tem sido olhado o futebol feminino: «É fantástico ver a evolução da percepção da sociedade em relação ao futebol feminino. Ainda me lembro de ouvir barbaridades sexistas enquanto jogadora e sentir, por toda a parte, que futebol era para rapazes. Ver estádios esgotados para ver equipas femininas era absolutamente impensável. Oferecer bolas de futebol a meninas: 'estranho'. Perguntar 'mas isso foi no Euro masculino ou feminino?': sem sentido. Ainda temos um longo caminho a percorrer em Portugal e no Mundo, mas estamos a caminhar na direção certa.»
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