Esfaqueamento na Luz: dois processos e apelo a maior prevenção
Bancadas do Estádio da Luz foram palco de um ato criminoso na última quinta-feira (Foto: Maciej Rogowski/IMAGO)

Esfaqueamento na Luz: dois processos e apelo a maior prevenção

NACIONAL23.12.202323:00

Benfica arrisca jogos à porta fechada; juristas ouvidos por A BOLA apelam à dissuasão através da videovigilância

O esfaqueamento ocorrido nas bancadas do Estádio da Luz, ao intervalo do Benfica-Aves SAD, em jogo da Taça da Liga, na quinta-feira, vai gerar dois processos autónomos que poderão resultar em sanções para os encarnados.

Na próxima semana o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol irá abrir um processo de inquérito a enviar à Comissão de Instrutores da Liga e que poderá passar a processo disciplinar e paralelamente  a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) dará abertura a um processo de contra-ordenação.

«São dois processos distintos e que correm os seus próprios trâmites», detalha a A BOLA o especialista em direito desportivo, João Diogo Manteigas, lembrando que o Benfica «enquanto organizador do evento» é «responsável pela segurança» e o ocorrido viola o artigo 182.º n.º 1 do Regulamento Disciplinar da Liga, que determina um castigo de um a dois jogos à porta fechada. 

«O clube cujo sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma coletiva ou organizada, agrida fisicamente espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo, antes, durante ou depois da realização do jogo, de forma a causar lesão de especial gravidade, quer pela sua natureza, quer pelo tempo de incapacidade é punido com a sanção de realização de jogos à porta fechada a fixar entre o mínimo de um e o máximo de dois jogos e, acessoriamente, na sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC», lê-se.

O mesmo pode suceder após a entrada em cena da APCVD. Manteigas lembra as funções de cada entidade: «O Conselho de Disciplina serve para aplicar o regulamento da Liga, já a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto serve para aplicar a lei geral, no caso a Lei 39/2009. Recordo que a APCVD foi criada porque a justiça desportiva não conseguia dar vazão aos processos.»

Porque a justiça desportiva serve para tratar de «questões técnicas», situações que envolvam saúde ou violência remetem para a lei geral e o que está em causa é um «crime público».

Reconhecimento facial no Brasil

Mas se não há dúvidas quanto ao enquadramento a posteriori, a preocupação de muitos dirigentes e legisladores é impedir atos como este no futuro. Na opinião de Gonçalo Almeida, a «prevenção é a melhor solução». Especialista em direito desportivo e juiz da Câmara de Agentes do Tribunal de Futebol da FIFA, o advogado deu o exemplo do que acontece no estádio do Palmeiras, no Brasil: «A entrada no estádio é feita através de reconhecimento facial, que identifica o cadastro e deteta imediatamente alguém que eventualmente não esteja autorizado a entrar em recintos desportivos.»

Falando apenas em tese e do ponto de vista do «senso comum», Gonçalo Almeida considera demasiado penalizador que um clube seja castigado por causa de uma situação como esta. «É impossível controlar o que cada uma das 50 mil pessoas leva para um estádio de futebol. Continuamos a ver as claques transportarem engenhos pirotécnicos», recorda.

A mensagem dissuasora, nomeadamente a publicidade da videovigilância, é um dos caminhos a seguir, diz. João Diogo Manteigas concorda e acrescenta: «No Estádio da Luz as bancadas são vigiadas com câmaras e isso nada viola o Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (RGDP). As pessoas têm de saber que caso cometam qualquer ato ilegal essas imagens são imediatamente entregues às autoridades.»

Apesar de também discordar com o princípio que castiga o clube neste contexto, Manteigas realça que os regulamentos «são claros» e o crime deverá ter «consequências para o Benfica», cuja Direção pode, em tese, «avançar para um pedido de indemnização junto da empresa de segurança» contratada. Porque, efetivamente, «entrou uma faca no estádio».

Recorde-se que o ato ocorreu no intervalo do jogo entre os encarnados e o Aves SAD, na última quinta-feira, a contar para a fase de grupos da Taça da Liga. Uma altercação entre dois adeptos por causa de um lugar no setor 38 (piso 3, bancada Mais Vantagens) terminou no esfaqueamento de um deles, com as duas filhas menores da vítima a assistir. Foi prontamente transportado para o Hospital de Santa Maria e está fora de perigo, uma vez que o golpe não atingiu qualquer órgão vital. O agressor pôs-se em fuga e ainda não há informação pública sobre o processo de captura.