Bruno Coelho: «Somos o expoente do desporto português, um exemplo a seguir»
Bruno Coelho pousa com o troféu do Campeonato da Europa conquistado em 2022, em Amesterdão, numa final contra a Rússia (4-2).

ENTREVISTA Bruno Coelho: «Somos o expoente do desporto português, um exemplo a seguir»

FUTSAL14.12.202315:09

Em entrevista a A BOLA, o experiente internacional português — 155 internacionalizações — fala do presente, passado e futuro da Seleção Nacional, assumindo o objetivo de revalidar o título Mundial no próximo ano, no Usbequistão. Recorda também a passagem pelos franceses do ACCS e ainda o convite inesperado para regressar ao Benfica na época passada

Amanhã, em caso de vitória frente à Finlândia, Portugal pode carimbar o apuramento para o Mundial-2024, no Uzbequistão. Como está o espírito do grupo para a partida?
 — Está fantástico. Sabemos a nossa responsabilidade, queremos ganhar o grupo só com vitórias. O próximo jogo pode garantir-nos o apuramento para o Mundial e o espírito é de competitividade para chegarmos a esse objetivo. 

Foco máximo para a partida decisiva de amanhã contra a Finlândia

— A Arménia e a Geórgia, que estão no vosso grupo, foram penalizadas pela FIFA com derrotas administrativas fruto das naturalizações express, algo que a FPF denunciou. Concorda que esse processo desvirtua a verdade desportiva?
 — Se nós, enquanto atletas, queremos um futsal mais rico, mais nobre, isso começa na formação e não só das grandes potências. Se fizermos esse tipo de situações, estamos a desvirtuar a modalidade e o que queremos para ela. Se queremos uma Alemanha, uma Inglaterra, uma França mais fortes, tem de existir uma aposta no jogador local e esses processos não são justos, essencialmente, para os miúdos desses países que gostam de praticar futsal. Antes, falavam nos jogadores brasileiros naturalizados para representar o Cazaquistão, mas é um caso diferente, porque eles fizeram a maior parte das suas vidas no país. 

— Como vê esta renovação geracional que se vive Seleção Nacional? 
— Isto tem a ver com o trabalho realizado pela Federação Portuguesa de Futebol, sobretudo a nível da formação e também nos clubes, que apostam cada vez mais nos miúdos. Recentemente, fomos campeões europeus sub-19 e, portanto, não é espanto nenhum que eles estejam já neste patamar. Eles chegam já mais preparados e conhecedores do espaço de Seleção Nacional. No meu tempo, não havia quase seleções jovens. Eu cheguei cá aos 24 anos.

 — Como um dos capitães de equipa, que mensagem passa aos mais jovens, que chegam pela primeira vez e entram logo num balneário com bicampeões europeus e campeões mundiais? 
— Eles já sabem o que é estar numa equipa vencedora, quer a nível dos clubes, quer a nível de Seleção. Eu dou o meu exemplo: quando cheguei a este espaço, quase não jogava, era poucas vezes opção e tive um ano e meio sem ser chamado. O conselho que dou é saberem ouvir, saberem aceitar uma crítica, deixarem ser ajudados, porque isso é muito importante para o crescimento e para a maturidade. 

— Partilha a braçadeira com João Matos, que é seu rival, no Sporting. De que forma colocam de parte a rivalidade clubística? 
— É simples. Aqui é a Seleção. Se queremos passar bons princípios, mentalidade vencedora para quem vem, temos de ser o exemplo e nesse aspeto não há nada a apontar a esta equipa. Fora daqui, temos os nossos trabalhos nos clubes, em que cada um defende as suas cores, mas cá defendemos uma causa comum, que é ganhar por Portugal.

 — Disse que, no início da sua caminhada na Seleção, jogava muito pouco. Como lidava com essa frustração de não jogar tanto como gostaria?
 — Tenho as emoções um pouco à flor da pele e às vezes não reagia tão bem. Por isso, fui castigado com um ano e meio sem ser chamado, porque o espaço de Seleção é diferente. Temos de cá vir com a cara certa e com o pensamento certo. No entanto, gostaria de realçar uma pessoa que nunca deixou de acreditar em mim: o Ricardinho. Ele insistia comigo, nunca me deixou ir abaixo, e fez-me acreditar que podia, um dia mais tarde, ser dos mais preponderantes da equipa e isso ajudou-me bastante. 

— Essa premonição do Ricardinho de que seria importante confirmou-se em 2018 com a conquista do Europeu. Consegue ainda lembrar o momento de quando parte para a bola no livre de 10 metros que dá, na altura, o 3-2 para Portugal na final contra a Espanha?
— Foi especial ter marcado o golo da vitória, mas se não fosse eu, seria o Ricardo, o André Coelho... Quem partisse para bater o livre, ia fazer golo. Estava destinado vencermos aquela final, fosse naquele lance ou nos penáltis. Aquele Europeu dificilmente nos iria fugir.

— Essa conquista marca o ponto de viragem no futsal nacional?
 — Isto é um trabalho constante, que não vem só de 2018. Nós perdemos muito, quer em Europeus, quer em Mundiais. Passámos momentos muito difíceise essas experiências levaram-nos a estar mais bem preparadosem 2018. Cada um sabia a sua tarefa, o que tinha de fazer dentro da quadra. Penso que não voucometer nenhuma inconfidência, mas o Ricardinho sentia que em todas as competições tinha defazer mais pela nossa Seleção e nós chegámos a esse Europeu a dizer: ‘não, tu não tens de fazer mais que nós, tens de fazer o teu trabalho. Se passa por desequilibrar no um para um faz isso, setiveres de correr para trás uma ou duas vezes, fica descansado que eu defendo ou ataco por ti.’ Esse foi o segredo para criarmos uma mentalidade vencedora. 

Bruno Coelho herdou a '10' do amigo e ex-companheiro de equipa, Ricardinho

— Sente que, neste momento, a Seleção Nacional de futsal é o expoente máximo do desporto português?
 — Sim, somos um exemplo a seguir. Todas as pessoas que falam da nossa equipa dizem que somos únicos, pela forma como nos entregamos ao jogo, em que cada um ajuda o outro dentro da quadra. Podemos não ter tanta qualidade individual como um Brasil, mas aquilo que o nosso coletivo dá ao jogo, penso que nenhuma seleção consegue imitar e é por isso que temos este ciclo de jogos sem perder há sete anos. 

— O grupo está confiante na revalidação do título mundial obtido em 2021? 
— Nós criámos um problema. O mister Jorge Braz disse-nos que estamos a defender o que ganhámos e isso tem de ser um motivo de orgulho. Sendo ambicioso, posso colocar a fasquia lá em cima. Acredito que é possível ser bicampeão mundial, mesmo com esta juventude, pois alguns são campeões europeus de clubes [Diogo Santos e Bernardo Paçó ao serviço do Sporting] e outros a nível de seleções [Lúcio Rocha nos sub-19], o que demonstra que estamos no caminho certo para sermos cada vez mais felizes. 

Bruno Coelho acredita ser possível repetir o feito de 2021FPF

— Com 36 anos, o Mundial-2024 será a sua última competição por Portugal?
 — Não sei... nem sei se vou ser convocado para essa competição. Sinto-me bem, capaz e vou estar disponível. Caberá ao selecionador tomar essa decisão, porque eu não vou renunciar. 

— Olhando para o seu percurso, que memórias guarda da passagem pelos franceses do ACCS em 2020/2021?
 — Infelizmente, não correu da maneira que queríamos. A nível interno, vencemos o campeonato, mas houve vários problemas. A duas jornadas do fim, o nosso treinador nem queria jogar, mesmo para castigar o presidente do clube. Tivemos inúmeras conversas, reuniões sobre a falta de pagamento de salários…

 — E no futsal deverá ser ainda mais preocupante, porque os rendimentos não são equiparados aos de futebol de 11… —Essa falta de pagamento obriga-te a mexer de outra forma. Conversei com o Ricardinho, que era meu companheiro de equipa, e disse-lhe que estava farto, que queria voltar para Portugal e ele pedia-me calma, dizendo que as coisas iam resolver-se.

« O ACCS Paris ainda não pagou o que me deve»

A primeira experiência no estrangeiro de Bruno Coelho ainda deixa marcas. Tido como um projeto milionário, o emblema francês do ACCS Paris acabou por ser punido com a descida de divisão, fruto de irregularidades económicas e incumprimentos salariais com o plantel e o staff, o que levou o internacional português a mudar-se, no verão de 2021, para os italianos do FF Nápoles. Entretanto, Bruno Coelho até já regressou a Portugal e ao Benfica, mas as contas ainda não estão saldadas... «Isso já é outra conversa [risos]. Infelizmente, não pagaram a mim e aos meus companheiros», conta o experiente ala de 36 anos, esperando que estas situações não se repitam: «Isto também é um assunto para a Federação Francesa e para a FIFA, que não devem estar apenas atentos a nível de seleções quando os jogadores não cumprem os requisitos para serem naturalizados. É preciso fazer algo também nesse tipo de clubes, que dizem que dão coisas e depois não dão.»

O regresso inesperado ao Benfica

Depois de duas temporadas no estrangeiro, Bruno Coelho recebe o convite «inesperado» para regressar ao Benfica no mercado de transferências do verão de 2022. «Não estava à espera e surgiu numa altura que eu já estava cansado de estar lá fora, longe da família, do meu filho, da minha casa», recorda o capitão dos encarnados, que admite ter encontrado um contexto «difícil» no regresso, marcado, sobretudo, pela hegemonia sem precedentes do Sporting a nível interno. «Foi um bocado diferente, porque o clube não vencia um troféu há três anos e tive de me adaptar a uma rotina e a um ambiente diferentes. Tivemos de arrumar a casa, juntamente com os outros jogadores e staff técnico. O nosso campeonato não se resume a ganhar apenas ao Sporting. Nós entramos em todos os jogos com a ambição de vencer títulos», diz. 
Sobre a final four da Liga dos Campeões, que vai reunir, além das águias, Barcelona, Palma Futsal, o atual detentor do título, e Sporting, Bruno Coelho «acredita» na glória europeia, mas remete esse pensamento apenas para maio do próximo ano.