Benfica: como sobreviver à armadilha do Inter em Milão
Lautaro Martínez marcou quatro golos à Salernitana (Foto: Gribaudi/ImagePhoto/IMAGO)

Benfica: como sobreviver à armadilha do Inter em Milão

INTERNACIONAL02.10.202313:05

‘Nerazzurri’ oferecem inúmeros problemas e o encaixe não parece favorável a Roger Schmidt

O Benfica defronta o Inter nesta terça-feira na segunda jornada da Liga dos Campeões. Após a derrota com o Salzburgo na Luz, trazer pontos do Giuseppe Meazza será fundamental para o conjunto de Roger Schmidt continuar a aspirar ao apuramento para os oitavos de final. A complicar ainda mais a vida dos encarnados está o momento dos ‘nerazzurri’, muito mais seguros de si do que na altura dos quartos de final da última temporada, quando Simone Inzaghi era muito contestado. Aliás, terá mesmo sido a partir do duplo embate com as águias – e depois com o apuramento para a final diante do Manchester City, na sequência da eliminação do rival Milan –  que o técnico garantiu finalmente a acalmia que procurava para poder trabalhar. Hoje, o Inter não aparenta apenas maior solidez como se revela grande candidato ao ‘scudetto’ e a voltar a chegar longe na próxima milionária. Já o Benfica mostra-se ainda algo indefinido, à procura dos equilíbrios do passado e com dificuldades em resistir à tentação de colocar criativos em excesso no onze, o que poderá ser fatal perante não um adversário herdeiro do ‘catenaccio’, mas um extremamente organizado defensivamente e muito perigoso (não só, mas também) na transição.

O SISTEMA

O 3-5-2 mantém-se inalterado desde a última época. Depois de ter mostrado mestria tática ao serviço da Lazio, Simone Inzaghi levou algum tempo para afinar, na Lombardia, o esquema, que recebeu um ligeiro e crucial update. Marcus Thuram, filho do antigo central internacional francês Lilian, dá mais garantias de ataque à profundidade do que Edin Dzeko – o bósnio está agora no Fenerbahçe – ou até Lukaku – hoje na Roma –, que no último ano esteve muito tempo lesionado e apresenta um perfil mais de jogador de transporte de bola.

AS DINÂMICAS

Inzaghi vai alternando o nome dos três centrais com frequência e não é certa a combinação a ser  utilizada diante das águias. Darmian e Pavard, respetivamente lateral adaptado e central também utilizado como lateral, discutem o lugar mais à direita, Acerbi e De Vrij o do eixo e Bastoni, por ser o mais técnico e com maior influência no ataque, aquele que parece ter a posição à esquerda mais garantida. Aliás, o desdobramento que a linha de três permite garante-lhe segurança para subir no corredor como se fosse um lateral, como se viu em vários momentos na última temporada, inclusive na Luz. 

A rotação não é a mesma no meio-campo e não tem que ver apenas com as unidades lesionadas. Çalhanoglu, Mkhitaryan e Barella são praticamente indiscutíveis. Os três trabalham muito e conseguem libertar pelo menos um deles para a ‘chegada’ à área contrária, sendo que, pelo foco que coloca em todos as jogadas, o italiano é aquele que se entrega mais a esse momento. O turco, um 10 convertido a terrenos mais recuados – com Roger Schmidt no Bayer Leverkusen jogava ao lado do avançado-centro, por exemplo – é um lançador, uma espécie de quarterback – e um perigo constante nas bolas paradas. Klaassen tem entrado sobretudo na rotação. Frattesi e Sensi encontram-se de fora por problemas físicos.

À direita, Dumfries é um puro-sangue no ataque, o jogador que a equipa mais procura para criar desequilíbrios. O corredor é seu – Cuadrado voltou hoje aos treinos, mas é dúvida –, porém está quase sempre a oferecer largura bem alto no momento do ataque organizado, procurando situações de rotura com e sem bola, atacando por dentro ou por fora. Em transição, é uma das maiores referências para levar a bola até à baliza contrária.

Di Marco ou Carlos Augusto, na esquerda, são laterais de ‘chegada’, com boa capacidade de cruzamento. O brasileiro é médio de origem, o que oferece uma profundidade maior por esse lado quando necessário. Também aqui, Inzaghi tem gerido os dois jogadores.

No ataque, Marcus Thuram e Lautaro Martínez dividem-se nas funções, embora o argentino se sinta mais confortável na área. O francês, que chegou a custo zero no verão depois de expirar o contrato com os alemães Borussia Mönchengladbach, jogou muito tempo da sua carreira profissional como extremo. No entanto, a Lautaro – autor de um histórico poker como suplente diante da Salernitana – também cabe a ligação com os médios, baixando para permitir à equipa subir. Se possível, distribui rapidamente para os alas – preferencialmente à direita – ou mesmo diretamente para Thuram, muito possante, e rápido e objetivo a procurar a baliza. Há ainda Alexis Sánchez, num momento descendente da carreira. Arnautovic está lesionado.

OS ENGODOS

O Inter alterna momentos de pressão alta e agressiva com um bloco mais médio, de expetativa, sobretudo para, a partir daí, libertar as transições. No entanto, como se viu em Lisboa na época passada, não se trata de uma equipa virada exclusivamente para o contra-ataque. É um conjunto com argumentos para todos os tipos de jogo.

No que à pressão diz respeito, não gosta de se expor e avança quando fareja o erro. Os ‘gatilhos’ são específicos: um adversário de costas ou a bola a cair no lateral, por exemplo. Porque, em termos posicionais e estruturais, a equipa tem logo à partida um ‘bloco central’ muito forte: 2 avançados centro, 3 três médios, 3 centrais, são oito jogadores. 

Com bola, o Inter pode organizar-se em ataque posicional, apostando na largura dada pelos alas, que estica a defesa contrária para abrir brechas no interior. Contudo, os ataques rápidos são ainda mais perigosos. Os ‘nerazzurri’ saem da pressão sobretudo pelos flancos e por Dumfries. O neerlandês é fundamental no esquema de Inzaghi. Referência na saída, pode devolver a um ‘terceiro homem’ para que se construa pelo meio, enquanto atrai o lateral contrário, expondo as suas costas. Pode ligar diretamente, com o pé direito ou o esquerdo, com um passe vertical para as diagonais de Lautaro ou Thuram nas costas da defesa. Ou, ainda, combinar rápido para ser ele a atacar a profundidade, aí beneficiamento de passes altos dados por um dos médios.

Tudo se conjuga. Os dois avançados podem recuar e atrair a linha defensiva para que Dumfries a ataque, com o tal passe dos médios, ou eles próprios fazerem contramovimentos (simular recuo para atacar as costas). Tudo obriga a atenção permanente, sobretudo dos centrais e laterais adversários. A questão de Aursnes poder ser exposto por Dumfries é desde logo pertinente. Tal como a velocidade de Otamendi diante de Thuram ou Lautaro.

Depois, as bolas paradas serão naturalmente muito importantes, com Hakan Çalhanoglu como mestre.

FALTA DE LARGURA

O 3-5-2 pode obviamente ser exposto nos flancos por extremos de linha. Algo que o Benfica só terá se colocar Di María ou David Neres sobre a esquerda. Aconteceu no clássico com o FC Porto, com Aursnes – embora numa situação de superioridade numérica – a combinar bem com o brasileiro. No entanto, jogar em San Siro, perante uma equipa muito perigosa nos vários momentos do jogo e com uma resposta ‘em espelho’ desfavorável – força italiana nos flancos, menor capacidade defensiva portuguesa aí; velocidade superior de Dumfries em relação a Aursnes, se o norueguês se mantiver na defesa; inferioridade numérica no meio-campo de 2 para 3, uma vez que mesmo Rafa baixando não acrescenta boa tomada de decisão para escapar ao aperto transalpino; dificuldades na saída da contrapressão por parte das águias – aconselha cautelas. 

EQUILÍBRIO COMO RESPOSTA

Além de ter de atacar pelos flancos, o Benfica deverá estar sobretudo equilibrado, com Schmidt a ter de encontrar uma resposta na mistura certa de talento, classe e velocidade, com a tomada de decisão e pausa apropriadas que lhe garantam ter bola em zonas altas no Giuseppe Meazza. Embora não seja excessivamente preocupante para uma equipa italiana, retirar a posse a jogadores como Çalhanoglu, Mkhitaryan e Barella, significa anular grande parte do seu poderio. A seguir, a concentração deve estar 'a top' em todos os restantes momentos.