Amazonas é um ‘case study’ de 100 milhões e apoios de Joana Darc
A festa do campeão (IMAGO)

Amazonas é um ‘case study’ de 100 milhões e apoios de Joana Darc

INTERNACIONAL08.12.202322:34

Clube com nome do estado tem apenas quatro anos e já três títulos; passados 18 anos, o Amazonas vai voltar a ter um representante na Série B; Sassá, antigo avançado do Marítimo, é o destaque da equipa

O Amazonas FC tornou-se num case study no futebol brasileiro. Em apenas quatro anos, o clube com nome do estado, fundado a 23 de maio de 2019, assegurou a promoção à Série B do Brasileirão, levantou a taça de campeão da Série C, uma conquista inédita para o futebol amazonense e, entretanto, juntou mais uma estrela, a terceira, ao emblema, ilustrativas dos títulos alcançados em tão curto período: Amazonense Série B em 2019, Amazonense Série A, já em 2023, e agora a recente Série C do Brasileirão. 

Tudo começou na zona leste de Manaus, a região mais populosa da capital amazonense e que não era, até então, identificada com nenhum clube. O Amazonas FC disputou a Série B do estadual logo em 2019 e sagrou-se campeão ao vencer o São Raimundo-AM na final. «Era eu o treinador do São Raimundo», recorda Paulo Morgado, o treinador português de 48 anos que desde 2011 trabalha no futebol brasileiro e vive em Manaus, em conversa com a BOLA. 

«Mesmo com o maior investimento, com jogadores mais sonantes, os primeiros dois anos do Amazonas não foram de muito sucesso. Contrataram jogadores em final de carreira, casos do Airton, que jogou no Benfica, ou do Ibson e do Walter, que jogaram no FC Porto… O Walter chegou aqui com mais de 110 kg. O clube investia muito mas sem critério, tudo à base da emoção. Aqui tudo é feito com emoção. Investiram muito e não conseguiram chegar às finais do estadual nos anos seguintes», viaja um pouco pelo passado recente Paulo Morgado, que não dissocia o êxito do Amazonas FC em 2023 da contratação de profissionais experientes. «A partir do terceiro ano é tudo diferente. Há uma mudança radical, com a contratação de um gerente profissional para o futebol. O presidente deu o futebol a pessoas do futebol», destaca.

O resto é o que se sabe. Lugar na série D em 2022, depois de um 3.º lugar no estadual, e subida de divisão, título estadual em 2023 e a conquista da Série C, na final com o Brusque. O que significa que, passados 18 anos, Manaus e o Amazonas vão voltar a ter futebol de Série B, com a Arena da Amazónia, um dos anfiteatros (gigantes de cimento!) construídos propositadamente para o Mundial de 2014, e o estádio Carlos Zamith, edificado para servir como campo de treinos nesse mesmo Campeonato do Mundo, como palcos privilegiados de promoção do mais recente fenómeno do futebol brasileiro e amazonense.

O Amazonas FC tornou-se, também, o terceiro clube criado neste século a atingir ao segundo escalão nacional saindo da quarta divisão (Série D) – junta-se, neste particular, a Cuiabá (fundado em 2004) e ao Novorizontino (de 2010). É, sem dúvida, a ascensão mais meteórica e espetacular, tratando-se do período entre a fundação e a chegada à Série B.

Os muitos apoios estaduais

Para tal, o Amazonas FC contou com o significativo apoio financeiro de empresários locais, do município de Manaus e do próprio estado (o segundo mais rico da região Norte do Brasil), e com as emendas parlamentares (apoios extraordinários) promovidos pelos deputados estaduais, com especial destaque para a emenda de 3,5 milhões de reais [ndr: 660 mil euros] proposta por Joana Darc, advogada, ativista, casada com um dos principais patrocinadores do clube e, como ela própria confessou, adepta da Onça Pintada. «Porquê o Amazonas? Porque o Amazonas foi o único clube que se habilitou para fazer a parceria com o governo do estado do Amazonas no projeto Pelci. Existia um concurso público para vários clubes e só o Amazonas foi habilitado. Além disso, hoje é o clube que está na Série C, é o clube que venceu o Barezão [ndr: estadual] e é o clube que apresentou o projeto para mim e disse vamos construir a várias mãos. E além disso, eu sou torcedora», disse Joana Darc, em maio último, citada pelo Globo Esporte.

A verdade é que mesmo que, teoricamente, o apoio governamental ao Amazonas FC visasse, sobretudo, a formação e a construção de escolinhas de futebol, «houve um investimento brutal na equipa para este ano», reconhece o treinador Paulo Morgado a BOLA. «Começaram por manter o técnico Rafael Lacerda e a base do plantel e conseguiram, finalmente, ser campeões do amazonense. Houve menos erros na escolha dos jogadores, reforçaram a equipa em posição específicas e foram contratando, depois, com o decorrer da competição. Contaram com muito apoio político, sobretudo da deputada Joana Darc, muito conhecida, e de emendas parlamentares de 15 milhões de reais [ndr: quase 3 milhões de euros, valores confirmados pelo Portal da Transparência de emendas de deputados estaduais com recursos destinados ao clube]. E aí sim, conseguiram um grande trabalho na Série C», acrescenta o treinador português.

Os novos desafios da Série B

Projetando já o futuro, e traçando como meta, a breve prazo, a promoção à elite do futebol brasileiro, a tão ambicionada Série A, o Amazonas FC, que acaba também de conquistar os seus primeiros títulos estaduais de sub-14 e sub-16, iniciou a construção, fora da área metropolitana de Manaus, de um modernos centro de treinos (CT) que, no futuro, servirá de base a todo o futebol do clube. «Hoje, é o clube mais organizado no Amazonas. Foi-se profissionalizando em setores vitais numa equipa de futebol. Ainda não tem uma estrutura consolidada, mas está a construir o CT e nos próximos anos vai dominar o amazonense e se contratar bem vai fazer uma Série B tranquila», destaca ainda Paulo Morgado, técnico que em 2024 sai da zona de conforto (Manaus e o Amazonas) para treinar o GAS - Grémio Atlético Sampaio, do Roraima.

A presença na Série B vai obrigar o Amazonas FC a reforçar os seus quadros de profissionais, de forma a suportar as exigências de uma temporada de 38 jornadas e longas viagens. Sem grandes vícios administrativos, com uma estrutura dirigente já experimentada em projetos como Rio Negro e Nacional, como revelou a BOLA o presidente Wesley Couto, o clube perspetiva manter o padrão de investimento, estimando como limite orçamental «os 100 milhões de reais [ndr: cerca de 19 milhões de euros ao câmbio atual].»

A festa do golo do Amazonas (IMAGO)

As presenças em 2024 na Série B, na Copa do Brasil e na Copa Verde garantem, à partida, importante sustentação e retorno financeiro (patrocinadores oficiais das competições, direitos televisivos e redistribuição de prémios pela CBF), pelo que o Amazonas FC terá mais dinheiro em caixa e conseguirá atrair mais patrocinadores locais, numa região forte economicamente. 

No campeonato Amazonense, o desafio do Amazonas FC será confirmar o bicampeonato sem sobressaltos, já com uma base mínima do plantel para a disputa da Série B. Depois, há também a estreia na Copa do Brasil, e aí o presidente Wesley Couto já fez saber, que o objetivo passa por atingir, no mínimo, os quartos de final. «A gente tem uns estudos e está na hora de ter uma zebra em 2024 na Copa do Brasil… Então, vamos preparar-nos para isso. Eu costumo falar que pelo menos até aos quartos de final a gente vai estar. Agora, se conseguimos chegar nas meias e na final é outra situação. Mas vamos ver. O trabalho é para isso, vamos colocar uma equipa, um elenco competitivo», confidenciou em entrevista ao canal Fora de Série-AM.

Treinador Luizinho Vieira continua

Para já, o Amazonas FC tem garantida a continuidade de Luizinho Vieira, o treinador do título da Série C – invicto à frente do clube com cinco vitórias e um empate em seis jogos na fase final –, que conseguiu libertar-se, mediante o pagamento da cláusula, do compromisso com o Confiança, de Sergipe, e a prioridade passa pela renovação de contrato com alguns dos jogadores mais influentes na recente e vitoriosa campanha.

Além da qualidade, o plantel do título na Série C – final a dois jogos com o Brusque, de Santa Catarina, com empate a zero em Manaus e vitória fora, no interior de Santa Catarina, por 2-1 – tem experiência na… Série B! São 15 jogadores com jogos na divisão secundária. O que não invalida mudanças. Mas a análise de mercado terá sido bem feita. Entre os mais experientes, destaque para o guarda-redes Edson Mardden, com seis participações na Série B, o lateral direito Patric, antigo jogador do Benfica e o atacante Sassá, ex-Marítimo, que reencontrou no Amazonas o seu melhor futebol e fez a melhor temporada da carreira. O ponta-de-lança terminou a Série C como melhor marcador, com 18 golos em 22 jogos.