Três a correr por fora

OPINIÃO24.08.202206:30

A Champions é Davides contra Golias e nós fazemos parte dos primeiros. O objectivo de FC Porto, Sporting e Benfica será o mesmo: passar da fase de grupos

Epela segunda época consecutiva temos os três grandes na fase de grupos da Champions, um bis que só tinha acontecido em 2006 e 2007 (com Jesualdo no FC Porto, Paulo Bento no Sporting e Fernando Santos e José António Camacho no Benfica). As águias, como se esperava, completaram na Luz a empreitada iniciada em Lodz (Polónia) e eliminaram com toda a naturalidade o Dínamo Kiev do cada vez mais previsível Mircea Lucescu. O Benfica fez uma óptima primeira parte e entusiasmou a multidão com uma demonstração de futebol moderno - pró-ativo, intenso, audacioso e eficaz. Roger Schmidt, em estado de graça, cumpriu com inegável competência e louvável pragmatismo a primeira grande missão da época e garantiu quase 40 milhões de euros à tesouraria benfiquista… mesmo sem ter os reforços que esperava. Correu tudo bem, a começar pelo sorteio (há que reconhecer que Midtjylland e Dínamo eram adversários acessíveis - como é que Jesus se deixou enganar pelo Dínamo?!?), mas não será descabido dizer que o Benfica pisou gelo fino no capítulo do mercado em face daquilo que estava em jogo.

Portugal é assim o quinto país mais representado na fase regular da Champions, acima da França (apenas PSG e Marselha em liça) e da Holanda (Ajax e PSV), e só atrás dos poderosos big four (Alemanha, 5; Espanha, Inglaterra e Itália, 4), o quarteto do qual quase certamente sairá o próximo campeão europeu. É essa a sina desta fascinante competição cada vez mais fechada e elitista, para desconsolo da classe média e da arraia miúda europeias. Vejam que em trinta edições neste modelo Champions (estreado em 1992) houve 28 campeões saídos das big five (Espanha, 12; Inglaterra, 6; Itália, 5; Alemanha, 4; França, 1) contra apenas dois campeões saídos dos restantes campeonatos - o Ajax de Louis van Gaal em 1995 e o FC Porto de José Mourinho em 2004.
 

Benfica junta-se a FC Porto e Sporting na fase de grupos da Liga dos Campeões


A improbabilidade de voltarmos a ter um campeão europeu fora das  big five é tão grande que não vale a pena perdermos tempo com fantasias. Isto é Davides contra Golias e nós fazemos parte dos primeiros. O objetivo de FC Porto, Sporting e Benfica será o mesmo: passar da fase de grupos, o que garante logo uma receita muito apreciável, e tentar chegar aos quartos de final, que se transformou numa espécie de barreira intransponível para os remediados e classe operária. Veja-se o quadro em anexo. Nos últimos dez anos, só um outsider conseguiu atingir as meias-finais (o Ajax de Erik ten Hag em 2019), o que diz bem da sufocante hegemonia das ligas mais ricas. Lembro que há três anos, num registo inédito, os 16 oitavo-finalistas provinham todos das big five! Quanto a presenças na fase eliminatória, Portugal é o único outsider que viu três clubes (FC Porto, 6 vezes; Benfica, 3; Sporting, 1) atingirem essa fase, o que não deixa de ter algum significado.

No sorteio de amanhã, o FC Porto estará no pote 1 (evita Real Madrid, City, Bayern, PSG, Milan, Eintracht Frankfurt e Ajax) e o par lisboeta, no pote 3 (evitam Dortmund, Inter, Nápoles, Leverkusen, RB Salzburgo e Shakhtar). A sorte tem aqui um papel importante, mas é um facto que qualquer das três equipas portuguesas pode ficar num grupo com os tubarões do pote 2: entre Liverpool, Chelsea, Barcelona, Tottenham, Atlético Madrid, Juventus e Leipzig, é só escolher.
 

TRÊS A QUERER MAIS

TRÊS clássicos em três dias seguidos, a mesma constatação: FC Porto (com Sporting), Palmeiras (com Flamengo) e Manchester United (com Liverpool) mostraram como é importante querer ganhar, independentemente da conjuntura e do onze que vai a jogo. Tanto no Dragão, como no Allianz Park e em Old Trafford a equipa da casa ganhou claramente a batalha da vontade ao adversário. Os que quiseram mais, os que se esforçaram mais, saíram por cima. É verdade que o FCP não fez jogatana para 3-0, como é verdade que o jogo poderia ter sido outra coisa se o Sporting… se, se, se. Mas viu-se bem que os jogadores do FC Porto estiveram sempre mais à vontade com a pressão e a exigência do jogo. Foram quase sempre mais rápidos. Mais ágeis. Mais intensos.

Mais agressivos. E muito mais decididos nas bolas divididas. Esta atitude faz parte do ideário portista há muitos anos e Sérgio Conceição tem provado ser um dos seus mais fiéis intérpretes. Talvez por isso seja já o treinador na história do FC Porto com melhor desempenho nos clássicos: em 33 jogos contra os dois grandes rivais, Sérgio soma 17 vitórias (Benfica, 9; Sporting, 8), 12 empates (Sporting, 9; Benfica, 3) e apenas quatro derrotas (Sporting, 2, mais quatro em desempate por penáltis; Benfica: 2). Um registo impressionante, de tão revelador… e altamente desmoralizante para quem pretende apeá-lo do poleiro.

Quanto ao Palmeiras de Abel Ferreira, tem muito da cultura portista. É uma equipa raçuda, determinada e corajosa, que não tem medo de puxar dos galões e cair em cima do adversário, seja qual for e onde for. São empertigados. Agressivos. Têm carácter. O Flamengo em versão b apanhou-se a ganhar sem saber muito bem como, mas na segunda parte não resistiu à pressão intensa do Verdão e deixou fugir uma vitória que, se calhar, mudaria a história do campeonato.

Esse querer ganhar a todo o custo foi igualmente determinante no clássico de Old Trafford, onde se viu um Manchester United muito mais rápido, muito mais intenso e muitíssimo mais determinado do que o Liverpool que, estranhamente, se apresentou em pose aburguesada (como se já não tivesse nada a provar) e traje de passeio (como se aquele não fosse o duelo mais trepidante do futebol inglês). Foram atropelados, claro! E podia ter sido muito pior: 2-1 é um resultado enganador quanto à diferença de atitudes.
As melhores equipas são aquelas que nunca perdem urgência no que fazem. As que não ficam à espera dos amanhãs que cantam.