Ruben Amorim: ficar ou sair?
Por mim, saía. Afinal, até quando se deve remar contra a maré? Até onde é justo pedir a um dos melhores treinadores da sua geração que transforme pedra em pão, semana após semana, num contexto onde a fome é muita e os ingredientes são poucos?
Não é preciso ser adepto do Sporting para reconhecer a grandeza de Ruben Amorim e o legado que deixou em Alvalade. É, indiscutivelmente, um líder moderno. Ao serviço dos leões, mostrou que é possível vencer com ideias, com coragem, com personalidade e com competência. No banco, não era apenas o treinador: era o verdadeiro líder de um grupo unido, focado, descomplicado e eficaz, que vencia e convencia. Trouxe uma nova linguagem ao futebol português - fresca, autêntica, humana e sem abdicar dos seus princípios - conquistando adeptos, jogadores e dirigentes.
Mas, em Manchester, o cenário é outro. O clube é gigantesco, sim, mas anda à deriva há demasiados anos. Amorim chegou a Old Trafford numa fase crítica, consciente do desafio que tinha pela frente. Mas será que sabia ao certo a profundidade dos problemas? Tenho sérias dúvidas. E não se trata apenas de maus resultados. Trata-se de um plantel claramente insuficiente e de uma cultura de excelência que o clube perdeu algures no tempo.
Na Premier League 2024/25, o Manchester United de Amorim aproxima-se de um recorde negativo que remonta aos primeiros anos de Sir Alex Ferguson. Com 18 derrotas na liga, superou as 16 de Ferguson na época 1989/90 - dois anos antes da criação da Premier League. Nessa temporada, o United terminou em 13.º lugar. Hoje, antes da última jornada, ocupa o 16.º. Importa recordar que, mesmo perante esse registo, o clube manteve Ferguson. E a história mostrou que fez bem: seguiram-se 13 títulos da Premier League e duas Ligas dos Campeões.
Na final da Liga Europa, frente a um Tottenham igualmente em crise, o jogo era muito mais do que um troféu - era uma tábua de salvação. Amorim perdeu, apesar de ter feito o suficiente para, no mínimo, levar o jogo a prolongamento. Não venceu, mas não procurou desculpas. Não fugiu. Pelo contrário, revelou o seu verdadeiro carácter: colocou o lugar à disposição, deixando claro que, se direção e adeptos assim o quisessem, sairia sem exigir qualquer compensação financeira. Hoje, uma atitude destas é rara. Tem uma forma diferente de estar. Uma maneira de ser e liderar que faz bem ao futebol, ao desporto e à sociedade. Mais uma prova inequívoca dos valores e da integridade de Ruben Amorim.
Acredito que o clube não o dispensará. A direção está plenamente consciente das limitações que enfrenta, a todos os níveis. Mas voltamos à pergunta central: deve Ruben Amorim ficar ou sair?
Para mim, a resposta é clara: sair.
Não por falta de coragem. Não por desistência. Mas por lucidez. Amorim tem tudo para liderar ao mais alto nível - mas precisa de contexto. Precisa de um clube que saiba para onde vai, com uma estrutura sólida, uma política de contratações coerente e um plantel minimamente capaz de executar as suas ideias. No Manchester United atual, isso é uma miragem.
Os adeptos conhecem as dificuldades do clube, mas, sejamos francos, essa consciência vale pouco. O que os adeptos querem é vencer. E lutar pelo título inglês, neste momento, é uma utopia perante a diferença para equipas como o Arsenal, Liverpool, Manchester City e até o Newcastle. E atenção ao Arsenal: na minha opinião, está prestes a entrar num ciclo de domínio. É uma equipa que tem evoluído de forma sustentada e, com mais dois ou três reforços, poderá liderar a Premier League nos próximos anos.
Voltando a Ruben Amorim, importa lembrar que é um treinador que sabe potenciar o que tem. Em Portugal, provou isso vezes sem conta. Mas nem ele faz milagres. E, olhando para a atual realidade dos Red Devils, percebemos que não se trata de um simples mau momento - trata-se de um clube sem identidade, com limitações financeiras e um plantel curto em qualidade. Longe vão os tempos em que o Teatro dos Sonhos era casa de lendas como Beckham, Giggs, Scholes, Ferdinand, Vidic, Ronaldo, Rooney, Van Nistelrooy ou Van der Sar. Hoje, salvam-se Bruno Fernandes, Dalot e pouco mais. Da baliza ao ataque, o United precisa urgentemente de qualidade.
A saída de Amorim não seria uma derrota. Seria um ato de inteligência e proteção. Porque, se insistir neste projeto falido, será inevitavelmente arrastado para o fundo - e injustamente culpado por um fracasso que não será dele. Amorim merece mais. Muito mais. Merece um projeto com direção, com ambição, com capacidade de recrutamento e de execução. Não pode ser mais um nome engolido pela máquina que, há anos, consome treinadores em Old Trafford.
Ruben Amorim precisa de um novo palco. Um projeto sério. Um clube ambicioso, onde possa construir com tempo, meios e estabilidade. E acredito que esses clubes estão atentos. Amorim vai, certamente, renascer mais forte. Porque talento, competência, visão e carácter não lhe faltam - sobram-lhe.
Ficar ou sair?
Sair. De cabeça erguida e de consciência tranquila. Porque às vezes, a decisão mais difícil… é a mais certa.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.