Organizar e estruturar um clube
O lado invisível é o espaço de opinião de Rui Lança, diretor executivo de outros desportos do Al Ittihad, da Arábia Saudita
No desporto (e provavelmente noutras áreas) é mais fácil destruir do que construir, criticar do que instruir, e defender (ainda que seja uma arte) do que atacar. E, embora em certos espaços de opinião tudo pareça simples, aportar valor à organização e estruturação de um clube é uma tarefa complexa. Até porque esse valor pode ser gerado de diferentes formas, e não apenas através de conhecimento técnico ou de um talento específico. Hoje em dia, tendo em conta os desafios relacionais entre diferentes gerações e o cruzamento de culturas de trabalho nas mesmas equipas e projetos, é possível aportar valor e várias formas.
Organizar e estruturar um clube desportivo envolve diversas peças quase autónomas de um puzzle, mas que precisam de funcionar de forma interdependente. E organizar um clube não é o mesmo que organizar o departamento de futebol ou de qualquer outra modalidade. É algo mais abrangente. No final do dia, há dois ingredientes muito especiais que distinguem esta realidade de muitas outras: a emoção e a constante incerteza dos resultados desportivos, que continuam a ser o grande core (ainda que não o único) de um clube.
A César o que é de César, e por isso, num clube, ninguém se deve esquecer de que a maioria das pessoas ali trabalha porque, no fim do dia, existem atletas, treinadores e staff. Mas, por outro lado, o sucesso começa e integra-se nas várias camadas e áreas do clube enquanto organização. Todos temos de entender o papel de cada área, de cada uma das pessoas e a importância de trabalhar de forma alinhada.
Considero que existem cinco áreas fundamentais, distribuídas por dois pilares distintos: por um lado, a definição e compreensão do propósito e da cultura organizacional, por outro, a estratégia e os objetivos desportivos e operacionais, bem como todos os recursos existentes e os gaps relativamente aos recursos necessários. A fazer a ponte entre estes dois pilares estão as práticas de liderança existentes. Curiosamente, grande parte destes elementos são subjetivos, falamos de comportamentos, de alinhamentos, de aspetos difíceis de quantificar por vezes.
É precisamente aqui, na minha opinião, que muitas estratégias para desenvolver e potenciar um clube são anuladas: pela incapacidade (e/ou insensibilidade) de ligar as peças certas, de criar valor a partir da soma das mais-valias, de perceber como potenciar as relações entre pessoas, equipas e departamentos.
Tal como um treinador de uma modalidade coletiva se preocupa profundamente com a ligação entre as diferentes partes da sua equipa, também um diretor desportivo precisa de se preocupar com todas as áreas que influenciam o desempenho da sua equipa e da sua estrutura técnica. Da mesma forma, um diretor geral deve garantir que as peças de todos os departamentos são eficientes, estão bem interligadas e que existem processos consistentes e robustos que potenciem essas áreas.
Claro que é importante definir o mapa, ou seja, se um clube deve ter um departamento de marketing, jurídico ou de recursos humanos, por exemplo. Mas essa é, diria eu, a parte mais fácil: podemos sempre olhar para os bons exemplos. O mais difícil é garantir que essa máquina funciona com o ritmo desejado e, acima de tudo, na direção certa e de acordo com o modelo que desejamos. É aí que entram as áreas que referi anteriormente.
A maioria dos clubes e das pessoas que neles trabalham não consegue definir qual é o verdadeiro propósito do clube. Vencer não chega, porque isso, muitos podem afirmar. Se fosse assim, todas as empresas teriam o mesmo propósito: o lucro. E sabemos bem que existem milhares de formas de o atingir. A minha maior preocupação é que o propósito esteja bem definido, que as pessoas o sintam e compreendam diariamente. Não tenho dúvidas de que, tanto nas vitórias como — sobretudo — nas derrotas, as pessoas precisam de saber e entender por que razão vão trabalhar todos os dias. E, repito: ganhar não chega. É necessário definir e implementar o porquê.
É fundamental definir como se quer ganhar, que comportamentos queremos ver. Se o topo transmite uma imagem desleixada, não podemos esperar que o trabalhador coma a relva. Mas se o topo for o maior exemplo de exigência, então pode-se cobrar! E isto é cultura organizacional. Arrisco-me a dizer que, muitas vezes, que os treinadores ganhariam 15-0 a muita gente num clube no que diz respeito a compreender o que é isto de cultura de um comportamento nas suas pessoas. Há uma discrepância enorme entre a cultura que achamos que existe e aquela que existe na realidade. E, igualmente preocupante, os trabalhadores tendem a ter perceções diferentes da cultura organizacional comparativamente ao que o topo acredita que ela seja.
Tal como não se fazem omeletes (de qualidade) sem ovos, uma estratégia eficaz precisa de ter em conta o modelo de negócio que se pretende implementar no clube, os objetivos desejados e a sua viabilidade a curto, médio e longo prazo.
O que temos, o que nos falta e como vamos obter o que desejamos. As pessoas sentem com o coração e comem com os olhos e por isso, todos precisamos de ver as coisas a acontecer, conforme foram definidas e idealizadas. Isso faz-nos sentir parte dos objetivos alcançados, que pertecemos ali! A liderança é absolutamente essencial.
A liderança pode ser tudo e nada, mas precisamos de pessoas que liderem no topo e, depois, nas linhas intermédias, quantas forem. Pessoas que saibam contagiar, dar o exemplo quando necessário, instruir quando for preciso, rodear-se dos melhores profissionais possíveis tendo em conta os recursos disponíveis, e ser alguém que, em equipa, sinta o propósito do clube (que deve estar definido e acima de todos) e contribua para a melhoria e vivência da cultura organizacional.
Claro que falar é fácil. Até porque, ao longo do caminho, leva-se muita pancada. As vitórias têm muitas mães e as derrotas, geralmente, só uma ou duas. Porque isto é desporto e no fim só um é campeão. Porque a emoção que tanto nos apaixona também nos deturpa o que vemos. Como já escrevi antes, um projeto desportivo tem maior probabilidade de sucesso quando assente numa estrutura sólida. Um projeto desportivo pode vencer mais vezes se a sua estrutura for competente, eficiente, exigente e um exemplo para os que jogam e treinam. Quando não o é, afastamos os competentes e vencedores para outros projetos. Mais uma vez, e para terminar, os exemplos em que se trabalha melhor dentro de campo do que fora devem ser um alerta sério para todos os projetos que se pretendem implementar.