Bruno Fernandes recuperou a forma e a fome que faz dele o líder de que o Manchester United precisa para voltar a ser feliz
Bruno Fernandes recuperou a forma e a fome que faz dele o líder de que o Manchester United precisa para voltar a ser feliz

O Manchester United, Amorim e o previsível final da história

Um dia o grande Man. United irá voltar e não é de todo descabido pensar que os primeiros passos desse regresso já estejam a ser dados. Será Ruben Amorim a mostrar-nos o futuro?

O futebol é tão imprevisível como Harry Maguire a pela direita que nem extremo à moda antiga, a convencer num ápice o marcador a ir caçar gambuzinos, ainda que o rapaz se arrependa e ainda volte para uma última tentativa de desarme. Sim, esse mesmo Harry, corpo de mogno em forma de armário e pés de lenhador após uns quantos shots e umas fish n' chips no pub da vila, a insistir e a cruzar para a cabeça de Ugarte, na primeira de duas assistências do Manel uruguaio, a que encaixa com um Casemiro a voar para um rejuvenescimento há muito dado como perdido. Talvez até pelo próprio, aburguesado depois do que andou a ganhar pela comissão de serviço no Bernabéu.

É igualmente imprevisível quando se espera uma noite de sofrimento, de fuga às próprias sombras, e se acaba num passeio ao luar, tão romântico que, de repente, dá ideia de poder mudar tudo. De virar uma época do avesso, de pôr uma classificação inteira de pernas para o ar e pendurá-la no balneário. Não se percebe que raio fizeram aos Leones de Bilbau, de tão impossível era que estivessem saciados antes da final onde tinham de estar sim ou sim, porém ferozes foram os diabos, mais demoníacos do que diabólicos, contabilizando almas em ábaco, como se estas fossem responsáveis por todos os males do mundo e havia que recuperar esse tempo perdido desde o início dos tempos.

Era, amigos, o Athletic de Valverde, em que tudo faz sentido até, num ápice, deixar de o fazer. Não o Barça de Flick ou o Real de don Carletto, que virou vilão com charuto em Madrid, mas ainda assim valentes e organizados bascos que honram a tradição do bom e organizado futebol.

Claro que todos sabemos que Old Trafford está longe de ser imune à falta de lógica, tal como o não foi a Catedral de San Mamés, ainda mais com tantos a faltarem e a quererem faltar ao respeito ao gigante adormecido, onde já não voam chuteiras nem há Spice Boys a sair do balneário com pensos na testa, mesmo que nunca tenham deixado de curvar a bola como sempre fizeram. Amorim sabe isso melhor do que ninguém, já o sentiu como poucos, resistiu como talvez só mesmo Ferguson, que ainda tem um ano e picos de sobra para a troca e a visão daquela tarja ameaçadora, mesmo diluída pelo irritante clima britânico: três anos de desculpas e ainda continua uma porcaria! Shite!

O futebol é, contudo, previsível ao ponto de sabermos que há sempre golo num penálti marcado por Bruno Fernandes, tal como havia um arco-íris a nascer da última pegada que ficou da finta de Garrincha, da diagonal de Robben ou do drible da vaca de Romário. Tão esperado como o eterno vencedor nas apostas de Fergie e Ronaldo ou aquele vulto a não falhar um drible em velocidade down the wing. Ryan Giggs, Ryan Giggs!

Os golos a granel de Van Nistelrooij, Van Persie e van todos mas é para onde o raio vos parta se não se lembram do Rooney, que até de bicicleta... e o colarinho levantado em cima do peito feito de Eric após mais um pontapé na traineira perseguida por gaivotas atrás de sardinhas. Oh, ah, Cantona!

De Bruno já nos habituámos a que a água dos fiordes gelados lhe corra pelas veias transformadas em rápidos que aceleram para baliza dos adversários. Mais do que a Hojlund ou a Lindelof, herdeiros, esses sim, talvez de vikings que invadiram e saquearam a Northumbria, ainda que algo se tenha perdido na genética e não pareçam fazer mal a uma mosca. Em Bruno, sim, há um gelo que se transforma mais uma vez em classe perante o guarda-redes e o aproxima ainda mais daquele guerreiro que sempre conhecemos, capaz de liderar até um animal ferido e até aí sem esperança contra o resto do planeta. Espero-o em todos os jogos e confesso que já tinha saudades. Talvez apenas os analistas e comentadores não as tivessem para haver sempre algo por onde pegar. Ainda que se não houver inventam.

A primeira época de Ruben no Manchester United nunca dará para que se escrevam grandes obras clássicos, epopeias. Nada que ainda aconteça, inclusive voltar a San Mamés e festejar em êxtase, apagará tudo o que não se previa e aconteceu. Que foi acontecendo, semana após semana, jogo após jogo, com o português cada vez mais exposto, a dizer coisas que ninguém esperava ouvir. Como a do pior Manchester United da história.

Ninguém pode dizer que estava preparado para um 14.º ou 15.º lugar, para a facilidade com que os golos são sofridos ou a escassez de qualidade quando se tem a bola para atacar. Para as 15 derrotas, muitas delas numa casa que se deveria apresentar como uma fortaleza. Porque simplesmente a liga é de um outro nível e castiga se calhar tanto como a Champions, a revolução parece mais estagnada do que viva, ainda com muita pedra para partir, antes que se lancem novas fundações e se construa uma nova casa. Mas estará mesmo?

A Liga dos Campeões, via Liga Europa, não deixa de ser um caminho, um alternativo, que valerá tanto ou mais do que o outro. Significará prata, a conquista de um troféu, não o mais importante e mais desejado, mas ainda assim um troféu — o mesmo que José Mourinho venceu e que continua a ser o mais valioso no pós-Ferguson, com Ten Hag ainda assim a arrecadar os restantes dois, a Taça de Inglaterra e a Taça da Liga, em épocas sucessivas —, e um salto virtual gigantesco de dez posições na tabela do melhor campeonato do mundo. Através, sim, de uma realidade paralela.

Tal como na altura de Mou, o Manchester United, na pele de dirigentes e adeptos, sabe que não é suficiente. Ruben Amorim também. Ainda Bruno Fernandes, que sempre disse publicamente querer fazer parte de uma equipa competitiva, que lute pelos lugares cimeiros do campeonato, sentirá o mesmo. Tem de senti-lo. Um competidor com ele não conseguirá escapar a tamanho sentimento.

É acredito, mais agora do que chegou a prometer em 2016/17, o início de novo ciclo. Um certamente mais feliz. O clube deve a si próprio esse regresso ao passado em termos de títulos. A Ruben resta continuar a partir pedra e se o futebol tem algo de previsível é que o grande United um dia vai voltar. Será desta?