Despedida do Benfica do Mundial de Clubes foi também o adeus de Di María ao clube (Foto Miguel Nunes)

Maratona cumprida

Visão de golo é o espaço de opinião de Rui Águas, treinador e antigo avançado internacional português

Época finalmente encerrada, com o mais longo dos jogos, na mais longa das épocas da história do Benfica. Veremos agora o que o futuro nos traz. Maior sensatez ou ainda mais jogos?

A equipa escolhida para o que seria o confronto final incluía o regressado Florentino e o perdoado Kokçu. De pior, confirmava a ausência de Renato Sanches, que tão importante tinha sido no jogo anterior. Já Carreras, uma das figuras principais da época, não era eleito, talvez impedido pelas negociações contratuais em curso.

Assistimos a um jogo estranho, atípico e fortemente afetado pelas longas pausas. Ainda nos queixamos da Choupana... A supremacia do Chelsea foi clara até à interrupção protocolar provocada pelo tempo. Surpreendentemente, a longa paragem trouxe um Benfica melhor, mesmo com o pouco tempo disponível, ainda a tempo de forçar o prolongamento.

O futebol tem disto frequentemente: Trubin a passar de herói imortal a quase vilão, em apenas quatro dias. Há expressões que, por serem certas, perduram no tempo, tal como os provérbios ou ditos populares. No caso particular do futebol, e na posição específica de guarda-redes, defende-se que a obrigação base do keeper nas bolas paradas é defender o lado que a barreira não tapa. Mas também defender o primeiro poste, relativamente ao lado de onde vem o remate ou cruzamento.

Neste caso, acabou por ser um cruzamento/remate que surpreendeu Trubin. A questão é não tentar adivinhar, resistindo à tendência do movimento, mas sim preparar-se para defender o canto pelo qual se é mais responsável. Mérito e grande perícia de Reece James, mas indesmentível responsabilidade de Trubin.

É verdade que o Benfica viria a empatar, mas os ingleses chegariam à vantagem, já no prolongamento, beneficiando de nova infelicidade de Trubin, mas no seguimento de vários erros desequilibradores no meio-campo. O Benfica tinha chegado ao tempo extra revigorado pelo empate do qual já duvidava, mas veio a tal expulsão, típica de quem entra com mais vontade que discernimento. Inesperadamente, porém, foi na fase imediatamente a seguir que o Benfica mais perigo criou, estando perto da vantagem até ao segundo golo do Chelsea, que, aí sim, resolveu o jogo.

A verdade é que, convém lembrar, foi Trubin o jogador determinante para o Benfica chegar aos oitavos de final, meta considerada à partida positiva para esta primeira participação no Mundial de Clubes.

Histórias de vida

O recente episódio entre Lage e Kokçu, embora bem diferente, recordou-me uma experiência que vivi como treinador. Enquanto selecionador de Cabo Verde, já há algum tempo, decidi convocar um jogador que era suplente num clube grande português. Talentoso e irreverente, entendeu que deveria ser titular, mesmo sem o ser no seu clube de então.

Nunca achei que tal fosse lógico, nem justo para os colegas que jogam regularmente. Durante a preparação desse jogo, que marcava a minha estreia como selecionador, o tal convocado, quando percebeu que não seria primeira escolha, fez questão de mostrar a sua discordância, com um par de atitudes inconvenientes durante uma das sessões preparatórias.

No rescaldo, embora viajasse connosco, decidi deixá-lo fora dos convocados para esse importante e difícil primeiro confronto. No seguimento, promovi uma reunião com toda a equipa, onde ele teria de se retratar, para entrar nas contas para o jogo seguinte, já em Cabo Verde. O procedimento das desculpas foi cumprido, algo que sendo obrigatório, nem sempre é sentido, por isso, faltava uma conversa mais privada, para confirmar se realmente reentrava no mesmo barco do treinador.

Correu bem e ele, orgulhoso, mas inteligente, acabou por ser um bom exemplo para os colegas e um atleta bem influente, dentro e fora de campo, no trajeto feliz que nos apurou para a sempre desejada CAN. Percebi, durante esse meu trajeto, que esse primeiro acontecimento serviu de base útil para a solidez pretendida entre quem dirige e quem joga.

Campeões

Boavista e Belenenses. Respeito pela antiguidade, história e por pertencerem ao grupo restrito de cinco clubes campeões nacionais da nossa Liga. Estive com orgulho no Boavista, como assistente técnico de Jesualdo Ferreira, numa época em que foi possível a desejada manutenção. A ligação ao Belenenses é diferente e bem mais antiga. Na minha infância era o parceiro do meu pai, no ritual dos domingos à tarde de futebol (que saudades...). Quando o Benfica jogava fora, íamos ao Restelo ver o Belém e as suas boas equipas, que então competiam pelos lugares de honra da nossa Liga.

Muito se passou entretanto e estes históricos são hoje uma miragem do passado. Quem reduziu clubes de referência a organizações (?) caóticas. Como é que clubes cuja dimensão corresponde à força dos seus adeptos se deixam cair assim? Quais são os nomes de quem o fez?  O Boavista, o mais antigo clube português, repete um triste retrocesso, novamente por motivos extracampo. Pelo contrário, o Belenenses, vai felizmente reacendendo a chama e recuperando a honra.

Abel Ferreira

Veremos onde chega o Palmeiras neste Mundial, mas Abel Ferreira é um treinador que resulta. No discurso e nas competições. A sinceridade e a inteligência convencem e distinguem. O valor da metodologia utilizada importa, mas também, e muito, aquilo que o mister transmite aos jogadores. Igualmente importante é a forma como se comunica com a imprensa, que, mal ou bem, representa o adepto que critica. Só um fenómeno consegue permanecer no Brasil e no mesmo clube durante tanto tempo.