Isto vai, Benfica

OPINIÃO Isto vai, Benfica

OPINIÃO30.01.202410:00

'Selvagem e sentimental', por Vasco Mendonça

No futebol, as melhores crises são as que acontecem apenas na nossa cabeça. Não sei se todos sabem do que falo, mas já terá acontecido a alguns. É aquele momento em que parecemos ser os únicos capazes de antecipar uma tragédia enquanto o mundo à nossa volta sorri, não necessariamente porque tudo está bem, mas porque não está tudo mal. Havemos de sorrir quando percebermos que não tínhamos razão, nem que seja às escondidas. 

O meu cérebro reagiu mal à eliminação da Taça da Liga e passou os dias seguintes convencido de que nos esperava um Estrela da Amadora sem medo nem misericórdia. E assim foi durante 40 minutos. Parece mentira, mas só consegui sair desta fossa depois de um pontapé de bicicleta de um atleta que há coisa de um mês me dirigiu um pirete, algo inédito num jogador do meu clube. Problema resolvido. A vida já deu algumas voltas para Arthur Cabral, como aliás tem acontecido também com o Benfica. Não está a ser uma época constante e não estou certo de que os próximos meses venham a ser uma calmaria, mas, talvez por desconhecimento, não consigo vislumbrar os motivos para alarme que alguns persistem em identificar. Explico porquê, e não tem nada que ver com falta de exigência. Tem que ver com a exigência que é devida no momento atual. 

É um facto que a eliminação na final four da Taça da Liga foi um desfecho bastante irritante. É verdade que podíamos e devíamos ter arrumado aquele jogo sem dificuldades. Sejamos realistas. É assim em todos os jogos realizados nas competições internas. Não consigo olhar para o plantel do Benfica e esperar outro desfecho que não uma vitória. É de tal maneira assim que passei o jogo todo, penáltis incluídos, calmamente convencido de que imperaria o mais elementar bom senso cósmico e o Benfica passaria à final. Ainda assim, mais do que o resultado, talvez o que mais me incomodou tenha sido a resposta de Roger Schmidt em que esta explica que «não é uma vergonha perder com o Estoril». Já me devia ter habituado a estes momentos de bonomia, mas é difícil quando coincidem quase sempre com empates ou derrotas. 

Eu julgo que Schmidt não faz por mal, mas o treinador do Benfica gosta por vezes de presentear os jornalistas com respostas que aludem mais a um reconhecimento do adversário do que à necessidade de apresentar justificações aos seus acionistas, no caso os sócios do Benfica. Também eu reconheço que o Benfica tem adversários e que, ocasionalmente, esses adversários se superiorizam ao Benfica. Consigo até, no grande esquema das coisas, perceber que nem toda a gente lida com a derrota da mesma forma, ou, por outra, que nem todos somos Benfiquistas. Mas, e digo isto com simpatia, já era tempo de Schmidt perceber que há certas respostas que mais vale guardar para ele. 

Felizmente, esta equipa vive demasiado consciente das suas capacidades para se deixar deprimir por causa da Taça da Liga. Levantar a cabeça e vencer o próximo jogo. Agir duas vezes antes de pensar, como diz uma canção de Chico Buarque. Gosto de imaginar esse pragmatismo no atual grupo de trabalho. Sinto que qualquer jogador deste plantel olha à sua volta e percebe que está rodeado de craques. Não é preciso pensar muito para ver uma dúzia de formas diferentes de vencer o jogo, com ações coletivas ou apenas com o talento individual. Poderão alguns argumentar que esse talento individual mascara as insuficiências da época atual, mas, e se Schmidt souber dessas insuficiências e estiver a contar com os tais indivíduos para vencer o que resta desta época? Seria assim tão impensável ou irresponsável, quando já vimos que tantos jogos têm sido resolvidos dessa forma? Ou será que só existe uma forma de ganhar? 

É certo que a manobra coletiva da equipa tem imperfeições. É evidente que os laterais nem sempre são os laterais a que nos temos habituado. É claro que nem todas as soluções saídas do banco revelam a mesma eficácia. É certo que nem todos os titulares são tudo aquilo que prometiam no início da época. Mas nenhuma destas unidades tem revelado uma insuficiência tal nos últimos meses que me convença de que estamos a caminho de uma época de insucesso desportivo. Se alguns destes talentos individuais do plantel já são consagrados, outros ainda fazem o seu caminho. Isto diz-nos que aquilo que falta desta época terá provavelmente espaço para todos desempenharem o seu papel. 

Os mais experientes, e porventura mais desgastados, mostrarão a sua utilidade através da experiência ou, quando necessário, da genialidade sem pernas, como Di María já fez algumas vezes esta época. Neres e Bah vão voltar e vão voltar a ser úteis. Kokçu pode render muito mais, seja em que posição for. Precisa de tempo. Aursnes vai continuar a render, jogue em que posição jogar. Os mais novos, como Marcos Leonardo, Carreras ou Rollheiser, vão encontrar um grupo de trabalho que, contrariamente aos vaticínios de há alguns meses, permanece coeso. A equipa não apresenta sempre inspiração em níveis máximos, mas os que têm ido a jogo esta época reúnem os atributos que geralmente ajudam a encher salas de troféus: talento, capacidade individual, pragmatismo, entendimento coletivo, solidariedade, capacidade de adaptação e fome de vitórias. 

A exigência do momento atual não é que ganhemos cada jogo por quinze a zero. Essa é a exigência imutável e poética do Benfica. A realidade, no entanto, pede-nos apenas uma coisa: deixemos que esta equipa, um projeto inacabado, se continue a fazer. Aliás, até este treinador é uma obra em construção. Pelo menos tem demonstrado mais maleabilidade do que muitos dos seus antecessores. Seguimos em frente. Reconhecer que nem tudo está bem, mas que tudo está longe de estar mal. Chateava-me muito mais se visse, como aconteceu algumas vezes nos últimos anos, que os jogadores não deixavam em campo aquilo que era preciso para vencer. Ou, claro, se não vencessem muito mais vezes do que perdem. É preciso ter calma. Isto vai.

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