Expressões bem populares
1. Macaquinhos no sótão
1.
- Ter macaquinhos no sótão.
- Sim?
- Vou ler a definição, do dicionário. Este livro.
- (pega o dicionário nas mãos) Um livro? E pesado! Em que século vive, excelência?
- Em termos de matéria, sou um conservador: ainda acredito que quanto mais conteúdo tem uma coisa, mais pesa.
- Que estranha frase. Uma frase do século XX.
- Pois. Vamos então, eis a definição: «diz-se de pessoas com manias de doenças, perseguição, desconfiança, etc.»
- Macaquinhos no sótão?
- Isso mesmo.
- No meu modesto entender, a nossa primeira casa é o excelentíssimo corpo.
- É uma casa portátil, o corpo.
- E o sótão é sítio alto da casa. O sítio mais alto da casa.
-Bem observado. Porém, há casas sem sótão, não é verdade?
-Exactamente, excelência.
- Eu diria mais: conheço algumas pessoas, deixe-me falar assim, sem sótão. A casa nómada deles termina na zona do pescoço.
- Por aqui (aponta para a garganta)?
- Mais ou menos.
- Têm, portanto, cordas vocais autónomas e independentes do cérebro.
- Exactamente, excelência. Por vezes até falam, mas a fala não é iniciada lá em cima, no cérebro.
-É uma fala, portanto, que dispensa o pensamento.
-Por completo. As cordas vocais viram-se para o cérebro e dizem o seguinte: caríssimo, não preciso de si. Está dispensado! E a partir daí as cordas vocais começam a falar imenso, sem parar. Por vezes horas.
- Pois… quer dizer nomes? Dessas casas portáteis sem sótão?
- É melhor não excelência, é melhor não.
2.
- Sótão: o cérebro.
- Pois, já tínhamos percebido.
- E nem sempre a diferença é entre existir ou não existir. Por vezes, há sótãos com pé direito alto e sótãos com pé direito baixo.
- Dois tipos de instalação habitacional, digamos assim.
- Também assim os cérebros, excelência. Cérebros com pé direito alto. Cérebros com pé direito baixo.
- Cérebros com pé direito baixo: lá dentro só se pode andar curvado.
(imita o movimento de quem anda curvado)
-Quem se levanta nos sótãos baixos pode partir a cabeça, é isso, excelência?
- Sim, isso mesmo.
-Nesses cérebros de pé direito baixo, as ideias andam curvados, não há ideias verticais, não há ideias bípedes.
- Exactamente! Tudo é ideia e pensamento curvado, encolhido.
- Isso, excelência.
- Pois. E os macaquinhos, ainda não falámos deles?
- Eu diria o seguinte: macaquinhos como animais jovens que não param quietos.
-Animais, não domesticáveis, animais jovens, traquinas, que não obedecem ao dono, é isso?
- Exactamente, excelência.
-Macaquinhos então como ideias que não param no lugar, saltam de galho para galho, e não deixam o espaço sossegado, o tal sótão.
- Um desassossego, portanto, excelência
- Exactamente.
- Ter macaquinhos no sótão.
- Uma bela expressão, excelência.
2. Papas
- Outra?
- Outra, excelência.
- «Sem papas na língua».
- Expressão muito usada em todos os contextos. Políticos, sociais, desportivos.
- Dicionário?
-Sim. Aqui vai: «falar francamente, sem ambiguidades».
-Uma fala adulta e não infantil, portanto.
- Sim, isso mesmo, excelência.
-Uma fala de alguém que não se alimenta de alimentos lentos como as papas ou as pastilhas.
-Isso, excelência.
- A fala clara exige espaço vazio na cavidade bucal.
- Claro. Ar organizado, é isso a fala.
- Ar na língua, mas ar com um certo sentido.
- Isso. Um ar racional, eu diria, excelência.
- Outra hipótese, a fala: um ar que pensa, um oxigénio que tem ideias.
- «Sem papas na língua»: uma fala que não olha para trás nem para os lados.
- Olha em frente.
- Como um comboio?
-Como um comboio que tem pressa, excelência, como um comboio que tem muita pressa!
3. E três
versos
E três versos de Nicanor Parra, poeta chileno.
«O viajante que olha para trás
Corre o sério perigo
De que a sua sombra não queira segui-lo.»