Escorregar não é cair… mas é meio caminho andado

OPINIÃO15.04.202107:00

Agora se vê que o chamado excesso de prudência de Rúben Amorim, por não assumir a candidatura ao título, não era de todo excessiva. Em dois jogos perdemos 40% do avanço

Quando era miúdo, pouco depois de meados do século passado, havia uma canção, que se ouvia constantemente na rádio, cuja letra rezava assim: “Ai ai ai / Quem escorrega também cai / Ai ai ai / Lá diz o velho ditado / AI ai ai / Escorregar não é cair / Ai ai ai/ Mas é meio caminho andado”.  Claro que este ‘escorregar’, se bem me recordo, dizia respeito a coisas bastante diversas do futebol. Mas não evito lembrar o raio desta música quando o Sporting empata pela segunda vez consecutiva com equipas que estavam ao seu alcance e, desse modo, perde quatro dos 10 pontos que tinha de avanço para o segundo classificado.
À medida que se aproxima a meta, ou a 34ª e última jornada do campeonato, parece que o nervoso aumenta. Existe uma intranquilidade que nem sequer é justificada. Seja o que for que aconteça, este é um campeonato em que o Sporting já bateu alguns recordes - desde logo o de continuar invencível à 26ª Jornada. Acontece também que os nossos adversários mais diretos ainda têm de jogar entre si, e alguém há de perder pontos, senão os dois. Também o facto de se ter algum azar (ou falta da estrelinha), tanto contra o Moreirense, como contra o Famalicão, não significa que não possamos ganhar em Braga e na Luz, o que compensava de sobremaneira estes empates.
A primeira recomendação para toda a equipa do Sporting, incluindo muito particularmente o próprio Rúben Amorim, é de tranquilidade. O conceito mais vezes usado por Paulo Bento é, neste caso, fundamental. Nem Rúben se pode irritar com a arbitragem, nem Jovane pode falhar um golo como falhou, nem os defesas podem parar a dizer que não foi nada quando um adversário se atira para o chão em plena grande área, para depois vir outro e, sem oposição, rematar à baliza.
Esta atitude tranquila pode e deve ser a maior preocupação de todos. Porque, em boa verdade, nem me pareceu que o árbitro, mais manhosice, menos manhosice, tivesse qualquer influência palpável no resultado final. O que por ali andou foram nervos à flor da pele e - posteriormente - a habitual cortesia que o CD dispensa ao Sporting e seu treinador. 15 dias de suspensão?
Mas atenção: o Sporting e Rúben não podem envolver-se nestas confusões. Bem sei que, por vezes é quase preciso ser santo, mas se ser santo for o preço a pagar para o sucesso, que se beatifiquem já todos, porque vão precisar. A oito jornadas do fim, tudo vai apertar… e o Porto já nem competições europeias tem.
 

UM RENASCER

Aideia prevalecente tem de ser esta: imaginem que a oito jornadas do fim o Sporting conseguia distanciar-se dos seus competidores e deixar o Porto a seis pontos, o Benfica a nove, e o Braga a 12… Estaria toda a gente a ver o Sporting, não a escorregar, mas a fugir, a colocar-se numa posição invejável para os últimos jogos. Nomeadamente os dois seguintes - com o Farense, no Algarve, que é o penúltimo na tabela, e com o B-SAD, em casa, que também vai lá para o fim. De resto, o terceiro jogo a disputar será com o Braga, que podemos vencer ou não, mas depois do qual ainda seremos primeiros, com avanço.
Após essa jornada, os jogos mais difíceis são do Benfica e do Porto - com o Famalicão e com o Tondela e entre os dois, na Luz. Há, assim, fundamento para lutarmos. Não para nos candidatarmos imediatamente e mandar vir as faixas. Esse tipo de atitude, como Rúben sempre avisou, seria temerária e sem qualquer ligação com a realidade do nosso futebol, cheio de alçapões e de cenas inexplicáveis. O que interessa, pelo contrário, é inverter a perceção de que vamos a escorregar; endireitar-nos e voltarmos à corrida. Em qualquer momento desta maratona poderíamos (e poderemos) ter um deslize. Mas a ideia é sempre dar a volta, e ganhar um suplemento de vigor para os embates seguintes.
O resto terá de ir para trás das costas. Se no primeiro jogo contra o Famalicão, fora, o empate foi um resultado que se ficou a dever a uma decisão, incompreensível até hoje, de anular um golo limpo ao Sporting, este empate em Alvalade  - com uma equipa que desde que contratou um novo treinador tem vindo a obter resultados excelentes - não se fica a dever a nada de extraordinário senão ao já falado nervosismo, e ao facto de as outras equipas saberem, cada vez melhor, anular o jogo da nossa equipa. Por isso deve haver mais soluções de transição e de ataque - coisas que Rúben andará, certamente, a tratar.
Olhemos para a época extraordinária que estamos a fazer. No total, duas derrotas: com o Linz, em Alvalade, que nos custou a presença na Liga Europa; e com o Marítimo, no Funchal, que nos custou seguir em frente na Taça de Portugal. Vencemos a Taça da Liga, com vitórias sobre o Mafra, o Porto e o Braga. De resto, seis empates: dois contra o Porto; dois contra o Famalicão; um contra o Moreirense e um contra o Rio Ave. De notar que só num desses empates o Sporting não marcou, (0-0) no Dragão. Em todos os outros, só num (contra o Porto, em Alvalade), esteve a perder. Nos restantes quatro, começou a ganhar e permitiu o empate. Estas contas, parecendo banais, dão que pensar: salvo contra o Porto, poderíamos ter ganho todos os outros jogos que empatámos (e em Famalicão, não ganhámos escandalosamente), caso não tivéssemos cometido erros, por vezes, infantis.
De qualquer modo, o futebol é feito disto, e devemos concentrar-nos naquele verso que diz “escorregar não é cair”. Ainda há muito pela frente para recuperarmos e - quem sabe? - voltar à distância a que já estivemos dos competidores diretos.
 

MENOS E MELHOR

Aideia de reduzir a I Liga para 16 equipas na época de 2022/2021 é daquelas que, não sendo ótima, é melhor do que nada. Há muito que defendo que 18 equipas numa Liga, tendo em conta a dimensão de Portugal e a sua composição demográfica, é excessivo. A primeira coisa que salta à vista é que clubes do interior resta um - o Tondela, do distrito de Viseu. O distrito de Braga tem cinco equipas; o do Porto quatro; o de Lisboa, três; o de Faro (ou Algarve), dois; a Madeira, 2; e os Açores, um. Ou seja, dois distritos contíguos têm metade das equipas que disputam a Liga. Num raio de 35 km, estão Porto, Boavista, Paços de Ferreira (Porto); Braga, Guimarães, Famalicão, Rio Ave e Moreirense. Os restantes nove dividem-se pelos outros 700 km do país. É óbvio que parece haver uma clara distorção.
Mas a redução de clubes tem mais importância do que isto, porque se o campeonato acabasse neste momento, não desceria nenhuma equipa do Norte, mas subiria mais uma de Lisboa e outra de Braga. Esta distorção não se resolve nem alargando nem restringindo a I Liga. O que deve nortear este tipo de decisões é apenas a competição. E por isso mesmo, insisto que 12 equipas é o tamanha ideal de uma Liga. Com três voltas ou com playoffs de seis equipas para apurar o vencedor, e das outras seis para apurar quem desce. Em qualquer dos casos, o número de jogos é idêntico (33 no primeiro e 32 no segundo). Esta solução proporcionava mais interesse, mais receitas, mais jogos emotivos e mais justiça final. Nas três voltas teríamos (tomando as posições atuais) como jogo mais desequilibrado o Sporting-Rio Ave; com playoff seria um Sporting-Guimarães. E haveria quatro jogos entre o Porto e o Sporting, como entre quaisquer equipas. Também com o atual modelo, das seis equipas que disputariam a vitória, só uma não teria acesso à Europa, pelo que o posicionamento nestes lugares do playoff teria sempre atrativo. Das restantes, quatro manter-se-iam na I Liga e duas desceriam à II Liga, que podia ter duas zonas com 12 equipas cada uma. Ou seja, no total seriam sempre 36 equipas a disputar as duas ligas, mas de forma mais equilibrada e com deslocações (no caso da II Liga) menos distantes.
Bem sei que os interesses e intrigas não permitirão uma mudança tão radical, mas cabe a quem escreve ir propondo e a quem decide tomar uma opção e arcar com as responsabilidades. É possível que não esteja a ver óbices e até impedimentos de um campeonato assim organizado, mas lá que me parece mais emotivo em todos os escalões, não tenho dúvidas.
 

PORTO

Os jogos contra o Chelsea mereciam melhor desfecho para o Porto. Há uma semana referi que todos éramos portistas na Liga dos Campeões. Utilizei outras palavras, como tripeiros e morcões para definir o apoio ao FCPorto. Alguns leitores escreveram-me a mostrar indignação pelo uso de morcão. Bem, não quis ofender ninguém e a intenção era mesmo de apoio ao Porto contra o Chelsea (pelo país fora há quem designe assim os portuenses, provavelmente de forma errada, mas foi nela que me baseei). Aos ofendidos peço imensa desculpa. De resto, recomendo a todos que vejam, ou revejam, o golo que Taremi marcou terça-feira… O bom futebol, as lindas jogadas e os golos geniais é que devem unir os adeptos.