Das críticas à carreira na arbitragem
João Pinheiro em ação no V. Guimarães-Sporting (Foto: Atlantico Press/IMAGO)

Das críticas à carreira na arbitragem

OPINIÃO12.12.202311:35

Não há, do lado das tribos irracionais do futebol, filtros na forma como se reage às críticas - «O poder da palavra», a opinião de Duarte Gomes

De cada vez que um clube, no exercício legítimo da sua liberdade de opinar, menciona publicamente o nome de um árbitro como sendo sistematicamente infeliz na direção dos seus jogos — sugerindo tendência histórica para o prejudicar — está a criar-lhe enormes constrangimentos, não apenas a nível profissional (esses fazem parte), mas sobretudo a título pessoal. E está a criá-los não apenas a ele, mas também aos seus familiares diretos: esposa, filhos e pais. É importante que se tenha noção disto. 

Esta é, na verdade, uma situação delicada e muito difícil de gerir: por um lado, as sociedades desportivas, as equipas e os seus responsáveis têm todo o direito de discordar das suas decisões, criticar os seus trabalhos e exigir responsabilidades e consequências desportivas. Por outro, nos tempos que correm, os danos colaterais decorrentes desse tipo de manifestações (ainda que de forma e modo apropriados, como foram recentemente) acabam por tornar-se quase sempre num enorme problema para quem é colocado no centro do furacão.

É que não há do lado de cá, o das tribos irracionais do futebol, quaisquer tipo de filtros na forma como se reage a esse tipo de críticas.

A partir do momento em que alguém com voz ativa se manifesta num determinado sentido e o faz com o peso que o seu estatuto tem, o homem que também é árbitro é atacado de todas as formas possíveis: através de comentários e mensagens inenarráveis via redes sociais, com ameaças de morte via email, com insultos pessoais na rua, no treino ou à porta de casa, etc., etc. A perseguição criminosa não se cinge apenas a ele, mas também a todos aqueles que o rodeiam.

Quando se trata de exercer perversão, não parece haver limites. Por isso, o que me parece mais sensato nesta fase é apelar ao bom senso geral, numa liga que todos sabemos ter em jogo mais, muito mais do que o mero título desportivo: ponderação na forma como se critica (sensibilidade nos termos e expressões usadas, cuidados no timing, tom e linguagem utilizadas); e do lado dos senhores árbitros, a capacidade de não se porem a jeito, evitando erros indesculpáveis em competições que contam com o apoio da videotecnologia. Há análises que são inadmissíveis em alta competição e que só podem resultar de enorme desatenção, desconhecimento técnico ou falta de sensibilidade. Qualquer um é proibitivo a este nível.

Jorge Correia

O Jorge Correia, tal como eu um madeirense de gema, jogou futebol em vários clubes regionais, incluindo na 2.ª Liga pelo Nacional da Madeira. Depois de terminar a sua carreira, seguiu o percurso natural e tornou-se treinador (Nível 2 — B), tendo trabalhado em escalões de formação em várias equipas do arquipélago. Há alguns meses decidiu responder positivamente ao apelo lançado pelo Sindicato dos Jogadores, em parceria com o CA da FPF, tornando-se árbitro de futebol. No passado fim de semana e depois de vários jogos com a bandeirola nas mãos, fez a sua estreia oficial de apito na boca (no jogo do Campeonato de Veteranos que opôs o Ribeira Brava ao Boaventura).

O Jorge é um dos 19 ex-jogadores que escolheram seguir carreira na arbitragem, encontrando aí uma forma alternativa de continuar ativamente ligado ao desporto que mais amam. O benefício para eles é fantástico, mas para o setor ainda mais, porque beneficiará do know how e experiência de gente que conhece o jogo de dentro para fora. 

Fica o repto, lançado não apenas para atletas em final de carreira mas também para aqueles que, ainda estando no ativo, têm a capacidade de perceber que o futuro poderá não passar por aí.