Caro José Mota, o racismo não é um caso
Chiquinho queixa-se de insulto racista em Faro. Foto: LUÍS FORRA/LUSA

Caro José Mota, o racismo não é um caso

OPINIÃO15.02.202409:00

José Mota desvalorizou ato lamentável na bancada. Felizmente, o resto funcionou

Decorria o minuto 80 do Farense-Famalicão do passado fim de semana quando Chiquinho se preparava para bater um canto. Os visitantes estavam em vantagem, os adeptos da casa queriam aproveitar todo o tempo que restava em busca do empate. Na bancada, um homem chamou «macaco» ao jogador do Famalicão, que de imediato apelou ao árbitro e o jogo esteve interrompido enquanto a polícia identificava o adepto e os ânimos se acalmavam.

Esteve bem Chiquinho, ao denunciar o que ouviu. Esteve bem o árbitro Hélder Malheiro, ao não prosseguir a partida enquanto não havia condições para tal. Estiveram bem os jogadores do Famalicão e do Farense, que perceberam a gravidade do momento e aguardaram pela resolução, apoiando Chiquinho. Esteve bem a PSP, ao identificar de imediato o adepto que proferiu o insulto racista. Esteve bem até o speaker do estádio, que lembrou aos presentes o que estava em causa. Estiveram bem os clubes, a Liga, o secretário de Estado do Desporto e o Sindicato dos Jogadores, ao reagirem de imediato, com tolerância zero ao racismo. Esteve mesmo muito bem Fabrício Isidoro, capitão do Farense que se colocou de imediato ao lado de Chiquinho. Esteve bem - e de forma rápida, como se quer - a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, ao proibir a entrada do adepto racista nos estádios.

Acabou a hora de justificar estes atos com o calor do momento, o jogo que está perto do fim e a equipa que está a ganhar a perder tempo. Sejam bem-vindos a 2024: não é aceitável chamar «macaco» a alguém sem sofrer consequências. Mais: o racismo é crime e, em Faro, felizmente não ficou impune.

Foi pena, então, que um interveniente tenha escolhido desvalorizar o que aconteceu. No final da partida, o treinador do Farense referiu-se ao ato racista assim: «Para mim, não é um caso». E lamentou que os jornalistas fossem dar mais destaque ao racismo do que a um golo anulado ao Farense. Por muito que nos tentemos colocar na pele de José Mota, frustrado com o resultado (o Farense acabou por empatar nos descontos, mas tinha tido um golo anulado aos 54 minutos de forma polémica), muito acarinhado pelos adeptos farenses, a querer mais destacar o trabalho incansável desta equipa... Não, basta! 

Não há golo anulado, resultado ou reação ‘a quente’ que possa esconder ou diminuir o que aconteceu. José Mota tem de perceber que ninguém questionou «as gentes respeitadoras de Faro» ou «a fortaleza» do Estádio de São Luís. Ninguém põe isso em causa, não está em discussão sequer. O que aconteceu foi que um adepto chamou um jogador de «macaco» e foi punido por isso, como tem de ser. E, para isto tudo continuar a funcionar assim, é preciso que os protagonistas estejam alerta e do lado certo desta luta. Prevenir, denunciar, punir. O racismo não é um caso, como se pudesse ou não ser falta, ou penálti, ou cartão. E não pode haver golo anulado que atrase isto.