Benfica bipolar
Roger Schmidt. Foto: DR

Benfica bipolar

OPINIÃO19.12.202314:46

Tivesse jogado assim desde o início da época e a esta hora a águia faria parte do grupo de ilustres sorteado para os oitavos da Champions

Quando os treinadores querem e os futebolistas estão de acordo é possível assistir a jogos ao nível do que melhor se observa nos principais campeonatos europeus, nomeadamente o inglês. Foi disso exemplo o SC Braga-Benfica de anteontem, empolgante, com poucas faltas, elogiável tempo útil e um árbitro que depressa percebeu que o seu desempenho, discreto e rigoroso, seria a melhor contribuição para iluminar um espetáculo de enorme qualidade.

Deixando as estatísticas de lado, creio que Rui Costa deve ter ficado agradado não só pela vitória, mas também pelas preciosas indicações que recolheu do comportamento da equipa e que muito úteis serão quando recorrer ao mercado de janeiro para eliminar debilidades no seu plantel, devido a lesões ou a erros de avaliação anteriores.

Este comportamento bipolar da águia é intrigante e nem o próprio treinador tem fornecido explicações razoáveis. Se não repare-se: a mesma equipa que perdeu no Bessa (1.ª jornada), empatou na Luz com o Casa Pia (9.ª), em Moreira de Cónegos (12.ª) e outra vez na Luz com o Farense (13.ª) é a mesma que recebeu e venceu o FC Porto (7.ª) e o Sporting (11.ª) e foi agora à capital do Minho derrotar o SC Braga (14.ª), com mérito e muito sacrifício. Mais do que seria necessário, porém. Em observação a frio, conclui-se que o Benfica poderia ter chegado ao intervalo com uma vantagem mais expressiva, além de, no início da segunda parte, João Mário ter esbanjado invejável ocasião para fazer golo, mas em vez de rematar passou a bola ao guarda-redes.

Depois, foi sofrer por culpa própria, mas acabou por ser um sofrimento que destapou outros atributos do coletivo, até aqui com alguma inibição de se revelarem. Isto é, o Benfica voltou a ser um gastador incorrigível em termos de oportunidades construídas e não concretizadas, mas quando foi preciso cerrar fileiras não teve vergonha de se comportar como equipa pequena e aceitar o poder do opositor, mas fê-lo com uma valentia e um sentido de união notáveis, como há muito não se lhe via.

Tivesse jogado assim desde o começo da época e a esta hora o Benfica faria parte do grupo de ilustres que ontem foi sorteado para os oitavos de final da Liga dos Campeões.

As nuvens vão desaparecendo, mas é iniludível que há acertos urgentes por corrigir, principalmente nos corredores laterais. Quando ataca, a equipa desequilibra-se, claramente inclinada para o lado direito, e quando defende emergem problemas à esquerda e à direita, embora por motivos diferentes. Enquanto Morato, como meio de proteção, se resguarda, encostando-se aos centrais, Aursnes arrisca muito e ausenta-se com frequência, abrindo nas costas um espaço que Bruma jamais foi capaz de aproveitar.

Outra particularidade interessante, foi a forma como Roger Schmidt mandou fechar a loja, retirando do campo, em simultâneo, Rafa Silva e Di María. Correu bem, mas penso que foi excessiva tal medida, pela razão simples de só a presença de Di María intimidar qualquer defesa, e a do Braga, com Niakaté em campo, não é propriamente um exemplo de estabilidade.

Correu bem, repito, mas se o Braga tem conseguido empatar, com que argumentos o treinador encarnado daria a volta ao texto? Lembrei-me de Tiago Gouveia, até pela liberdade de que Victor Gómez sempre desfrutou no seu corredor, mas, das duas uma, ou Schmidt entende que cinco substituições são de mais ou então o seu banco de suplentes não lhe dá garantias de poder melhorar quando opera uma mudança. Talvez seja isto, o Benfica ainda não possui um plantel completo, em que todos os jogadores façam parte da solução.

Escrevo antes do clássico de Alvalade, mas este SC Braga-Benfica vai ser recordado, por bons motivos, na perspetiva do apreciador do futebol espetacular, porque em termos de resultado é natural que o povo braguista tenha opinião diferente, por causa de um desfecho ingrato em função da qualidade exibicional da equipa que representa o único projeto com sucesso que eu conheço em Portugal, o projeto de António Salvador, para mim o melhor dos presidentes, que deu dimensão europeia a um clube claramente para consumo regional quando ele chegou à presidência, em 2003. Hoje, é indiscutível que o SC Braga é um grande.

Quem chegou à final da Liga Europa e frequenta a Liga dos Campeões tem de ser grande, tal como demonstrou neste emocionante jogo em que o maior problema da equipa de Artur Jorge voltou a ser, não propriamente a defesa, mas sim «os processos defensivos», tal como destacou José Nuno Azevedo, na Renascença, ao fazer a projeção do jogo.

Tengstedt inaugurou o marcador, logo no terceiro minuto, na sequência de um recuperação de bola a meio-campo. O treinador bracarense resumiu tudo a um erro individual, mas julgo ter sido mais do que isso e lembrei-me das palavras sábias do José Nuno, quando ele salvaguardou a defesa, como parte do conjunto, que sofreu o 21.º golo, e apontou reparos aos processos defensivos, provavelmente vítimas de uma política que só tem olhos para a frente (36 golos marcados). São opções. O SC Braga privilegia o futebol de ataque e aposta no lado fascinante do jogo. Isso é bom, mas tem custos…