Bandidos virtuais, bandidos reais e outros bandidos

OPINIÃO29.10.202003:00

Chamem-me qualquer coisa, mas eu não gostei das palavras de Varandas sobre Pinto da Costa. Disse o presidente do Sporting que um «bandido é sempre um bandido». Tem toda a razão, mas ter razão não significa mais do que isso mesmo. A minha pergunta, com todo o respeito que tenho por Frederico Varandas, apesar de não concordar com diversas coisas que faz e fez, é a seguinte: considera o presidente do Sporting que as suas palavras contribuem para melhorar o péssimo ambiente que se vive no futebol?

Vamos por partes. Sou sócio do Sporting Clube de Portugal há muitos anos. Tenho o número 2824 e venho de uma família em que todos eram sportinguistas, a começar pelo meu avô paterno, que fez parte, inclusive, dos órgãos sociais (e salvo erro da Associação de Futebol de Lisboa) passando por pais, primos e até a minha mulher (que não sendo obviamente condição prévia) foi e voltou a ser sócia do Sporting.

A vida levou-me para o jornalismo, um pouco por acaso, como acontecia sempre nos anos após o 25 de Abril. E, nessa qualidade, jamais utilizei as páginas, microfones ou câmaras colocadas à minha disposição para torcer pelo meu clube. Não seria justo; não estaria a ser decente. Cerca de 40 anos depois, em 2018, deixei de ter funções jornalísticas puras e duras e, mais do que isso, funções executivas com implicação em redações. Nessas circunstâncias, e perante o despautério que se viveu com uma AG em fevereiro desse ano, com o assalto a Alcochete e com os sócios a pedirem a demissão do então presidente (em quem jamais votei), aceitei presidir a uma Comissão de Fiscalização provisória. Em estreito contacto com outros sportinguistas que compunham a comissão, e dos quais previamente apenas conhecia um (o prof. João Duque), trabalhámos árdua e gratuitamente durante os escassos três meses em que tivemos funções, que terminaram com a eleição dos atuais corpos sociais, liderados por Frederico Varandas. Acontece que o nosso trabalho foi solidário, digno e estritamente legal - seja à luz da lei do país, seja à dos estatutos do clube. A unanimidade imperou, e todos nos tornámos amigos (o que não significa que pensemos todos o mesmo sobre o clube, a vida e o mundo).

Durante esse período e depois da demissão do presidente numa AG em que mais de 70% com ela concordaram, fui insultado, ameaçado e por mais de uma vez fui defendido por consócios, ou obrigado a ter proteção de seguranças. Até hoje, nas redes sociais (porque obviamente deixei de ir ao estádio, como todos nós, infelizmente), sou acusado das coisas mais incríveis. Desde ter ganho dinheiro com isto (só perdi), até ter um número de sócio baixo porque me deram o de um sócio falecido. Não conheço, não sabia e nunca me ocorreu que houvesse gente tão baixa e reles. Mas é gente do futebol. E devo dizer que durante anos cobri política, fiz reportagens de guerra e também aí fui ameaçado de morte. Mas jamais com a torpeza, desonestidade e vileza que assisti neste microcosmos que é o futebol.

Elevar pelo exemplo

Pela mesma ética que me levou a não me pronunciar sobre o Sporting quando era jornalista, editor e diretor de jornais, não apoiei qualquer candidato ao Sporting nas últimas eleições. Voltaria a fazer o mesmo, não só porque seria de pouco decoro  quem, entre outros, tinha responsabilidades na aplicação das leis do clube, declarar um favorito, porque também, honestamente, tinha (e tenho) dúvidas sobre a melhor solução. Aceitei aquela que os sócios quiseram, de acordo com os estatutos e respeito-a, sem sempre concordar, e algumas vezes até discordando fortemente do que faz o CD. O pior erro foi não saber unir o Sporting. A principal virtude foi saber cortar cerce com o cancro que são certas claques (ainda sábado passado, nos Açores, se ouviram alguns desses energúmenos).

Voltando aos bandidos e à frase de Varandas, devo sublinhar que não gostei porque me pareceu que o presidente do Sporting entrou num caminho que é o de Pinto da Costa e de Luís Filipe Vieira, quando devia evitá-lo. Varandas estava a puxar para cima o ambiente do futebol, justamente porque não entrava nesse tipo de jogo baixo. Devia ter-se mantido nesse estatuto. Como ele sabe, podemos considerar determinadas pessoas vulgares bandidos, traficantes, malfeitores, o que for, mas só as devemos nomear depois de termos provas. E de, com essas provas, dirigirmo-nos à Justiça e apresentar queixa.

Como é óbvio, não admiro o estilo do presidente do Porto, nem lhe acho graça. Também considero uma história mal explicada aquela do Apito Dourado, mas manda a verdade dizer que, com habilidades ou sem elas, o homem foi absolvido. Do mesmo modo, não gosto da forma como o presidente do Benfica se apresenta. Mas o que deveríamos discutir não seria tanto se eles se safam ou não, mas por que motivo o futebol atrai pessoas assim. Por que motivo os clubes, que são associações desportivas, vivem numa impunidade gritante. Se o dr. Varandas quiser discutir isto, acho muito bem e aplaudo. Mas não o pode fazer se partir do princípio que tem de ser como eles.

Junta-te a eles?

Muitos consócios, cuja opinião respeito, dizem que são necessários estes murros na mesa para o Sporting se fazer ouvir. Não pretendo saber muito o que se passa nas estruturas do futebol, nem faço ideia se é desta forma que a Liga e a Federação, os árbitros e os adeptos, passam a respeitar um clube. Posso ser eu o desadaptado, mas não me parece que seja a melhor estratégia. Acrescento, aliás, que se este tipo de procedimento se revelasse o único possível para que o Sporting deixasse de ser prejudicado, ou passasse a ser respeitado nos terrenos dos jogos, o futebol não merecia ter adeptos. Não é, nem pode ser: «se não os podes vencer, junta-te a eles» é uma confissão da derrota.

O Sporting, pelo contrário, deve ter um caminho próprio e diferente. Como fez com a Academia, como fez tantas vezes ao longo da sua História. Porque o Sporting, podendo ser detestado pelos senhores do futebol que pensam ser importantes, é admirado por aqueles que gostariam que os clubes da sua preferência tivessem gente mais decente à frente dos seus desígnios.

Não vi o jogo de ontem à noite (noite alta, devo dizer) contra o Gil Vicente, mas independentemente do que se passou, a aposta nos jovens e o cunho que está a ser impresso por este treinador deixa-me esperança. A de poderem existir vias mais consistentes que nos conduzam à posição que já ocupámos no panorama do futebol. E, sobretudo, a tirar de circulação arruaceiros, caceteiros, mentirosos, boateiros e, de um modo geral, bandidos.

Não vale a pena dizer muito. Vale, sim, a pena agir de forma a que sejam eles - e não aqueles que querem um desporto são, justo e bem formado - a sentir-se a mais.