A maldição da camisola 0 na NBA
A camisola número 0 na National Basketball Association (NBA) não tem uma origem específica atribuída a um único evento ou jogador, mas a sua definição ao longo do tempo reflete a evolução da cultura do basquetebol e da identidade dos jogadores. Historicamente, a NBA (e o basquetebol em geral) permite números entre 0 e 99. O número 0 passou a ser usado por jogadores que queriam destacar-se ou atribuir um significado pessoal a esse dígito.
Os play-off desta época desportiva trouxeram outra simbologia associada à camisola 0. Três estrelas da NBA, todas com o mesmo número, sofreram roturas no tendão de Aquiles durante este período. Tyrese Haliburton (Indiana Pacers), rompeu o tendão de Aquiles no início do jogo 7 das finais. Jayson Tatum (Boston Celtics), rompeu o tendão de Aquiles no jogo 4 da 2ª ronda dos play-off e Damian Lillard (Milwaukee Bucks) sofreu a mesma lesão no jogo 4 da 1ª ronda da decisão a eliminar.
O tendão de Aquiles é o maior e mais forte tendão do corpo. Os tendões normais são uma matriz composta por tenócitos, colagénio e principalmente pequenos proteoglicanos, juntamente com outros elementos complementares. Estão dispostos hierarquicamente, com fascículos rodeados por tecido conjuntivo, que suporta as estruturas vasculares, linfáticas e neurais do tendão. Tanto a subcarga como a sobrecarga significativa do tendão podem perturbar este equilíbrio e conduzir a alterações patológicas na matriz do tendão. É muito provável que a carga esteja implicada na patogénese da patologia tendinosa, com uma subcarga significativa ou uma sobrecarga que pode levar a alterações na matriz do tendão. As roturas agudas geralmente apresentam-se com início súbito de dor associada a um estalo no local da lesão. A lesão causa dor severa e incapacidade significativa.
Tem sido dramático assistir ao aumento exponencial deste tipo de lesão. Um estudo de epidemiologia e análise de vídeo de lesões do tendão de Aquiles na NBA realizado pela American Orthopaedic Society for Sports Medicine (AOSSM) identificou 44 roturas de tendão de Aquiles de jogadores da NBA no período compreendido entre 1970 a 2018. O cenário de lesão (jogo vs treino) foi identificado para 37 (84,1%) das lesões. Das 37 lesões, 29 (78,3%) ocorreram durante o jogo, enquanto 8 ocorreram durante o treino (21,7%). Durante o período do estudo, a frequência de roturas de tendão de Aquiles atingiu o pico no início da temporada, com 12 das 44 roturas de tendão de Aquiles observadas (27,3%) ocorrendo durante este segmento de cada temporada. Aumentos semelhantes foram observados, embora em menor grau, no final das temporadas (últimos 27 jogos de cada temporada). Quarenta e três (97,7%) lesões foram tratadas cirurgicamente.
O tempo médio para retorno ao desporto foi de 10,5 meses e 35 jogadores (79,5%) voltaram a jogar após a lesão.
Nessa altura já havia uma preocupação clara para este tipo de lesão, apesar de o registo ser inferior a 1 lesão deste tipo por ano.
Novas perspetivas de treino e jogo foram incluídas e com isto a incorporação de novos pensamentos foi registado. Vale notar que entre 1990 e 2023 houve 45 lesões, aumentando a média para um valor superior a 1 lesão por ano.
No entanto, apenas na temporada 2024-2025 foram registadas 7 lesões no tendão de Aquiles. Esta temporada de NBA registou um recorde assustador de lesões graves e reacendeu o debate sobre a redução de quantidade de jogos por ano. Para além de Haliburton, Lillard e Tatum, James Wiseman e Isaiah Jackson (Indiana Pacers), Dru Smith (Miami Heat) e Dejounte Murray (New Orleans Pelicans) tiveram uma rotura total do tendão de Aquiles. Se considerarmos a pré-época, este registo acresce para 8 lesões, já que DaRon Holmes II, jogador dos Denver Nuggets, rompeu o tendão de Aquiles durante a Summer League, antes mesmo de a temporada regular começar, tendo-o impedido de jogar durante a época 2024/2025.
Haliburton foi um dos 3 jogadores dos Pacers a ter a lesão este ano. No jogo que atribuía o título, quis arriscar ir a jogo após ter tido um estiramento muscular na região posterior da perna e pouco conseguiu contribuir. O estiramento prévio do tricípete sural é um fator de risco e pode ser o fator comum na maldição da camisola 0. Os três astros que envergam o número que se fala tiveram essa lesão antes da rotura completa. Inevitavelmente, alteraram padrões de movimento para fugir à dor e com isso forçaram ainda mais o tendão. O facto de estar muita coisa em jogo pode ter contribuído para o risco de querer jogar sem estar a 100%, mas vão acabar por estar impedidos do retorno ao desporto por muito mais tempo.
Outros astros da modalidade tiveram esta lesão, como Kobe Bryant ou Kevin Durant. Por Portugal, também tem havido um aumento deste tipo de lesão. Esta lesão pode até influenciar a decisão de acabar a carreira cedo demais para a expetativa criada no público. É o caso da base internacional portuguesa Inês Viana, um exemplo de perseverança, que decidiu colocar um ponto final na sua carreira de jogadora profissional com apenas 30 anos. Ao serviço da Seleção Nacional foi internacional regular e fez parte do grupo que fez história ao qualificar-se e disputar pela primeira vez uma fase final do EuroBasket, este ano. Passou por lesões complexas, nomeadamente a rotura do tendão de Aquiles. A recuperação não foi linear e após uma infeção no tendão teve de voltar a ser operada. Espera-se que continue a conciliar a paixão do basquetebol com outras funções.
Metaforicamente há algumas razões comuns para a introdução do número 0, que incluem o recomeço de algo, sendo que muitos jogadores escolhem o número 0 para simbolizar o início de uma nova fase na carreira ou vida pessoal.
A reintrodução ao jogo bem precisa disso por quem passa por esta lesão e projeta uma nova versão. Uma versão melhor, se possível.