Jürgen Klopp chegou à Red Bull poucas semanas antes da saída de Vítor Matos e Pep Lijnders do clube austríaco

«Quando não se dá o clique é melhor as pessoas seguirem o seu caminho»

Vítor Matos explica as razões da passagem menos bem conseguida pela Áustria

Embarcaste numa aventura com Pep Lijnders para o Salzburgo, mas antes de irmos lá, ou fazemos já aqui um bocadinho a ligação... sair de Anfield para ir para o Salzburgo, não sentiste logo ali uma mudança abrupta?

Iríamos senti-la em 90% dos locais, para não dizer 100% dos locais, mas, sem dúvida, Anfield é um sítio especial. Para além de ser um sítio especial, tudo o que vivemos em Anfield deixa sempre marcas. Agora, para mim foi uma decisão importante. Foi um ponto de aprendizagem muito importante, porque senti esta necessidade de dar um passo que, após o Liverpool, me obrigasse a sair daquela zona de conforto. Isso aconteceu noutro país, noutra liga, com outro contexto, com outra equipa, com outra estrutura de clube também. Foi muito importante para aquilo que foi o meu desenvolvimento. Claro que o que nós todos queremos é que as coisas resultem e que outras se construam a partir daí, mas neste momento aquilo que virá agora logo veremos.

Conta-me tudo sobre o Salzburgo. Para mim foi um bocadinho surpreendente Jürgen Klopp ter chegado à Red Bull dias depois de vocês saírem do clube.

O Jürgen explicou. Iniciou as funções em janeiro e a decisão tinha sido tomada em dezembro, penso que no dia 16, pelo menos foi quando nos foi comunicada. As pessoas são livres de poderem tomar decisões e ele falou abertamente sobre a situação. A decisão foi tomada, foi previamente pensada por todas as pessoas envolvidas, por isso não havia nada que pudesse ter sido feito de forma diferente, penso eu. Há situações no futebol em que as coisas têm de dar um clique, têm de ter uma conexão e têm de ter pontos comuns e, quando isso não existe, às vezes mais vale toda a gente seguir os caminhos em que acredita e que entende serem os melhores para si e para aquilo que é o seu futuro.

Fala-me então desse choque, do choque que é de ir do Liverpool para o Salzburgo.

É diferente, não é? O contexto é diferente, a liga é diferente, o nível dos jogadores, como é óbvio, é diferente. É uma liga que tem muitos jogadores para potenciar e para desenvolver. É um nicho muito interessante por isso e a liga tem esse espaço, mas é óbvio que é uma competição completamente diferente, não se pode comparar sequer com o nível da Premier League. Tudo isso tem de te fazer ponderar qual é o teu ponto de partida quando inicias o projeto e quais serão as tuas prioridades. Tens ainda de olhar para o mercado de maneira diferente. Tudo isso são diferenças que tu sentes, como também toda a envolvência, como é óbvio. Uma coisa é quando olhamos para uma liga inglesa ou para uma segunda liga inglesa e vemos os estádios completamente cheios e outra a realidade da Áustria. Portanto, faz tudo parte do contexto. Temos de encontrar soluções para essas pequenas circunstâncias, mas são tudo circunstâncias que nos fazem crescer. São circunstâncias, pelo menos para mim, de aprendizagem, que nos fazem ficar melhores enquanto seres humanos, enquanto pessoas.

Falaste aí um pouco de mudar um bocadinho o foco da tua abordagem às transferências, ao clube, à massa crítica que tu tinhas, mas isso quer dizer que quando vocês aceitaram, tu e o Pep, ir para Salzburgo não estavam bem à espera do que encontraram?

Não, não, não. O que digo é que é uma coisa virmos de um projeto com oito ou nove anos de desenvolvimento... em que uma cultura de rendimento está implementada, em que nas relações, na forma como vivemos o clube e o futebol existe uma complementaridade grande e todas as pessoas estão alinhadas em algo... é muito diferente quando tu mudas deste contexto para o de um clube em que tens de ter um ponto de partida. Apesar do que existia, porque existe uma cultura forte lá. Tem de existir sempre algo intermédio, algo que exista em comum e, a partir do que há em comum, construir para o futuro. Isso, sim, faz-te pensar de maneira diferente quando olhas para o mercado em função daquilo que é a tua ideia enquanto treinador e em função daquilo que também é o plantel, os objetivos e as expectativas. Tens de ter outro tipo de abordagem e tudo isto são questões que influenciam aquilo que é o teu processo de liderança e a tua função enquanto treinador. Obviamente, são contextos muito diferentes.

O que é que tu identificas como algo que tenha corrido mal?

Os resultados! Mas começámos muito bem. Aliás, fomos a primeira equipa austríaca a conseguir a qualificação para a Champions através dos play-offs e isso, aos poucos, foi um pouco também parte do problema. O número de jogos, sobretudo nesta época, se somarmos Liga, Taça e Champions League, é mais elevado. Obriga a olhar para o plantel e para a sua profundidade com outros olhos. Ao mesmo tempo, o lidar com estas diferenças implica alguma maturidade emocional e alguma experiência competitiva nestes contextos e isso foi o que a equipa foi sentindo, ou seja, um início fantástico, com uma qualidade do jogo já bom, pelo menos em termos estéticos e competitivos, e depois, por diversas razões, a perda de consistência ao longo do tempo.

Mas vocês não foram para uma equipa da Red Bull para jogar como uma equipa da Red Bull, certo?

Não, a ideia seria, acima de tudo, começar a construir uma identidade nova e esse estilo diferente, algo que o Jurgen também já explicou, é algo que começou a ser trabalhado a partir de janeiro, principalmente com a sua entrada no grupo Red Bull Soccer. Nós seríamos, no Salzburgo, as pessoas com essa função, com essa ideia de o jogo também se transformar. Ou seja, se queremos dominar e se queremos atacar, temos de fazê-lo com bola e com qualidade. E partia daí, como é óbvio.

Mas não achas que isso precisava de um ano zero?

Acima de tudo precisa de tempo, isso é o mais importante. As coisas precisam do seu tempo. Precisas de tempo para construir uma equipa e um processo para construir uma equipa vencedora e de acordo com aquilo que é a tua ideia, a tua identidade e aquilo em que tu te revês enquanto treinador. E acaba por ser um engano, que muitas vezes acontece, querer apressar o processo. É óbvio que a curto prazo tens de ser competitivo, ser capaz de competir para ganhar os jogos, sobretudo quando estás neste nível de equipas, mas para construir algo é preciso tempo, é preciso um processo e esse processo tem de ser sustentado e tem de ter treino e de ter vivências. Tens de viver e perder em função da tua ideia e em função da tua ideia fazer as coisas crescer e evoluir.

Os resultados acabaram por penalizar a ideia?

Sim, pelo número de jogos que tivemos. Acho que o número de jogos com os da Champions fez com que o processo não ganhasse a consistência que nós procurávamos.

Há muito tempo que o Salzburgo joga de uma determinada forma, isso também terá criado alguma resistência...

Acima de tudo, tem uma identidade enquanto clube. Essa identidade enquanto clube, quando tu queres mudar, leva a que a mudança tenha de ser algo assumido coletivamente e, depois com o tempo, se evolua para se acreditar numa ideia. E isso não é por ser o Salzburgo ou outro clube qualquer, é transversal a todos. Uma coisa é teres um clube em que a perspectiva é o mercado, em que a perspectiva é o curto prazo mais do que o longo prazo ou mais do que uma sustentabilidade. E assim vives em função do momento. Em função do momento tens de escolher um treinador que te consiga dar logo aquele resultado, independentemente da ideia ou, digamos, da sustentabilidade de todo o processo. E isso é também uma ideia, uma visão, é uma forma de estar. Outra coisa: quando queres criar uma identidade, queres criar uma crença comum, um sentido comum, uma cultura que pode estar já muito vinculada ou pode, ao mesmo tempo, se construir com as pessoas. E estas pessoas são a estrutura diretiva, o treinador, os vários departamentos, os jogadores, os adeptos... E, quando isso acontece, essas decisões têm de ser bem ponderadas.