Lance entre Sudakov e Samu Silva em Guimarães. Foto: D. R.
Lance entre Sudakov e Samu Silva em Guimarães. Foto: D. R.

V. Guimarães: valor real 'vs.' valor potencial

'Sentido de pertença' é o espaço de opinião quinzenal de André Coelho Lima, jurista, empresário e associado do Vitória SC

1 Proponho-me analisar o jogo deste sábado contra o Benfica (derrota do Vitória por expressivos 0-3), numa vertente que considero paradigmática do que virá a ser esta época e demonstrativa do que desde há algum tempo venho referindo.

Mas primeiro queria começar pela análise ao jogo. Necessariamente breve, porque o resultado é incontestável e a diferença apresentada em campo não deixa margem para dúvidas. Mas ainda que, de modo algum o Vitória se possa socorrer dos erros de arbitragem para ajudar a explicar o resultado, a verdade é que eles não podem ser ignorados, por grosseiros, por geradores de desconfiança no sistema, por serem no fundo aquilo que afasta as pessoas de bem dos jogos de futebol ao perceberem não haver verdadeira equidade entre as partes em confronto, sobretudo quando uma dessas partes é um dos três designados grandes.

O atleta do Vitória Fabio Blanco foi expulso por pé alto, com perigosidade evidente embora não verificada. É um lance de disputa de bola, que inclusive não toca no adversário, não obstante não poder ser questionada a sua perigosidade potencial. Pouco antes deste momento, o atleta do Benfica Sudakov faz uma entrada sobre Samu de violência intencional, claramente passível de cartão vermelho, tendo-lhe sido exibido o amarelo.

Uma coisa, é discutir estes lances no âmbito da discussão do resultado; não contribuo para isso. Outra completamente diferente é abordar este tema na perspetiva da exigência de uma explicação cabal acerca de uma óbvia dualidade de critérios, numa altura em que não há razões para que ela exista. Há uns anos, podia sempre alegar-se a visão do árbitro, atualmente, com recurso às tecnologias mais avançadas — e eficazes — se existe uma violação grosseira e óbvia da igualdade de tratamento, os seus responsáveis — em primeira instância os juízes do encontro, em segunda instância os dirigentes da Liga — têm de algo dizer em explicação de algo tão grosseiro. Não o fazerem é, além de não se respeitarem a si próprios, não quererem fazer respeitar o produto que tão avidamente pretender vender. Se este produto não for sério, não for confiável, ele nunca será vendável. Ninguém tem interesse em comercializar um produto que não seja credível. É da credibilidade do futebol que se fala, não do resultado do Vitória-Benfica.

2 Dito isto, volto ao tema deste texto. Este jogo revelou o que venho dizendo e que pode condicionar as aspirações do Vitória para esta época. Esta equipa tem qualidade evidente, tem valores a poderem despontar e a poderem significar a construção de uma equipa à altura do que gostamos de ver no nosso clube, mas essa qualidade e essa valia são potenciais, não são ainda atuais.

O Vitória tem uma equipa de enorme valor potencial, mas ainda não com o valor atual que lhe permita ombrear com aqueles com os quais terá de disputar os lugares de acesso às competições europeias. Precisamente por isso, em 29/07/2025 intitulei o meu texto de «A primeira época do resto das nossas vidas», fazendo alusão a uma equipa em construção, a que atribuía inequívoco valor, mas uma equipa para que era preciso ter paciência. Também por isso, em 07/10/2025 escolhi como título «Provavelmente, não conseguiremos o apuramento europeu» como forma de, simultaneamente, tirar pressão sobre a equipa e situar aquelas que, na minha perspetiva, devem ser as nossas aspirações para esta época.

Claro que, se em época de renovação conseguíssemos o objetivo do apuramento europeu, isso seria ouro sobre azul e representaria, de facto, uma adição de futuro e uma valorização do plantel absolutamente exponencial (convém sempre recordar que saíram jogadores em final de carreira substituídos por outros no início das mesmas). Mas para isso, creio, a revolução não poderia ser tão radical. E nem me refiro tanto aos jogadores, mas antes à equipa técnica. Já disse aqui que sem prejuízo do enorme valor (também ele potencial) que reconheço a Luís Pinto, creio que uma alteração tão profunda deveria sempre ter mantido um elemento de transição, um baluarte que assegura a transmissão do passado para a construção do futuro. Fosse esse elemento um capitão, um jogador nuclear no equilíbrio do papel, fosse esse elemento, idealmente, o treinador.

Ninguém pode assegurar que os resultados fossem muito diferentes, mas ter-se-ia usado da prudência que creio exigível para uma ocasião de tão brusca transição.

3 Sem prejuízo de tudo isto, creio que a equipa é curta e é até difícil de compreender que o seja. Claro que para este jogo faltavam Ndoye e Gustavo Silva com os quais, provavelmente, a estória do jogo poderia ter sido outra, mas as lesões fazem parte disto, são contingências que fazem parte do processo.

Mas já considero difícil de compreender que, para a posição de ponta de lança, o Vitória tenha dispensado quatro atletas — Jesús Ramírez, Adrián Butzke, José Bica e Dieu-Merci Michel — e para essa posição tenha sido contratado apenas um jogador: Alioune Ndoye. Que, recordo, até há duas semanas não era sequer o titular. Sendo que, do que me é dado verificar, contrariamente ao que sucede em muitas outras posições não vislumbro na equipa B capacidade dos pontas de lança para poderem ser alternativa à equipa A. O que nos deixa de facto numa situação difícil.

4 O Vitória precisa de confiança e estes rapazes precisam de apoio. Temos ali gente muito boa a precisar de poder explodir e que nos dará ainda muitas alegrias. Mas precisamos de recalibrar o plantel. Precisamos de tirar o Telmo Arcanjo das alas (onde temos muitas alternativas) e testá-lo na posição em que jogava quando foi contratado (segundo avançado), o que creio adequar-se mais à sua velocidade, recursos e estilo de jogo.

E vamos precisar de um ponta de lança. Urgentemente. Aquela posição precisa de ser disputada e de ter o poder de fogo que aqueles miúdos precisam para ajudar a mudar a sua, e nossa, história.