Entrevista A BOLA com a jovem judoca que venceu o Grand Slam do Cazaquistão está com o pé na capital francesa ao figurar nas quotas continentais

Taís Pina: «Há meses nem me imaginava na corrida aos Jogos»

Judoca entrou nas quotas para os Olímpicos

Até há pouco fora das principais contas da equipa olímpica de Portugal, a partir do Grand Slam de Paris, a judoca do Algés entrou na corrida aos Jogos Paris-2024 e agora, ao ganhar o Grand Slam do Cazaquistão está com o pé na capital francesa ao figurar nas quotas continentais. O Mundial de Abu Dhabi decidirá tudo, mas, aos 19 anos, Taís Pina parece ser uma certeza do judo nacional.

— O que é que significou para si a conquista da medalha de ouro no Grand Slam (GS) do Cazaquistão no passado sábado depois de já ter sido prata no GS de Antalya?

— Fiquei muito contente por ser a minha primeira medalha de ouro num grand slam e por ainda ser júnior. Estar a conquistar estas coisas nos campeonatos tem sido muito especial.

— Está a dizer: «eu ainda sou júnior». Surpreende-a não só chegar a uma final do grand slam, mas estar a ganhar uma final do grand slam?

— Sim, é verdade que não estou à espera de ganhar a todas, porque estou a lutar com pessoas muito mais experientes e velhas do que eu, e como o nível é muito elevado, não esperava.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Mas as ambições que tinha eram estas? Tinha traçado o que está a acontecer nas suas aspirações?

— Tão rápido assim não, mas fico contente que esteja a concretizar-se.

— Começou a praticar judo, salvo erro, num projeto social da Escola de Judo Nuno Delgado, na Amadora, com que idade?

— Oito anos, acho eu…

— Quais eram então os seus sonhos quando foi para o judo, se gostou logo e se era a única modalidade que a atraía ou havia outras?

—Não gostava muito de judo, sou sincera. Antes jogava e gostava de voleibol muito mais do que judo, mas pronto, escolhi o judo. Começou por ser uma diversão, acho. Tinha pessoas da minha turma que já andavam. O judo abriu como uma modalidade extracurricular e fomos para lá.

— E era só por pura diversão, nunca pensou: vou ser uma judoca que vai andar a competir em Europeus e Mundiais?

— Isso nunca pensei. Só apareceu agora, há pouco tempo.

— Como é que alguém que é tão reservada e até um pouco tímida se transforma na judoca que é dentro do tapete, e no passado fim de semana foi impressionante a pressão que fez sobre as adversárias?

— Não sei. Acho que não penso assim tanto ao meu redor. Quando tenho de falar com as pessoas fico um bocado mais nervosa, mas quando estou no tapete, a lutar, só tenho de mostrar aquilo de que sou capaz. É mais fácil.

Mas acha que se transforma? Que mesmo como atleta é outra pessoa dentro daquele tapete de competição do que é no dia-a-dia?

— Penso que sim, mostro mais atitude. Acho que é isso.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Foi a sua sétima prova no Circuito Mundial, seis delas aconteceram este ano, mas é a terceira vez que já lutou por uma medalha, o que é que mudou desde janeiro?

—Não sei... [risos]. Depois do Grand Slam de Paris [a minha prestação] abriu-me portas para acreditar mais em mim.

— Quando foi 5.ª classificada?

— Sim. Pensei: «se calhar, até consigo mostrar que sou capaz e o que tenho de trabalhar».

— Mas, vá lá, àquele ‘animal combativo’ que é em cima dos tapetes, ficou-lhe um bocado atravessado ter sido 5.ª classificada? Ter terminado a uma vitória da medalha em Paris mexeu consigo?

— Sim, apesar de ter sido o meu primeiro grand slam não ambicionava chegar aos blocos finais e ganhar os combates que consegui. Só desejava adquirir experiência e ir combate após combate, mas não pensava chegar tão longe.

— E existe uma grande diferença da Taís do Grand Slam de Paris para esta do Cazaquistão? Passou a ir: eu vou lá para chegar às medalhas?

— Agora [já vou] um bocadinho mais, mas continuo a ser mesma pessoa, sempre com a mesma garra. Desde o início ao fim.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Recordo-me que depois, quando ganhou a medalha de prata no Grand Slam Antalya, disse-me: «acho que também tive sorte porque que elas não me conheciam bem». Mas, agora, começa a ser difícil não a conhecerem, não é?

— Sim, provavelmente vai ser mais complicado.

— Sente isso, que quando está em cada combate, que elas já se colocam de maneira que não possa aplicar as suas pegas, fazer aquilo em que é mais forte? Sentiu essa mudança?

— Acho que não… Não sei… 

— Continua a ser tudo...

— Não faço isso de forma fácil, elas também querem ganhar.

— Sei também que gosta de música. Que tipo de música é que gosta e se há alguma que prefira ouvir antes de entrar em combate, porque às vezes, há prolongamentos, e estão ali muitos minutos à espera?

 — Gosto muito de uma banda chamada Maneskin, que é italiana e venceu a Eurovisão. Aprecio muito as músicas deles, mas agora, ultimamente, tenho ouvido mais músicas portuguesas como o Slow J, Van Zee. Música da atualidade que me deixa mais calma.

— A música é algo que a acompanha no dia-a-dia?

— Sim, sempre. Para ir para a escola, para o treino….

— Sabe tocar algum instrumento?

— Não.

— E para quem gosta tanto de comer, a categoria de -70 kg em que compete devia ser era de -75 kg?

— Aiiiii…. [risos]. Não! Bem, gosto muito de comer, mas gosto muito [de competir] nos -70 kg, portanto, é um sacrifício que faço bem.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Se não é indiscrição, atualmente tem de perder quanto para estar a combater nos -70 kg?

— Não gosto muito de revelar isso. Prefiro guardar para mim.

— Nunca pensou: vou é meter-me nos -78 kg?

— Não quero pensar, é mais isso.

— Lá para a frente da carreira se verá, é isso?

— Não. Enquanto conseguir fazer -70 kg, é onde irei competir.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

É treinada pelo Pedro Jacinto e pelo Miguel Santos. Creio que foram os dois internacionais, o Pedro Jacinto foi ainda mais longe. Quais são as diferenças entre eles. Eles não vão ouvir?

[risos e alguma vergonha em falar]

Como é que é o Pedro Jacinto como treinador?

— É um bom treinador. Tal como o Miguel também é um bom treinador.

Há algum que goste mais de falar? Por exemplo: amanhã não vou conseguir chegar a horas ao treino. Qual deles é que escolhia para dizer?

— Ponho no grupo de treinadores. Não vou conseguir chegar cedo. Provavelmente seria isso.

Gostava de aprender uma nova técnica que viu e com qual deles é que iria primeiro abordar?

— Provavelmente falaria com o Miguel, porque também já conheço há mais tempo. Mas seriam os dois.

Para a semana tenho um campeonato do Mundo que pode decidir muita coisa da minha vida. Estou com algum receio. Com qual dos dois é que falava primeiro?

— Com os dois, lá está, escrevia no grupo.

— Há três anos mudou da Escola de Judo Nuno Delgado para o Algés. O que é que veio à procura no Algés?

— Vim para o Algés porque o Miguel [Santos, treinador no clube com Pedro Jacinto] também veio. Foi aqui que senti bastante mais o espírito de equipa e que tinha pessoas que me apoiam. Para além das outras pessoas que também passaram da EJ Nuno Delgado para o Algés.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Tem algum ídolo no judo?

— … Acho que não.

— Nem a nível nacional? Alguém que que veja e diga: gostava de ser como aquele judoca.

— Claro que há sempre referências: Telma Monteiro, o Jorge Fonseca... São pessoas que inspiram os outros.

— Uma vez que falou no Jorge Fonseca, que também começou e veio da Amadora, sabe que ele tem uma grande admiração pelo teu percurso?

— A sério? Acho que também será pelo facto de sermos os dois da Amadora. Deve ser por isso.

— Com a medalha de ouro no Cazaquistão passou a figurar no apuramento para os Jogos Olímpicos Paris-2024, daqui a três meses. É a primeira vez que sente realmente que a qualificação é possível?

— Após o Grand Prix da Áustria, que me tinha corrido muito mal, pensei: já não dá mesmo. Mas depois, na semana seguinte, consegui a medalha de prata em Antalya, e raciocinei: «OK, se calhar até dá.» Seguiu-se o GP do Tajiquistão e disse: não vai dar. Esta agora, no Cazaquistão,  deu-me, não quero dizer esperanças, nem expectativas, mas mais confiança para dar tudo no Mundial.

— Vai ser um Mundial que decidirá se vai ou não Jogos. E nos últimos dias têm lhe dito para estar sem pressão disto, sem pressão daquilo... É mais fácil dizer do que estar a sentir isso?

— Sim, mas é ir como tenho feito sempre: tranquila e pensar combate após combate.

— É fácil para si, quando entra para esses combates, e sabendo destas contas todas que têm acontecido nos últimos meses, deixar tudo fora do tapete e pensar só no combate? Não pensar: tenho que chegar até aos quartos de final… É fácil alhear-se disso?

— Acho que nessas provas, pelo menos nesta última, tem sido mais fácil abstrair-me porque, para além de tudo isso, também ainda tenho de pensar em divertir-me e tentar fazer um bom resultado sem estar a preocupar-me com pontos, mas só no meu percurso.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Pode ir aos Jogos Olímpicos de Paris-2024. Se o conseguir competirá com 19 anos e será a judoca mais nova desde Telma Monteiro em Atenas-2004, que foi com 18. O que é que isso lhe diz?

— Não sei, há poucos meses nem me imaginava estar nesta corrida, portanto, é muito fixe. Será engraçado se marcar presença em Jogos Olímpicos.

Cinco para dois lugares de quota
Não vale a pena fazer muitas contas tais são as variáveis. É simples: quem quiser estar nos Jogos de Paris-2024 tem de ir o mais longe possível no Mundial de Abu Dhabi, que começa domingo. Com Catarina Costa (-48 kg, 6.ª do ranking), Bárbara Timo (-63 kg, 13.ª), Patrícia Sampaio (-78 kg, 9.ª), Rochele Nunes (+78 kg, 7.ª) e Jorge Fonseca (-100 kg, 9.º) qualificados, ainda que não oficialmente, a vitória de Taís Pina (-70 kg) no Cazaquistão e o facto de João Fernando (-81 kg) não ter ganho qualquer combate, assim com Telma Monteiro (-57 kg), fez com que a judoca do Algés passasse a ter virtualmente direito à quota continental, se Fernando caísse para a quota que deriva se outro continente, Oceânia, por não terem atletas suficientes, e Telma ficasse fora da qualificação quando falta uma prova que dá tantos pontos que tudo pode mudar. Assim, e juntando Rodrigo Lopes (-60 kg) e Maria Siderot (-52 kg), se ninguém subir aos lugares de apuramento direto, Portugal tem cinco judocas para duas possíveis quotas.

— Neste momento, ajudou a baralhar todas as contas da Seleção por causa das quotas de qualificação uma vez que passou à frente de uma série de gente. Uma das que pode ficar de fora, devido aos seus bons resultados, é a Telma Monteiro, que é uma das pessoas que admira pela carreira e que está à procura dos sextos Jogos. Isso é algo em que pensa, ou neste mundo não dá, só dá para pensar em nós?

— Sinceramente, antes não tinha pensado muito nisso, mas acho que continuo igual.

— Se for a Paris-2024 será a nona judoca do Algés a participar nuns Jogos Olímpicos. Houve três que conseguiram-no duas vezes, um deles o Nuno Delgado, medalhado de bronze em Sidney-2000, e o último foi em Pequim-2008, mas será a primeira mulher do Algés, no judo, a ser olímpica. Como é que vê isso?

— Acho que será especial, ainda por cima por ser uma mulher. Se tal acontecer será bom.