Alinhamento astral, horas de jogos e queixinhas
Há sempre dois momentos em que sinto que as férias acabaram (mesmo que, por alguma questão de calendário, ainda esteja em pleno gozo das mesmas): o dia em que os miúdos voltam à escola e o dia em que o campeonato começa. E nas duas datas a sensação é idêntica: a magia do recomeço, a ideia de estreia e um mundo inteiro de possibilidades em aberto.
Não acredito que quem gosta realmente de futebol não sinta que o recomeço do campeonato é um bocadinho como voltar a casa. Ao apito inicial do árbitro, no jogo inaugural, há qualquer coisa que faz com que os astros voltem a alinhar-se e instala-se em nós a segurança de quem tem uma rotina. Voltamos a definir planos em função de um calendário de jogos, os jantares com amigos apimentam-se na rivalidade e a família volta a reunir-se no sofá ou no estádio, de preferência equipada a rigor.
Quando escrevo estas palavras, o arranque efectivo do campeonato já aconteceu e o Sporting já venceu o Casa Pia num jogo em que não consegui perceber se estivemos tão extraordinariamente bem como pareceu ou se o nosso brilho se deveu, em parte, ao estado baço de um adversário irreconhecível em relação à época passada. Mas, seja como for, o que mais desejávamos realizou-se: entrámos na nova época a vencer e, de repente, começámos a acreditar que até é possível que o 4x2x3x1 de Rui Borges funcione.
Em Rio Maior, o Sporting deixou bons indicadores. E mesmo sabendo que, dos três grandes, fomos o clube que menos investiu (€47,3 milhões contra mais de €100 M do FC Porto e €72,5 M do Benfica), foi impossível não sentir que o tricampeonato, que nos escapa desde 1954/1955, quando ainda havia violinos em campo, é, de facto, uma possibilidade real.
Na próximo domingo, contra o Arouca, jogaremos em casa, num regresso a um Estádio de Alvalade já na versão 2.0 com que há muito sonhamos. Finalmente poderemos dizer adeus, de forma definitiva, ao fosso dos horrores que, diga-se em abono da verdade, nunca deveria ter existido (onde é que estava a cabeça de quem permitiu semelhante aberração, senhores?). Uma pena que, mais uma vez, tal como tem acontecido recorrentemente nas últimas épocas, um jogo ao domingo, véspera de dia de trabalho, se realize a uma hora que torna quase impossível levar miúdos pequenos. E se, desta vez, por ser agosto, ainda podemos ponderar correr o risco, quando as aulas começarem não há como contornar o óbvio: um jogo que começa depois das 19h00 de domingo vai necessariamente acabar perto da hora a que a criançada já devia estar na cama. E se ao tempo de jogo somarmos as deslocações, fazer de Alvalade um lugar de família só será possível a quem já tiver os filhos crescidos.
E sim, eu percebo totalmente a questão das transmissões televisivas, mas parece-me que quem de direito também devia fazer um esforço por perceber que, como espectáculo e ponto de encontro de famílias, há horas absolutamente impróprias para a marcação de jogos. Termos um simpático Jubas na bancada, mas um horário absolutamente desadequado aos adeptos mais novos? É, no mínimo, incoerente.
E já que falo em incoerências, deixem-me abordar a reação do Benfica à queixa que o Sporting apresentou ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, relativamente a Bruno Lage e ao vocabulário que usou para se dirigir a Fábio Veríssimo no jogo da Supertaça.
É que não deixa de ser curioso que o clube que, ainda antes do jogo, emitiu um comunicado a arrasar a nomeação do árbitro e que, assim, de forma óbvia, procurou condicionar a sua prestação, venha agora profundamente ofendido, numa posição de quase vítima, dizer que o Sporting procura ganhar fora de campo o que não consegue ganhar dentro dele. E já nem vou comentar o disparate que é insinuar que o clube bicampeão nacional não consegue ganhar dentro de campo — até porque falamos de algo fatual e, por isso, o Benfica só se desacredita a si próprio com este tipo de afirmação. Mas não dá, de todo, para ignorar que o clube da Luz não tem qualquer moral para falar de queixas e queixinhas quando, depois do jogo que deu ao Sporting a vitória na Taça de Portugal, disparou contra todos os alvos.
Reparem, eu percebo a queixa contra Matheus Reis pela agressão não sancionada a Andrea Belotti, mas as restantes? Quenda? Hjulmand? Gyokeres? Debast? Quer dizer, o Benfica abre o precedente e agora que o Sporting o segue vem assumir a posição de indignado?
Se eu preferia que nada disto acontecesse e que tudo o que diz respeito aos jogos se resolvesse em campo? Preferia. Até porque, sendo francamente honesta, estas queixas fazem-me recordar um bocadinho os meninos na escola primária, mas o ponto aqui é que quem começou não pode agora vir apontar o dedo a quem se limitou a copiar-lhe o método.
Se calhar, antes de sair a atacar a participação do Sporting por um comportamento visível e facilmente comprovável de Bruno Lage, os encarnados deviam olhar para dentro e refletir seriamente sobre qual a direcção para onde pretendem que o futebol português se dirija. Até porque me parece que têm investido o suficiente para ganhar no onze contra onze, de bola nos pés, e deixar de lado as queixas, participações, comunicados nas derrotas e publicações incendiárias nas redes sociais.
O campeonato acabou de começar e era importante que fosse totalmente jogado dentro das quatro linhas. Sem truques de bastidores ou tentativas de condicionamento. Mas isto só pode acontecer se todos os clubes adoptarem uma postura de adulto. E só para deixar mesmo claro: eu preferia que o Sporting não tivesse avançado com esta queixa, mas acho absolutamente inadmissível que, de entre todos, seja o pai desta estratégia a vir apontar-nos o dedo.
Domingo que vem, se tudo correr bem, iremos encontrar-nos em Alvalade. E esse encontro será uma festa. Das bancadas pediremos o tri, cantaremos que o nosso amor é verde e branco e que faremos o que pudermos para ver a verde e branca sempre na frente.
E isso é o que verdadeiramente importa. Que saiamos de Alvalade sempre com vontade de voltar porque jurámos ser fiéis ao Sporting «até a morte nos separar».
O campeonato está aí. O meu desejo é que seja limpo e justo. E que, já agora, à semelhança das duas épocas anteriores, sejamos nós a ocupar o Marquês no final.