Salvador Blopa: conheça a incrível história do ‘teenager’ que desponta no Sporting
Salvador Uco Blopa, nascido a 13 de junho de 2007, em Cascais, com raízes guineenses e que aos 6 anos começou a dar os primeiros passos no futebol no GDR Fontaínhas, chegou ao clube de Alvalade em 2017/2018 e tornou-se no 85.º jogador da cantera leonina na era Academia de Alcochete a estrear-se pela equipa principal.
E que estreia teve o menino Blopa. A polivalência é-lhe apontada como cartão de visita. Pode jogar em ambas as alas da defesa e até no ataque, graças à compleição física (1.88 m) e ao faro para o golo, algo que esta temporada tem vindo a ser destaque ao serviço da equipa B dos leões e também de quinas ao peito.
Em junho, na final da UEFA Friendship Internacional Cup, na Suíça, marcou o golo que permitiu à Seleção Nacional de sub-18 chegar ao empate diante dos Estados Unidos da América, jogo que a equipa lusa acabaria por viria a ganhar, no desempate por grandes penalidades. Em setembro, no Torneio Stevan Vilotic, também realizado na Suíça, marcou em dois dos três jogos dos sub-19 nacionais, mais concretamente na vitória com a Hungria (3-1) e na derrota frente à Sérvia (5-6).
Mas, voltemos ao jogo de ontem, terça-feira, em Alvalade. Rui Borges promoveu revolução no onze para a receção ao Alverca, em jogo dos quartos de final da Taça da Liga, e lá estava o nome de Blopa entre os titulares, dono do corredor direito.
Certo é que o jovem não deixou créditos por mãos alheias e, aos 18 anos, quatro meses e 15 dias, escreveu uma bela história para contar aos netos. O teenager estreou-se com um ‘bis’ na equipa principal dos verdes e brancos e bateu recorde de 88 anos, que pertencia a Peyroteo, figura incontornável do Sporting, que marcou dois na goleada ao Casa Pia, por 7-0, em 1937, na sua estreia, tinha 19 anos.
«Sempre agarrado à bola, de manhã à noite»
A BOLA foi ao encontro de Jorge Martins, o primeiro treinador de Salvador Blopa, para poder dar-lhe a conhecer, a si leitor, a história do novo menino bonito de Alvalade.
«Ele tinha seis anos quando comecei a trabalhar com o Salvador, jogava sempre num escalão acima. Lembro-me de ele aparecer com as chuteiras todas rotas e só queria era correr e chutar bolas. Típico daquela idade. Vinha a pé do bairro para o campo e criámos uma ligação mais próxima, ele andava quase sempre comigo», começou por contar.
Já sem pai, a viver com a mãe, o avô, mais três irmãs e um irmão, Jorge Martins assumiu um papel de 'padrinho' na vida de Salvador. «Almoçávamos juntos ao fim de semana, era um miúdo com mais dificuldades e andava sempre comigo e criámos uma ligação até agora. Costumam dizer que sou o pai dele [risos], no futebol e na vida, é ir ajudando com conselhos e sempre que precisava de alguma coisa ia tentando ajudar, dentro daquilo que eu podia.»
Questionado sobre a partir de quando é que se começou a moldar um jogador a quem se podia vislumbrar futuro risonho, Jorge Martins foi rápido na resposta: «Era um miúdo que usava os dois pés e gostava de ir para cima dos adversários. Andava sempre agarrado à bola, de manhã à noite. Era o sonho dele e está a acontecer, devagarinho, isto ainda não é nada, mas ele só queria jogar bola, ser jogador. Fomos dizendo-lhe que era difícil, só poderia conseguir com muito trabalho.»
«Cortou gesso do braço e foi o melhor do torneio»
O Sporting cedo identificou Blopa como possível jovem para ingressar na Academia, mas o jovem estava muito ligado ao Fontaínhas especialmente a Jorge Martins.
«Ele começou a competir mais cedo do que a idade dele, com os mais velhos e na na altura despertou logo a atenção, um miúdo com uma passada muito longa, que desequilibrava, apesar de ser mais pequenino e mais fininho do que os outros todos. Houve uma tentativa de o levarem no primeiro ano, mas ele dava-se bem comigo e não quis ir, e também era muito novinho, depois, passados dois anos, assinou pelo Sporting, ainda voltou ao Fontaínhas e só no ano seguinte é que ficou na Academia de vez. Adaptou-se bem e o resto está à vista.»
Trabalhador, empenhado, que sabe ouvir o que lhe dizem, são características que o acompanham desde sempre. Além de ser competitivo, como prova o seguinte episódio que Jorge Martins partilhou com A BOLA.
«No último torneio que fizemos, só para se ver como é que ele gosta de futebol, estávamos a jogar um torneio de uma semana em Braga e ele, na meia-final ou nos quartos de final, faz um golo de bicicleta, mas quando caiu magoou-se num braço. Começou a chorar baba e ranho, como fazia sempre [risos] e lá fui com ele para o hospital, estivemos lá a tarde toda. Colocaram-lhe gesso no braço, mas quando ele percebeu que não ia poder jogar mais deixou de lhe doer o braço, cortou o gesso, fez o resto do torneio e acabou por ser considerado o melhor jovem. Só por aqui se vê a mentalidade dele, de trabalho, de vontade de fazer as coisas e jogar futebol, superou a dor, queria era jogar.»
«Tem características de Nuno Mendes»
Blopa surpreendeu aqueles que menos acompanham o seu percurso com a capacidade de jogar com os dois pés - marcou o primeiro golo com o esquerdo e o segundo com o direito -, explorando bem os dois flancos.
«Se poder jogar o corredor todo vai desequilibrar mais. Porque ele vai ter uma passada muito longa, consegue atacar muito bem ali pela profundidade através dos corredores. E depois, lá está, tem a a facilidade de jogar tanto com o pé esquerdo como com o direito, o que é mais uma vantagem para ele», analisou Jorge Martins, agora coordenador da Escola do Estoril no Vale de Santa Rita e também do espaço Effekt, centro de recuperação e bem-estar em Cascais.
E os elogios continuam: «É muito trabalhador, conseguimos que ele seja muito ainda com os pés bem assentes no chão, ouve muito quem lhe é próximo e, claro, o feedback de toda a gente é o que me deixa mais orgulhoso. É que é um miúdo muito trabalhador e isso é muito importante, porque, ao fim ao cabo, o talento é só um bocadinho e perdem-se muitos talentos porque falta o trabalho.»
Desafiado a comparar Blopa a algum jogador de renome, o seu antigo treinador não teve dúvidas: «Nestas idades é complicado... Mas, tem o estilo do Nuno Mendes. Pode ser um pouco ingrato fazer este tipo comparações, mas são perfis similares, de passada larga, embora não tendo ainda a confiança do Nuno Mendes para fazer o que ele faz, mas acho que o consegue. Bem trabalhado e bem acompanhado.»
«Do avião para o estádio e um abraço de orgulho»
Jorge Martins sabia há uma semana que, possivelmente, Salvador Blopa seria convocado por Rui Borges, até que surgiu a novidade que de seria titular. «Pareceu-me tranquilo, fui-lhe dizendo para desfrutar, porque isto é o fruto de tudo o que ele tem vindo a fazer. Ontem vim de viagem, diretamente do avião para o estádio e no final dei-lhe um grande abraço de orgulho. Dei-lhe os parabéns e disse-lhe que agora é continuar, porque lhe que vão cobrar mais depois de ter feito um bom jogo.»
O próprio Rui Borges, na conferência de imprensa após o jogo, pôr água na fervura no entusiasmo em torno dos jovens que se estrearam: «Não ganhou nada. Apenas um jogo, uma oportunidade, que todos aproveitaram muito bem. É continuar o trabalho deles, com seriedade no dia a dia, na equipa B. Porque não podem colocar-se em bicos de pés, só porque se estrearam na equipa principal. A equipa ganhou e com fulgor... É manter-se focados, humildes e continuar a trabalhar sérios. Continuar o seu crescimento na equipa B. Para depois dar resposta aqui, que foi o que deram todos.»