Rui Almeida: «Até a lavandaria restruturámos...»
Depois de alguns anos como adjunto de Jesualdo Ferreira, e com passagens pelo Panathinaikos, Sporting, SC Braga e Zamalek, Rui Almeida, atualmente no Difaa El Jadidi em Marrocos, esteve ainda sete anos no futebol francês e recordou em entrevista à A BOLA essas aventuras de bom grado, apesar de algumas situações complicadas que viveu.
- Como chegou esse convite de Jesualdo Ferreira, neste caso para o Panathinaikos, e o quão importante ele foi para si, para chegar a este patamar de treinador principal, dado que foi o treinador com quem trabalhou mais tempo.
- Eu já era treinador principal antes. Eu era selecionador, na altura, da Síria [sub-23], mas, quando recebi o telefonema do professor, era irrecusável. Para já porque ele estava no Panathinaikos, estávamos a disputar a Liga dos Campeões, e depois porque saiu o José Gomes e o Nuno Espírito Santo da equipa técnica, e eu venho substituir ambos. Portanto era irrecusável. Foi uma aventura extraordinária no Panathinaikos, depois Sporting, SC Braga, Zamalek, onde fomos campeões e ganhámos a Taça. Portanto, muito importante pela pessoa. Porque eu acho que colou todo aquele conhecimento que eu tinha anteriormente. De tudo aquilo que uma pessoa, além de, naturalmente, venho da área de formação como muitos treinadores portugueses, joguei, mas não a nível alto e o conhecimento, tudo aquilo que a prática do professor, veio colar tudo. Foi muito importante. Sem dúvida nenhuma, foi muito importante na minha carreira. Aqueles anos que passei com ele e as centenas de jogos que fiz com ele, e as centenas de treinos que tive com ele. E de partilhar com ele muitos momentos de estágio e de conversas, e as conversas informais que tive com ele, talvez, foram as mais importantes conversas que tive na minha vida, talvez no futebol.
- Quando é que percebeu que era altura de dar o salto, deixar Jesualdo Ferreira e o Zamalek, e aceitar a proposta do Red Star?
- Eu nunca mais me esqueço, porque estávamos num jogo longe, ali no Mar Vermelho, e recebo um telefonema de França, se queria treinar um clube em França. Na altura, o Red Star. Nós já tínhamos sido campeões, íamos jogar a Taça, ganhámos a taça e pedi autorização ao professor. 'Tenho este convite, assim, assim e preciso ir a França.' E ele? Absolutamente compreendeu. Sinceramente, surgiu naturalmente. Surgiu o convite de uma pessoa que me conhecia em França. Fui lá, tive a reunião, voltei, disse ao professor. Eles gostaram de mim, eu gostei deles. Continuamos amigos, ainda hoje. Sempre que podemos, almoçamos e estamos juntos, porque, acima de tudo, a nossa relação profissional foi aqueles 4, 5 anos. Foi a nossa amizade que ficou e que perdura hoje em dia.
- E rejeitou outras propostas anteriores para continuar como seu adjunto?
- Sim, mas, sinceramente, naquela viagem, nunca pensei nisso. Não estava a pensar muito nisso. Surgiu naturalmente naquele momento, foram momentos tão intensos do ponto de vista competitivo. Os 4 clubes, porque são 4 clubes grandes. Portanto, todos eles. O SC Braga, sim, na altura não estava a lutar por títulos, mas os outros 3. Mesmo o Sporting. Naquele ano, estavamos longe do título, mas é uma exigência grande. O público no Sporting, ou no SC Braga, ou no Panathinaikos, não chega ganhar. Não pode ser um 0-0, porque o público não fica contente. Tem que ter uma qualidade de futebol elevada. Tem que maximizar os jogadores. Há uma série de condicionantes nesses clubes grandes que me aportou a mim um conhecimento que era impossível se eu não tivesse estado com eles. O eu treinar, que até lá eu tinha treinado alguns clubes, exceto o Benfica, que naturalmente trabalhei na formação do Benfica, mas não trabalhei nos séniores. A dimensão de trabalhar num clube grande desta dimensão, desta dimensão destes quatro, permitiu-me ter um conhecimento e saltar umas etapas que a pessoa nunca tem se nunca trabalhar, porque lidei com jogadores diferentes também. Veja, eu chego ao Panathinaikos e o plantel é formado por ex-campeões da Europa, porque ganharam o Portugal. Este é o plantel do Panathinaikos e esta aprendizagem de ter jogadores desta dimensão, que têm este passado, e este presente que ainda era muito presente, é muito importante. É muito importante o nosso desenvolvimento. Portanto, foi um caminho muito rico e, por isso, nunca, sinceramente, estava... 'quando é que eu vou sair?' Não, estava tranquilíssimo, até que chegou um convite e eu achei que era o momento certo de uma liga muito boa. De longe, pensar que lá passasse sete anos, portanto, quando eu entrei em França, de longe pensei que lá ia ficar sete anos em França e fazer carreira em França, mas o futebol é mesmo assim. É deixar-nos de guiar um bocadinho. Claro que todos nós temos objetivos, mas às vezes as coisas acontecem naturalmente pelo nosso trabalho também.
- Qual é o melhor jogador que treinou?
- Isso é um perigo [risos]. Já falei dois ou três e ainda vou deixar alguém de fora. Falei daqueles jovens todos do Sporting que tem enorme qualidade. Falar de um Eric Dier, hoje vemos onde está o Eric, neste momento. Trabalhei com o Éder no SC Braga que nos deu o título europeu. Sei lá, trabalhei com o Saint-Maximin, imagina. O Mbeumo, que se está a falar para ir para o Manchester United. Começou comigo no Troyes, mas todos estes clubes têm jogadores super interessantes. O Allan era um jogador super interessante. Aqueles momentos do Panathinaikos por aquilo que lhe disse dos jogadores que ganharam o campeonato, o Sporting, que eram jogadores que cruzámos com o Rui, com o Wolfswinkel, mais maturidade, fizeram uma carreira incrível. O Cedric e o Adrien foram campeões europeus. É aquilo que estava a repetir. Alguns jogadores fazem carreiras enormes. Todos eles ficaram e acima de tudo aportaram conhecimento e a nossa relação com estes jogadores fazem-nos crescer. Estes jogadores de elevada qualidade também nos fazem pensar, fazem-nos refletir, fazem-nos muitas vezes colocar questões em nós próprios relativamente àquilo que nós fazemos no dia a dia. E isso é o mais importante também.
- A época de estreia no Red Star foi muito positiva, com o quinto lugar na Ligue 2, ficando a apenas um ponto da promoção. No entanto, a segunda não começou nada bem e acabou por sair a meio da temporada, depois o clube foi despromovido. O que se passou de um ano para o outro?
- É uma história fácil. Eu acho que é uma coisa que às vezes acontece... há um salto coletivo tão grande. O Red Star faz-me lembrar um bocadinho o Jadidi. Vem de um momento difícil, nós restruturámos, até a lavandaria restruturámos. O crescimento foi tão grande. Os jogadores compraram tantas ideias que chegámos àquele momento e ficámos ali muito próximos da subida. Na segunda época estava a correr normal, porque a equipa... veja, o Reims vem buscar os nossos principais cinco jogadores, eles sobem de divisão, esse clube, embora agora desceu. Entretanto ficámos ali um bocadinho a remontar a equipa. Estávamos ali num décimo lugar normal. Só que aconteceu uma coisa muito interessante. Ali em dezembro há um clube que me começa a sondar. Mais que um, mas há um que me começa a sondar muito forte para a primeira liga. E o presidente, que sabe tudo no futebol... 'tem que renovar, tem que renovar.' Eu disse, não tem lógica nenhuma, estarmos a renovar. Estamos na segunda época, deixa-me determinar como é que vai ser. 'Tenho que renovar, tenho que renovar.' Mas o Bastia já estava muito em cima de mim. Sabia que estavam, eles queriam muito que... e acabámos e ele tomou a iniciativa, 'não quer renovar, vai sair.' Então tirou-me da equipa. Uma coisa inacreditável. Estávamos tranquilíssimos a fazer uma época de formação, de reconstrução da equipa toda porque tínhamos perdido jogadores importantes e passado um mês eu fui para o Bastia. Acabei por ficar livre, mas só por isso e a equipa estava com tantas dificuldades que nós tínhamos perdido realmente muitos jogadores. Estávamos em reconstrução. Íamos acabar num lugar tranquilo na liga. Não íamos, se calhar, conseguir subir como ele queria, mas a verdade é que acabou por descer e houve aí anos conturbados tanto que hoje em dia, passados oito anos ou nove anos, subiram e desceram duas ou três vezes nesta impaciência, digamos assim.
- E no Bastia, teve a oportunidade de trabalhar numa das principais cinco ligas europeias. Como é que foi essa experiência, apesar de ter chegado num momento em que o objetivo era a permanência?
- Eu vejo sempre a carreira num momento de aprendizagem, ou de um momento de crescimento. Infelizmente o Bastia terminou a época, e sabe que em França, ao contrário de muitos países europeus, nomeadamente Portugal também, quando termina com défice financeiro, você desce a divisão. Independentemente da sua posição. E ali aconteceu, o Bastia foi colocado na quinta divisão. Portanto, terminou a época e foi colocado na quinta divisão. Portanto, por problemas, tinha um défice financeiro elevado, e ali, em França, não há... aconteceu com o Bordéus agora, como sabem, é público. É a mesma coisa, e já aconteceu com vários clubes nos últimos anos. E infelizmente aconteceu com o Bastia, nesse ano.
- Depois passou para outros clubes franceses, e eu queria fazer uma pergunta sobre o formato de subida da Liga 2. Portanto, com o Red Star, terminou em quinto, mas não teve a possibilidade de jogar play-off. Depois acabou em terceiro lugar com o Troyes, e não teve a subida direta que podia ter tido, por exemplo, na época do Red Star. Como é que foi isso tudo?
- Olhe, mudou. É engraçado que muda a regra, e eu, senão subia direto, com o Troyes, subia direto. Até porque fizemos uma enormidade, fizemos 71 pontos, que normalmente dá a subida direta. Vamos ao play-off, e ficamos no play-off com o Lens, mas foram duas épocas muito boas, fizemos uma pontuação enorme. É um formato que acontece um bocadinho na Inglaterra também. Há um play-off. A única diferença é que, em França, jogas com a Ligue 1. Essa é que é a dificuldade. É que nós jogamos o quinto com o quarto, o quarto com o terceiro, e o terceiro vai jogar com a primeira liga. E nós temos um campeonato duríssimo, em França também, e depois temos ali no espaço de uma semana três jogos. E, claro, quando vamos jogar com a Ligue 1, estamos muito, muito cansados. E é um bocadinho isso que aconteceu nessa altura.
- Esta temporada, outro treinador português esteve muito perto da subida à Ligue 1, o Luís Castro com o Dunkerque, que até chegou às meias-finais da Taça, como viu o trabalho dele em França?
- É um bom exemplo da dificuldade que é ganhar jogos no play-off, mas sim, um trabalho muito bom, naturalmente, um trabalho muito bom. Às meias-finais, só sendo eliminado pelo PSG, vai ter o mérito todo, porque vai treinar uma equipa, segundo eu sei, da Ligue 1, mas tem todo o mérito. A segunda liga francesa, como outras europeias, é muito competitiva, muito difícil de treinar. Não há treinadores estrangeiros. O Luís era o único treinador estrangeiro na Liga, como acontecia a mim no Red Star. E acaba por ser um mercado muito atraente, mas difícil, naturalmente. Muito difícil.
- E como compara a segunda liga francesa com a primeira portuguesa? Em termos de qualidade e equilíbrio entre equipas, até.
- Eu acho que é difícil fazer esse tipo de comparação. Eu acho que não pode haver dúvidas que isso, até pelos números, os factos é que comprovam isso, que é uma das 5 top europeias, a Liga francesa. E mesmo com os problemas que eles tiveram de receitas de televisão, que fez ali quebrar algumas questões na Ligue 2 e na Ligue 1, mas não deixa de haver uma qualidade gigante na qualidade em si dos jogos, de tudo aquilo que é a estrutura dos jogos, dos estádios. Neste momento, veja, a Nacional 1, que é a 3ª divisão francesa, tem clubes históricos. Tem clubes como o Dijon, como o Sochaux, como o Valenciennes. O Montpellier vai à 2ª Liga, o Saint-Étienne está na 2ª Liga, o Reims vai à 2ª Liga. Estamos a falar de ter três Guimarães, três Vitórias na 2ª Liga, de repente. Portanto, porque o Sochaux, o Valenciennes, o Dijon têm umas infraestruturas tremendas. Portanto, é realmente uma liga muito competitiva, de enorme qualidade. Eu não queria muito comparar. Acima de tudo, eu acho que os factos em si, dos valores que se praticam, não só em tudo aquilo que é a Liga francesa, da dimensão daquilo que é a seleção francesa. A seleção francesa se calhar pode fazer quatro seleções, não é? E mesmo assim não esgota a qualidade. Portanto, tudo aquilo que é a Liga francesa, Ligue 1, 2, não há dúvida nenhuma daquilo que existe em França e da qualidade do futebol francês, do jogador francês, naturalmente, e que é diferente. Nós não podemos, não há dúvida nenhuma da nossa qualidade, do jogador português, não há isso, não há dúvida nenhuma, mas a liga francesa, em termos daquilo que é a sua estrutura, a qualidade do jogador, técnicos, recursos, portanto, acho que está um passo à frente.