Quando Mourinho recusou a equipa B do Barcelona e do Benfica
Eram sete da manhã de 26 de janeiro de 1963 quando José Mourinho gritou pela primeira vez. Era sábado e no dia seguinte o pai, Félix Mourinho, guarda-redes do V. Setúbal, defrontava o Sporting no Bonfim, em jogo a contar para a 13.ª jornada do Campeonato Nacional de 62/63: empatou a duas bolas. Desde muito cedo, pois, Mourinho filho esteve em contacto com o futebol. Através de Mourinho pai. Bebeu futebol, comeu futebol, respirou futebol. É futebol.
De 26 de janeiro de 1963 a 20 de setembro de 2025 muita coisa se passou, obviamente, na vida de José Mário dos Santos Mourinho Félix. Ainda de tenra idade, quando o pai já jogava no Belenenses, pediu-lhe algo muito especial: a assinatura de duas revistas internacionais de futebol, a inglesa World Soccer e a francesa Onze Mondial. E passou a comer – expressão utilizada pelo próprio – todo o futebol mundial. Revistas que tinham cupões de publicidade a centros de treino, férias de inverno ou férias de verão. E o pequeno Zé não descansou enquanto não conseguiu, um pouco mais velho, participar num curso de treinadores no estrangeiro.
O primeiro dinheiro
Anos mais tarde, quando o pai começou a carreira de treinador, em meados dos anos 70 do século passado, o futebol era diferente do atual. Os treinadores não tinham preparadores-físicos nem treinadores adjuntos, muito menos treinadores de guarda-redes, pelo que, para melhorarem as suas qualidades, recorriam a amigos. E como Félix Mourinho sabia que o filho absorvia futebol por todos os poros, começou a pedir-lhe pequenos relatórios. Sobre jogadores adversários, equipas e sistemas de jogo. E José Mourinho, claro, ia recebendo algum dinheiro paterno. Depois, na fase final da adolescência, fez o percurso tradicional de um jovem: estudou, namorou, casou-se, começou a trabalhar. Os primeiros 25 anos da vida de José Mourinho foram passados assim: a preparar-se para o futuro, a preparar-se para ser o número um, a preparar-se para ganhar 20 títulos antes de completar 50 anos. E 26 aos 62 anos e meio.
Manuel Fernandes
Sejamos agora ainda mais precisos: início da década de 90, encontro com Manuel Fernandes, então treinador do Est. Amadora. Mourinho passa a preparador-físico da antiga glória leonina e pouco depois, no verão de 1992, quando Sousa Cintra convida Manuel Fernandes para ser adjunto do inglês Bobby Robson no Sporting, o BOLA de Prata de 1985/86 faz apenas uma exigência: levar José Mourinho.
Intérprete? Bah!
Ao contrário do mito que se criou, José Mourinho não entrou no Sporting para ser intérprete de Bobby Robson. Entrou para integrar a equipa técnica do inglês e ao mesmo tempo, por ter facilidade na língua inglesa, ajudar na compreensão dos métodos de Robson. Subtileza linguística? Nem por isso. «Quando no Sporting me chamavam tradutor interpretava isso como um insulto, não para mim, mas para os tradutores, que têm uma profissão digna e exigente e eu de tradutor não tenho nada. A única coisa que tinha era a vantagem de dominar mais de um idioma. Quando uma pessoa precisa que alguém a apoie, não caem os parentes na lama a quem a ajudar numa função que não é bem a sua. Se o jogador vai treinar-se e vê o roupeiro com dois sacos de bolas é natural que o ajude levando o outro. Isso nunca me fez qualquer confusão», referiria Mourinho anos mais tarde.
Títulos como adjunto
A verdade é que a amizade entre o inglês e o jovem de Setúbal aumentou a cada dia passado. Ao todo, Mourinho trabalhou cinco anos como adjunto de Bobby Robson: ano e meio no Sporting, dois anos e meio no FC Porto e um no Barcelona. Como número 2 do inglês, ganha dois Campeonatos Nacionais (1994/95 e 1995/96), uma Taça de Portugal (1993/94), uma Taça de Espanha (1996/97), uma Supertaça de Espanha (1996) e uma Taça das Taças (1996/97).
Benfica? Não.
Pós-Bobby Robson, que saíra para os holandeses do PSV, José Mourinho encontra-se com outro grande nome do futebol mundial; Louis van Gaal. Estamos no verão de 1997. Josep Lluís Núñez, presidente do Barcelona, convida Mourinho para pegar na equipa B, mas o ex-adjunto de Robson fica furioso e diz que não. Queria trabalho de campo ao mais alto nível e, por isso, ficou furioso. Lluís Núñez gostou da atitude de Mourinho e resolveu integrá-lo na equipa técnica de Van Gaal. Ganha dois títulos espanhóis (1997/98 e 1998/99), uma Taça de Espanha (1997/98) e uma Supertaça Europeia (1997).
No início do quarto ano no Barcelona, José Mourinho recebe um convite do Benfica para ser adjunto do alemão Jupp Heynckes. Informa Louis Van Gaal e recusa: «Quando falei com ele sobre regressar a Portugal para ser adjunto no Benfica, ele disse-me: ‘Não, não vás. Liga ao presidente do Benfica e diz-lhe que, se ele te quer para número dois de Heynckes, não; se te quer para número um, levo-te ao aeroporto e vais. Estás pronto e quando me largares, terás a tua própria carreira’», revelaria o treinador português, anos mais tarde.