Ricardo Quinteiro, José Miguel Saraiva e Afonso Couto voltam a juntar-se no estúdio para continuar a prova de que… no 90+3, o futebol nunca para no apito final

Peseiro: «Se houvesse VAR, o golo do Luisão tinha sido anulado»

Treinador convidado no videocast 90+3 recordou o jogo decisivo entre Sporting e Benfica de 2005

José Peseiro, 65 anos, já deu a volta ao Mundo como treinador. Foi professor universitário até assumir o Sporting e quando orientava o Nacional, já na Liga, continuava a dar aulas à 2.ª feira. Como treinador, já orientou a União de Santarém, Montemor, Oriental, Nacional da Madeira, Real Madrid enquanto adjunto, Sporting, Panathinaikos, Rapid Bucareste, Seleção Nacional da Arábia Saudita, SC Braga, Al-Wahda, Al-Ahly, FC Porto. Vitória Sport Clube, Seleção da Venezuela, Seleção da Nigéria e, mais recentemente, o Zamalek, tendo conquistado 4 subidas de divisão, 1 Liga egípcia, 1 Taça do Egipto, 1 Taça de Portugal e 2 Taças da Liga.

Convidado desta semana no videocast 90+3, que pode ver nas plataformas de A BOLA, Peseiro voltou ao passado para recordar a passagem galática pelo Real Madrid, a felicidade e sofrimento no Sporting, e outros arrependimentos.

Mas começou com Jorge Jesus. «Quando eu estava no Nacional, ele fazia umas tertúlias com treinadores, dirigentes e árbitros, pessoas conhecidas do futebol, não sei se era semanalmente, fazia um jantar, um almoço, já não me lembro bem e convidava treinadores novos ou treinadores que estavam a emergir. Convidava treinadores já conceituados e depois aqueles que estavam a emergir e eu fui uma vez convidado para um almoço. O objetivo era partilhar experiências dirigentes. Criar ali uma ideia de trocarmos experiência. Trocamos ideias, podemos evoluir ouvindo as diversas sensibilidades», lembrou.

Real Madrid? Telefonema para Mourinho

Destacado como treinador do Nacional, o telefone tocou e era um convite de Carlos Queiroz para ser seu adjunto no Real Madrid, em 2003.

«Estava no Brasil quando me ligou o Carlos, a ver jogadores para o Nacional. Como todos os anos, gastava as minhas férias com o presidente a ver vários jogos no Brasil. Estava lá e o Queiroz convidou-me para ir para o Real Madrid como assistente. A primeira coisa que fiz foi ligar para o José Mourinho. ‘Diz-me lá, tu foste daqui para assistente para o Barcelona. O que é que eu hei-de fazer?’ Ele respondeu: ‘Não olhes para trás, vai já.’ Porque eu não tinha tido experiências de balneários de alto nível, foi uma experiência tremenda. E o Nacional fez a melhor época de sempre. O impacto? Basta ver a imprensa, os dois jornais de Madrid a degladiar-se para ver quem está com ou está contra para manter a suas audiências. Uma pressão tremenda. O Real Madrid iniciou um projeto de recuperação económica e financeira, o presidente Florentino Pérez quis fazer um plantel de 11 mais 11. Creio que foi por isso que não vencemos nada. Não vencemos a Supertaça porque não havia alternativa. Quando um jogador estava lesionado, não tínhamos uma solução e isso levou a dificuldades. Desabou nos últimos 3, 4 meses, até lá uma temporada tremenda. Agora, como foi? Imagina o 1.º treino em que eu estou naquele balneário e... Podia dizer que não, mas bateu, bateu, os galáticos, a vender uma imagem como se estava a vender, evidente que o primeiro dia não foi fácil. Depois acabei por criar sinergias», recordou.

Aquela confusão entre Peseiro e ‘pesetero’...

«Isso é verdade. Ainda nem tínhamos começado a treinar e fomos logo fazer uma digressão à Ásia. Era para vender a imagem, vender camisolas, mas também numa plataforma comercial, porque foram vários empresários espanhóis na comitiva e quando regressámos já havia um problema grave: o Makelele estava em negociações com o Chelsea. Eu acho que o Florentino queria vender o Makelele e o Queiroz e nós achávamos que era um jogador imprescindível para os Galácticos. Porque tens Figo, Beckham, Raúl, Ronaldo. Todos têm que jogar. E depois não tens um médio centro que consiga preencher os espaços todos. Eu desfrutava quando aquilo estava bem, a forma como eles jogavam, como tinham a bola. Parecia dança, mas quando não conseguíamos ter a bola, era difícil. O Beckham chegou a jogar a 6 ou 8 para o Figo jogar num corredor, para o Zidane jogar noutro corredor. Evidente que isso não era fácil. Entretanto entrámos num no treino aberto e começaram todos a gritar ‘pesetero, pesetero’. E pensei ‘mas eu ganho tão pouco... Estes gajos são malucos ou quê?’ Estavam a chamar ‘pesetero’ ao Makelelé. Ele quis ganhar mais dinheiro, o Real Madrid não o queria, não sei porquê, e deixou-o sair para o Chelsea, onde ele foi ganhar 3 vezes mais.»

Beckham e o «capitão» Figo

José Peseiro recordou que os jogadores do Real Madrid viviam pressionados dentro e fora de campo para manterem a aura de galáticos. «Eu sei que eles se queixavam, estavam muito sujeitos à venda da sua imagem. Tinham treino e depois, muitas vezes, tinham um avião à espera para irem à Alemanha, ou a França, ou Londres, fazer publicidade. E isto para os galácticos pesava e doía. Aprendi muito e eles não são seres sobrenaturais, são seres normais. O Beckham, que naquela altura vendia aquelas camisolas todas – foi a Adidas que proporcionou a ida dele- era um miúdo. Brincar após um treino com uma brincadeira de deitar ao chão com outros colegas, ele fazia. Cheguei a comentar comigo que ele só era normal ali porque ali não podia ir a lado nenhum em que tivesse uma vida normal, numa loja e tinha que ir com segurança. Era uma loucura à volta dele, percebem? Onde ele se sentia a poder fazer as coisas como os outros era no treino. A mulher, a Vitória tinha uma grande controlo e na atura até houve um história de uma alegada traição», disse, recordando a influência de Luís Figo no balneário.

«O capitão era o Raúl, mas quem comandava o balneário, na minha opinião, era o Figo. Era uma pessoa muito respeitada por todos. Precisamente aquele que tinha mais supremacia e mais domínio e mais controlo sobre o Ronaldo era o Figo, ou seja, quando era necessário avisar ‘vê lá as horas, a hora de ir deitar’... No fundo, o Figo tinha uma supremacia, o Ronaldo chamava-lhe ‘o Fera’. O Real Madrid tinha perdido um capitão histórico, toda a gente sabia o que ele dominava e controlava no balneário, que era o Hierro. O Florentino também quis que ele saísse, como o Casillas, o Raúl, até o Cristiano. Toda a gente que ele quer colocar fora faz isso, faz para que não saiam a mal, mas mais pequenino, porque ele acha que o Real Madrid é a porta maior.»

A chegada ao Sporting

Por fim a chegada ao Sporting, em 2004. «Fui criticado pelas minhas declarações - quando chegou declarou que era para «ganhar tudo» - mas depois do Real Madrid tens peito e força para suportar qualquer ego que se apresente por aí. Eu disse logo que queria ganhar. Queria jogar a final da UEFA, que era em Alvalade, e queria ganhar tudo. Alguns comentadores não perceberam. Eu tinha saído do Nacional, não era por ir para a Real Madrid como assistente que se justificava ir para o Sporting... Mas eu já tinha tido sondagens como treinador do Nacional... As coisas correram bem, não tão bem como eu gostaria, porque eu gostaria de ter contribuído com ter vencido a Taça UEFA, ter vencido a Liga portuguesa. Infelizmente não deu. Jogámos um futebol muito bom, tive a felicidade de encontrar jogadores com características para o meu futebol: encontraram-se duas coisas: a minha ideia de jogo e os jogadores que a assumiram. Era uma equipa que gostava de ter a bola, dominar e controlar o jogo com bola. E nós tínhamos jogadores com essas qualidades, essa capacidade. Mas não tínhamos um plantel tão vasto assim em qualidade. Acabámos a temporada e 3 ou 4 jogadores tinham hérnias inguinais, jogadores completamente já exaustos. Na altura não se dava tanto descanso aos jogadores nos dias livres.

Escolher entre Liga e Taça UEFA

«Por exemplo, fomos jogar a Middlesbrough, estávamos a ganhar por 3-0 e e eles fizeram 2 golos; e no jogo em casa com o Penafiel mudei vários jogadores e perdemos 0-2 – com esses três pontos se calhar tínhamos sido campeões. Depois, com o SC Braga [já em maio, e a disputar a Liga e a Taça UEFA já em fase de meias-finais] foi outra história. Eu sinto as dificuldades que temos. Ganhámos 2-1 em casa ao Alkmaar, vamos a Braga e penso que vai ser muito difícil concretizar as duas coisas ao mesmo tempo e penso em colocar 7 jogadores não titulares contra o SC Braga. Mas entre escolher uma Liga e escolher uma UEFA, fui pela UEFA, mas até ganhámos 3-0 em Braga. Muito satisfeito com isso. Nunca os dirigentes me incomodaram sobre as escolhas, mas senti que pensaram ‘este gajo vai aqui arriscar isto?’. Mas aquilo que era no fundo um objectivo de ficar ‘fora’ da Liga para me concentrar totalmente na UEFA não aconteceu. Se calhar conta no Benfica [penúltima jornada], no Estádio da Luz, não tínhamos essa pressão de ganhar. Eu podia gerir o jogo. E essa derrota na Luz não teve tanto impacto como teve a final com o CSKA Moscovo [final perdida por 1-3].»

Derrota com Benfica e final da Taça UEFA

Quando foi receber a medalha, depois da final perdida, foi assobiado: «Acho que fui o único, mas pronto. Vi agora o Abel [Ferreira, final da Libertadores para o Flamengo] perder a final e não creio que tenha sido assobiado. O que podemos fazer quando se gera expetativas? Se não temos feito a campanha que fizemos... jogar em casa foi um factor determinante, a ganhar ao intervalo 1-0... Depois como nós sofremos o golo... Reapareceu a derrota com o Benfica [jogo imediatamente anterior que o Benfica ganhou e ficou a um passo do título]? Acho que o Sporting tentou adiar o jogo com o Benfica, mas não foi ouvido. O CSKA foi ouvido, não jogou para o campeonato nessa semana. E para nós tinha sido muito bom não ter jogado, porque não tínhamos uma uma derrota decisiva para a Liga em cima das costas para gerir, não é? Quer dizer, nós podíamos ganhar 2 coisas e perdemos na Luz - quando acho que o Benfica nem merecia nem justificou nos ganhar...», sublinhou.

Se houvesse VAR era anulado? «Para mim era anulado. Até porque, e estou farto de dizer isto, quem faz o golo, na minha opinião, é a mão do Ricardo, porque a cabeça do Luisão toca-lhe no braço e a mão dele toca na bola - portanto ele quer agarrar a bola. Depois repeti aquilo não sei quantas vezes calhar para me passar a dor, mas a ver o frame mais baixo, a cabeça do Luisão toca no braço. E na capa de A BOLA vê-se, a mão do Ricardo é que faz o golo. Foi os meus olhos que viram. Essa derrota acaba por depois influenciar e muito. Sim, porque nós estamos a ganhar 1-0 e o grande problema que tínhamos em relação ao adversário era o jogo aéreo, que nós não éramos muito fortes, e o contra-ataque. O Vágner Love e o Daniel eram jogadores tremendos e veio o empate. Isso perturbou-nos e não gerimos bem. Ficámos um pouco nervosos, tensos. O segundo golo parte de uma bola que nós iniciámos no nosso guarda-redes, em que batemos a bola para a frente e estamos aberto e levamos a contra-ataque... Não estávamos em casa nem fora, era suposto ser neutro, mas podíamos gerir. Só que a derrota na Luz e estarmos a jogar em nossa casa, parece que temos de ganhar já. Mas tinha de ser com cabeça...», notou.

Saída do Sporting e três pedidos

Acabou por não aguentar a pressão e pedir para sair - algo que só aconteceu à terceira. «Naquela altura dói. Eu acho que se tivesse outra maturidade não me tinha doído tanto. Perante as expetativas eu não me senti valorizado. Nunca mais a JuveLeo o entendeu e percebeu e valorizou aquilo que nós tínhamos feito e isso criou um muito mau ambiente para o início da época. Nem tínhamos meios para investir, o Sporting tinha metade dos orçamentos do Benfica e do FC Porto. Há um momento em que as críticas são tantas, é tanta a obsessão de criticar o treinador, às tantas, já os jogadores nem conseguem desfrutar do jogo, nem conseguem dar o seu melhor com um clima daqueles. A capacidade de dar o máximo não é a mesma, porque já encontararam um culpado. E desligam. E houve momentos em que eu achei, porque fui sempre responsável pelo clube que me pagava e pelos jogadores que eu dirigia, ‘eu não sou bom para a minha equipa’. Já há muito atrito e muito som, muito ruído para que essa mensagem passe para os jogadores. Eu não consigo que joguem o futebol que eu quero, nem consigo que ele jogue no futebol que eles podem fazer. E pedi por 3 vezes a demissão ao presidente Dias da Cunha – uma logo no final da época; depois no início da época, logo a seguir a ganhar ao Benfica em casa por 2-1, disse-lhe ‘mesmo ganhando, eu sinto que o ambiente não é favorável’; e depois é quando eu decido mesmo, disse ‘presidente, não há hipótese. Eu vou-me embora’. E ele reconheceu que houve coisas mal precavidas – tinha saído o Pedro Barbosa, outros jogadores. Mas não aceitei. A família já sofre. Os meus miúdos vão para a escola e sofrem. Mas mais do que isso, é a defesa do Sporting. ‘Eu acho que o Sporting, para ser defendido neste momento é ir-me embora’. E ele disse-me ‘se você se for embora, eu vou-me embora também’. Eu nunca acreditei. ‘Não, você é preciso ao Sporting. É preciso também ao futebol português’, porque naquela altura estava na luta contra o sistema, como vocês sabem. A verdade é que eu demito-me e ele no dia a seguir, demite-se também. Teve essa coragem.»

Outros convites e passos mal dados

Acabou por ir para a Arábia Saudita, onde iria treinar o Al Hilal - «acabo por rumar e mal» - e depois segue para a Grécia, para o Panathinaikos, e ainda tenta o Rapid Bucarest.

«Nós damos passos na vida que nos arrependemos. Acho que não devia ter ido para o Al Hilal, devia ter esperado aqui, tinha convites. Estive algum tempo à espera de um projecto, até porque quando cheguei à final tinha naquela altura a possibilidade de ir para Inglaterra. Como perdemos as coisas não se concretizaram. Acho que foi um passo mal dado. Devia ter ficado na Europa porque sabia que o processo que tinha era bom, era sugestivo, agradável e acabei por ir para a Roménia. Aí foi uma loucura, porque uma pessoa que era da Jordânia, que tinha posto dinheiro no clube, pagou-me mais do que eu tinha ganho até aquela altura. Só me pagaram metade do contrato e não pagaram mais vencimentos», referiu.

A chamada do FC Porto

Além da passagem nos Emirados e no Egito, o FC Porto.

«Na altura não devia ter ido. Estava no Al Ahly e estava bem. Ia ser campeão no Egipto, potencial campeão da Champions africana. Estávamos bem por cima no campeonato. Pronto, e o presidente Pinto da Costa e o Antero convidaram-me para o FC Porto. O FC Porto não se recusa, mas naquela altura o vivia problemas, mas queria voltar outra vez. E quando vem a chamada pens ‘olha vou para o FC Porto e quero ser campeão’. É evidente que encontrei algumas lacunas. O balneário não era assim tão forte, vários jogadores que tinham saído. O FC Porto não era uma equipa forte, com a qualidade que teve e estava habituado. Não havia comparação com as equipas do Villas-Boas e do Vítor Pereira»

Como é comum no 90+3, a pergunta final: o que lhe falta fazer no futebol? «Quero ir a um Mundial, por exemplo. Premier League é outro objetivo, mas é muito complicado e muito difícil neste momento. Não é que não sinta competência, acho que o meu futebol até se adequava a Inglaterra, porque se gostam de ver um espetáculo, eu gosto dar espetáculo. Ser resultadista não é a minha matriz. Um desafio para subir no Championship aceitaria. Esteve quase pelo Cardiff City...»