Os mitos no Sporting nascem no dia 7
Se os mitos têm data marcada para nascer bem pode ser ao dia 7. Mais precisamente a 7 de setembro de 1975, faz hoje 50 anos, quando o Sporting defrontou o Leixões (0-0) em encontro da primeira jornada do então Campeonato Nacional.
No onze escalado por Júlio Cernadas Pereira, o popular Juca, constava um nome que viria a transformar-se lenda em Alvalade: Manuel José Tavares Fernandes; Manuel Fernandes ou o Manel de Sarilhos.
Jogou no trio de ataque, na zona central, ladeado por Marinho e Chico Faria. Mais atrás, no lado direito da defesa, um menino de 20 anos, também fazia o debute oficial outro que de tornaria grande entre os grandes, Augusto Inácio. Mas já lá vamos.
Nas redes, um Deus das balizas, Vítor Manuel Afonso Damas de Oliveira, que antes de partir em 2003 cravou-se na memória coletiva de quem o viu jogar como um dos melhores de sempre como guarda-redes.
Mas voltando agora o foco para Manuel Fernandes, o avançado tinha acabado de ser chegar proveniente da CUF depois de ter terminado contrato com o emblema do Barreiro. Belenenses e FC Porto interessaram-se por ele, mas o inesquecível presidente dos leões João Rocha ligou-lhe e não resistiu ao apelo do coração do clube que tanto lhe dizia desde a infância, mesmo que pela frente tivesse a tarefa de substituir Héctor Yazalde, o homem que tinha rumado ao Marselha mas tinha deixado marca dourada em Alvalade, especialmente na sequência dos fantásticos 46 golos só na Liga apontados em 1973/74, o que lhe valeu a Bota de Ouro europeia.
Nos 73 anos de vida terrena — faleceu a 27 de junho do ano passado — muitas vezes se lhe ouviu frase emblemática: «Sou um homem feliz. Era um miúdo de Sarilhos que queria fazer nem que fosse um jogo pelo Sporting. Acabei por fazer mais de 400…». Mais precisamente, 447 jogos e 265 golos apontados, com imensas tardes e noites de glória durante as doze temporadas em que vestiu a listada verde e branca.
O filho Tiago Fernandes, hoje treinador do Portimonense, garante que Manuel Fernandes nunca esqueceu aquela tarde de Matosinhos. «Ele falava muitas vezes desse jogo porque realizou um sonho. A partida não correu bem porque o Sporting empatou 0-0 e ele não marcou. Mas essa temporada até acabou por ser positiva individualmente, pois marcou 26 golos só no campeonato, sendo que muitas vezes jogou a extremo direito», adianta.
UM ‘MINHOCA’ CRESCIDO
Augusto Inácio também não esquece o dia em que se estreou oficialmente pelo clube de Alvalade. «Era um miúdo, tinha 20 anos, um minhoca, que costumava jogar pelas reservas. Na pré-época, o Tomé lesionou-se e o senhor Juca perguntou-me se eu podia jogar a defesa direito. Queria era jogar e nem hesitei e respondi-lhe: claro que posso!!. E mesmo sendo esquerdino cumpri boa parte da carreira a defesa direito. Só mais tarde passei para a esquerda», conta. «Olhando hoje para trás, muita gente pode dizer que foi um mau resultado do Sporting, mas a verdade é que o Leixões era uma equipa histórica muito aguerrida e os jogos no Estádio do Mar eram muito complicados», junta.
E se foi por força da lesão de Tomé que Inácio jogou à direita da defesa, A BOLA foi falar com o homem que é ícone do V. Setúbal. «O Manel chegou depois de na época anterior, na sua fase final, o senhor Juca ter substituído o falecido mister Fernando Riera. Ele tinha 24 anos, experiência de Liga e em termos futebolísticos era senhor de técnica apurada, rápido e como se diz na gíria, tinha cabedal para se aguentar com os defensores contrários», descreve.
A época não correu bem, pois o Sporting foi eliminado na segunda eliminatória da Taça UEFA diante dos húngaros do Vasas Budapeste, isto após na primeira ter ultrapassado os malteses do Sliema Wanderers, quando na primeira mão, Manuel Fernandes se estreou a marcar. Na I Divisão tudo ficou muito abaixo do expectável, com um quinto lugar — pior classificação de sempre até então — e pela primeira vez de fora dos lugares europeus. Mas como a lua não tem só um lado escuro, do bom ficaram figuras históricas.
O AYALA DA ARGENTINA E O INÁCIO DO ALTO PINA
Antes do campeonato nacional ter início, uma equipa do Sporting muito remodelada fez uma digressão por Espanha que incluiu jogos com o Atl. Madrid e com o Alavés. Antes da partida com os colchoneros, que serviu de festa de despedida de Rodri, o treinador Juca chamou o então jovem Augusto Inácio para lhe deixar um aviso: «Já sabes que vais jogar a defesa direito e vais ter pela frente do Ayala, um argentino que é enorme jogador. Respondi: olhe mister, ele pode ser o Ayala da Argentina mas eu sou o Inácio do Alto Pina [bairro de raízes populares em Lisboa]. O certo é que logo nos primeiros minutos ele veio para cima de mim e eu dei-lhe uma porrada que quase que o coloquei fora do terreno de jogo. Ele chamou-me alguns nomes, insultou-me, respondi-lhe da mesma moeda e o certo é que a partir daí não mais fez grande coisa.»
O senhor Juca chamou-me e disse-me que ia ter pela frente o argentino Ayala. Respondi-lhe: ele é o Ayala da Argentina e eu sou o Inácio do Alto Pina
E do jogo frente ao Alavés há outra história para contar e que tem a ver com um dos maiores filósofos do futebol moderno, o argentino Jorge Valdano. «O Valdano estava à experiência no Alavés e meteu-nos três golos. No final do jogo, estava ele a sair do balneário, vimos os dirigentes do clube espanhol a chamá-lo para assinar contrato», conta. Valdano viria a jogar em Espanha, também, no Saragoça e no Real Madrid, clube pelo qual terminou a carreira, ele que fez a formação nas pampas no Newell’s Old Boys.
Mas voltando ao Sporting, desse plantel fazia também parte Jorge Jesus, na única época que jogou pelos leões nos seniores e o incontornável Damas, que depois de ser assobiado num jogo com a Académica viria a sair no final da época. Não para o FC Porto de Pedroto como muitos sportinguistas receavam mas para os espanhóis do Racing Santander. Viria a regressar a Alvalade em 1984/85, o homem que está imortalizado na baliza do topo sul do Estádio José Alvalade.