O treinador português ficou fora de moda
IMAGINEMOS que os dez primeiros classificados de cada uma das mais recentes edições das ligas Big Five serão, na próxima temporada, os principais candidatos à conquista dos respetivos títulos de campeão (e eventualmente até os outros troféus), o que é, admito, conclusão longe de ser à prova de bala. Porém, no momento em que escrevo estas linhas, se puxarmos desse critério, Portugal não apresenta um único representante do qual se orgulhar, ou seja, a probabilidade de vermos um treinador luso levantar uma taça relevante daqui a menos de um ano é diminuta.
É verdade que Sérgio Conceição, falado para o Marselha e para a sua Itália, e Paulo Fonseca, candidato a suceder a Stefano Pioli no Milan – mesmo que há uns anos não tenha conseguido quebrar com a Roma o status quo –, ainda podem equilibrar um pouco a balança. No entanto, nota-se a perda de influência nos principais palcos. O editor-executivo de A BOLA Nuno Travassos ainda há dias abordava o tema, ao fazer o levantamento da época que há pouco findou, e concluía pelo desaparecimento da portugalidade das grandes decisões.
OUVIMOS muitas vezes que os portugueses são dos melhores treinadores do mundo, todavia, o mercado não o reconhece. Os números são avassaladores. Se Portugal está a zeros, há 12 espanhóis e 10 do eixo austro-alemão a cumprir o critério acima. Os italianos são 8 e os franceses 5, mas em ambos os países se insiste na aposta na prata da casa e, dessa forma, pode prever-se um crescimento. Há igualmente dois neerlandeses, embora um deles, Erik ten Hag, apenas se aguente, e muito tremido, em Old Trafford. E, ainda, um inglês, um chileno, um argentino, um belga, um norte-americano, um australiano (com ascendência grega) e um croata. Seis clubes, pelo menos, ainda não resolveram o futuro.
CONTRARIAMENTE ao que acontece nas outras Big Five, em Inglaterra a prevalência é do estrangeiro, o que historicamente, quando há poucas décadas se tratava do país mais fechado à cultura futebolística além fronteiras, não deixa de ser relevante. A Mãe do Futebol sempre teve grandes dificuldades em reconhecer que havia quem pudesse perceber mais do treino e do football em si que um inglês. Hoje, é o empório do jogo. Aí estão os melhores jogadores e treinadores, e muito mais dinheiro do que em qualquer outro lado, para contratá-los, despedi-los e manter o ciclo. Tal refletiu-se numa mudança tremenda na textura e na complexidade do association, com efeitos práticos na seleção.
A predominância do espanhol dever-se-á a dois fatores. Não é só a presença de um embaixador fortíssimo como Guardiola, um ganhador que abre portas em todo o lado, mas também a existência de uma escola, da qual é o representante máximo, e que privilegia posse e ataque.
Não há, obviamente, treinadores iguais, mesmo nascidos no mesmo país. Não podemos comparar Pep com Marcelino García Toral ou com Julen Lopetegui, mas podemos avançar que o ex-FC Porto tem conseguido recuperar dos vários golpes sofridos na carreira mais por transportar a ideia do que pelos resultados conseguidos através desta. Se, por vezes, Arteta parece decalque do mestre apenas com algumas dinâmicas acrescentadas e sobretudo menos experiência (sua e dos seus jogadores), Xabi Alonso criou-lhe mutações, tal como o mais pragmático Emery ou o objetivo Michel. O denominador comum é um futebol técnico, ofensivo e de ataque posicional forte.
Além disso, Guardiola não influencia só espanhóis: quanto dele não está no belga Vincent Kompany, que recomendou ao Bayern, ou no ex-adjunto no City Enzo Maresca? O italiano acabou de ser contratado pelo Chelsea e o passado terá tido o seu peso.
TAMBÉM pelo domínio hispânico se explica o deserto neerlandês, que tem uma das mais influentes, se não a mais influente, figuras da história, como jogador e treinador: Johan Cruijff. Arne Slot tem agora a dura responsabilidade de devolver aos Países Baixos a referência internacional que Ten Hag não tem conseguido ser. Sem esta, o modelo espanhol, que aí se inspirou profundamente, torna-se versão mais moderna e apetecível.
MAIS uniforme, até no radicalismo, é o fussball austro-germânico: ritmo non stop, pressão agressiva e reação à perda em enxame, quase kamikaze, a querer disferir todos os golpes para um knockout rápido, ao primeiro assalto. Mesmo sem o embaixador Jürgen Klopp, que decidiu parar, quem assim quiser jogar fora deste eixo sabe onde pairam as pessoas certas. Tem faltado, sobretudo aos alemães, a continuidade das novas referências, como Tuchel e Nagelsmann, porque todos os modelos precisam de resultados. Ainda assim, alemães e austríacos são dos que ainda exportam técnicos para as maiores ligas.
COVERCIANO é o coração do calcio. Aí se formam treinadores e árbitros. O perfil do técnico transalpino está bem identificado: as equipas treinadas por eles são focadas, sólidas, bem organizadas e vencedoras. Sacchi foi revolucionário no aspeto ofensivo e os restantes caminharam com o rótulo do resultadismo às costas, mas Spaletti, Gasperini, De Zerbi e Inzaghi voltam a mostrar que o país está revitalizado.
CURIOSAMENTE, Arsène Wenger foi tão revolucionário quanto José Mourinho fora do seu país, porém, com a perda da aura de vencedores, as portas começaram a deixar de estar tão abertas para franceses e portugueses. Estes precisam mais de fenómenos dos que os outros para estarem na moda. A falta de uma escola evidente, de um perfil do que é o treinador português e como joga, complica. Não ser propriamente inovador (embora competente) falha no despertar da curiosidade.
O adiamento da saída de Rúben Amorim, apenas nessa perspetiva, não é bom e Sérgio Conceição ganha a responsabilidade de tentar confirmar lá fora o que fez com pouco cá dentro, embora desconfie que vá para Itália ou para outro lado dar uso à costela... italiana. E agora que vem a contexto a passagem de Mourinho pela Roma e até o facto de a maior conquista da Seleção Nacional ter sido sob a liderança de um resultadista - e também a sua sucessão ter sido resolvida com um estrangeiro, dadas as dificuldades de encontrar um português com ideias progressistas (e um discurso e imagem congruentes) -, pergunto-me: será que a imagem que temos dado não é mais papista que a transalpina e mais afastada da moda do que deveria?