O novo passaporte do sexo
Lembro-me quando a antiga andebolista Júlia Calado me mostrou o seu passaporte do sexo. Em francês, parecia até uma coisa chique não fosse o escrutínio a que submetia a antiga internacional e todas as outras atletas que tinham de submeter-se à verificação.
Esta semana, a seleção de voleibol do Vietname foi excluída do Mundial de sub-21 depois de duas das suas atletas terem sido sujeitas a testes cromossómicos, já com a competição a meio, após as queixas das adversárias em relação às suas características físicas. A Federação Internacional anulou os seus resultados e considerou uma das suas jogadoras «inelegível». A selecionadora da Sérvia disse após o jogo que perdeu que não tinha «preparado a sua equipa para competir contra uma equipa masculina» e viu a sua reclamação justificada.
A última recomendação da Federação Internacional ia no sentido de permitir uma atleta trans por seleção, desde que os seus níveis de testosterona não excedessem os 5 nmol/L um ano antes da competição.
Há duas semanas, a World Athletics anunciou que vai exigir testes para verificar sexo de atletas femininas e que as regras vão ser aplicadas já nos Mundiais de Tóquio de atletismo em setembro para garantir que só serão aceites as atletas que passarem no teste genético que certifique a sua elegibilidade para a categoria feminina.
Recorde-se que, em 2021, o Comité Olímpico Internacional (COI) atualizou as orientações para atletas trans, definindo princípios sobre a sua possível participação naquele que é o maior evento desportivo do mundo, com a decisão final entregue às respetivas federações internacionais. As atletas trans podiam competir se os seus níveis de testosterona estivessem abaixo de 10nmol/L um ano antes da competição. Estas regras trouxeram problemas que não tinham sido previstos, já que várias mulheres cis [pessoas que se identificam com o género que é designado quando nascem] foram proibidas de participar em eventos desportivos, devido aos seus níveis naturalmente altos de testosterona. O caso da atleta cis sul-africana Caster Semanya foi o mais impactante.
Para Paris-2024 passou a existir novo requisito: atletas trans deviam ter concluído a transição antes da puberdade. Segundo o COI, a transição após os 12 anos poderia dar vantagem a atletas trans sobre atletas cisgénero. O debate segue com a Federação Internacional de Natação (FINA), a UCI, que regula o ciclismo a seguir estas regras que, para a Associação Mundial para Saúde de Transgéneros, acaba com as aspirações de qualquer candidato, dado que a entidade recomenda 14 anos como idade mínima para o processo de transição.
Os casos das pugilistas Imane Khelif e Lin Yu-Ting reacenderam a questão de género nos Jogos Olímpicos da capital francesa, num debate politico, social e, claro, dos discursos de ódio.
Na década de 1960, os Jogos Olímpicos utilizavam testes visuais humilhantes para verificar o sexo das atletas e outro tipo análises mais ou menos intrusivas como garantia de elegibilidade.
Os tempos mudaram, os métodos de averiguação também, mas em 2025 o debate não tem fim e continua a dividir homens, mulheres e trans.