O dinheiro não compra tudo
Nas seis épocas anteriores ao serviço do Benfica, Jorge Jesus teve momentos altos e baixos mas praticamente em nenhuma circunstância se viu as suas equipas perderem o que neste momento falta as águias: organização. Mais do que os maus resultados (isso acontece a todos), o que deve afligir os benfiquistas é a ausência de um padrão de qualidade que se colou, com toda a justiça, ao treinador contratado ao Flamengo ao longo das várias etapas da sua carreira. Em circunstâncias normais o Benfica já deveria estar a jogar muito mais (recuso porém a jactância do «jogar o triplo»). Aliás, se há característica no percurso de Jesus é o de mudar as suas equipas, drasticamente, para um patamar muito superior no espaço de um/dois meses. Já era assim nos clubes de pequena e média dimensão em Portugal, foi assim na sua primeira passagem no Benfica, o mesmo no Sporting e, posteriormente, na Arábia Saudita e no Flamengo. Nesta segunda passagem pelos encarnados já leva mais de três meses de trabalho e o Benfica apresenta tudo aquilo que é contrário à marca Jesus: intranquilidade, insegurança, tibieza e nem as famosas transições ofensivas estão a resultar.
O que estará a falhar? Partindo do pressuposto de que JJ não desaprendeu, haverá algumas questões a apontar. Começando, antes de mais, pela atitude: o próprio Jorge Jesus já admitiu que é um treinador diferente sem a presença de adeptos. Torna-se mais frio, menos exuberante, com menos paixão. Em condições normais seria impensável ver um Jorge Jesus plácido e burocrático, reagindo com uma surpreendente normalidade perante um score de 0-3, como no recente jogo frente ao SC Braga - quando, há um ano, num qualquer estádio no Brasil, era capaz de entrar em campo aos berros para corrigir 10 centímetros do posicionamento de um jogador, mesmo estando a ganhar por 5-0...
Mas mesmo dando o desconto de os jogadores estranharem o Jesus suave em dias de jogo, não creio ser essa a questão de fundo porque os grandes treinadores são aqueles que resolvem os problemas durante a semana e JJ pertence a essa casta. O trabalho de campo, esse, acredito que continua a ser tão bom ou ainda melhor do que era há 10 anos (afinal, tem uma equipa técnica muito maior e multifacetada). O que sobra, então? Duas variáveis: dinâmicas de grupo e qualidade dos intervenientes. A primeira resolve-se com tempo para a integração de muitos jogadores novos e para a afirmação de novos líderes (Vertonghen e, mais em concreto, o subcapitão Otamendi, alvo de muitas críticas do exterior); a segunda será mais difícil porque há, efetivamente, grandes discrepâncias de nível futebolístico no grupo encarnado.
Discute-se agora a questão do lateral-direito mas desde que Nélson Semedo saiu que tem sido André Almeida o titular. Para esta época houve mais do mesmo de outras temporadas: quem veio não faz a diferença (Gilberto). O mesmo pode dizer-se para a posição 8 (Taarabt tem enorme talento com bola mas mantém uma alma de kamikaze para uma zona onde se exige cérebro e aos 31 anos já não vai mudar; Pizzi é cada vez mais inconsequente; Gabriel não parece cumprir sem bola; Chiquinho pouco conta) e, também, para a posição 6 (Weigl, definitivamente, não parece ser talhado para um 4x4x2; Samaris continua com problemas físicos; gosto pelo risco de Gabriel expõe demasiado a defesa) - e daí ser redutor e injusto apontar todos os defeitos à dupla de centrais (demasiado expostos).
Se recordarmos o que faziam as duplas Javi García/Aimar, Matic/Enzo Pérez, William/Adrien ou mesmo Arão/Gerson (no Flamengo) percebe-se bem onde poderá estar a raiz de todos os problemas: o plantel do Benfica não vai ao encontro das ideias de Jesus e Jesus, desta vez, não está a conseguir transformar chumbo em ouro. A responsabilidade recai no treinador, que deu aval aos reforços e fez a análise ao grupo que iria ter em mãos; mas também à SAD, com Luís Filipe Vieira à cabeça, que permitiu o arranque da época com um plantel longe de ser homogéneo (muita forte na frente, mediano no meio, duvidoso nas laterais). Por quase €100 milhões exigia-se muito mais.