O céu azul profundo
A única coisa certa que temos em vida é o seu final. E não fazemos ideia quando nos baterá à porta ou surpreenderá na esquina. Sabemos isso, mas fazemos por nos esquecer, por atirar para trás das costas essa consciência latente, omnipresente, mas inconveniente, desesperante até.
Aconteceu com o Diogo Joga e com o André Silva, no início de julho, adensando o enigma sobre a surpresa, o impensável, o quase inenarrável sortilégio do destino. Que não é mais do que a soma perfeita de um conjunto de coincidências negativas no espaço e no tempo.
Acontece agora com Jorge Costa. Custa-me tanto ou mais, considerando que era um homem da minha geração, cinco anos mais novo, e cujo percurso meteórico no universo futebolístico português acompanhei a par e passo, com o necessário distanciamento que resultava das funções profissionais dos dois, mas com o imenso respeito que a sua resiliência, o seu talento, a sua teimosia competitiva trouxeram a uma inteira e intensa geração de jogadores, em Portugal.
Contactei pela primeira vez o grupo inicial dirigido pelo Carlos Queiroz em 1988, na então Checoslováquia, quando a seleção de sub-19 foi até à final do Europeu, frente à URSS de Igor Salenko, também ele a despontar como o expoente máximo de um excelente grupo de futebolistas.
A equipa de Portugal que perdeu a final do Europeu frente aos soviéticos, sagrar-se-ia campeã do Mundo, no ano seguinte, na Arábia Saudita, ao bater, no jogo decisivo, a Nigéria, por 2-0, com os golos de Abel Silva e Jorge Couto a darem colorido à primeira grande geração dourada. No eixo da defesa, pontificavam Fernando Couto e Paulo Madeira. Só dois anos volvidos, no Mundial organizado em Portugal, é que Jorge Costa surgiu como expoente de uma linha recuada mandona, eficaz e intratável.
Foi, também, um momento do máximo sucesso, com a segunda geração de campeões surgida às mãos de Queiroz e Nelo Vingada a vencer o Mundial de 1991, após uma final disputada ao milímetro e ao segundo, no Estádio da Luz, e com a vitória assegurada, no último pontapé de 11 metros, por Rui Costa. O amigo e confidente de Jorge, o caminho separado pelas águas clubísticas, unido pelas cores das diversas seleções portuguesas que representaram e reforçado, à distância mas com laços de sangue inquebráveis, nos últimos anos, com a assunção de funções diretivas.
Foi o Rui para presidente do Benfica, depois de ter sido durante anos lugar-tenente de Luís Filipe Vieira. Andou Jorge pelos bancos, à procura de um lugar ao sol como treinador principal, fazendo-se valer da imensa experiência nos relvados, do profundo conhecimento dos balneários e da capacidade intrínseca de liderança de um grupo heterogéneo e muito distinto de jogadores de futebol.
E o destino, esse bandido encapotado que parece traçar a régua e esquadro as opções, os passos e as carreiras de cada um, definiu um lugar de destaque no universo do seu clube de sempre, como diretor para o futebol profissional, um elo de ligação fundamental entre plantel, equipa técnica e Direção, portador da crença, da mística, da paixão de jogar à bola vestido de azul e branco.
A diferença, no caso do Jorge, foi notória: tratava-se de um líder que não necessitava do reforço formal das funções desempenhadas no organograma portista. Bastava dizer o seu nome, mesmo aos mais novos, aos que não se lembravam do tal início de carreira das décadas de oitenta e noventa do século passado.
É isso que constrói um balneário de uma equipa profissional de futebol, daquelas que quer mesmo lutar por vitórias em todos os jogos e por títulos em todas as competições em que se encontra envolvida: a capacidade de cativar pelo exemplo, de liderar pela postura, de motivar pelas cores da camisola e pelo respeito durante quase 40 anos. O mesmo respeito que sempre tivemos (eu, o Jorge e o Rui) nas nossas carreiras. Equidistantes quanto baste, de modo a que não subsistisse confusão alguma em relação à amplitude e ao enquadramento das funções de um jornalista e das atribuições de um futebolista, mas focados, igualmente, na criação e no desenvolvimento permanente de uma relação próxima com o objeto do nosso trabalho, com o envolvimento que o futebol traz e a que o futebol obriga, sabendo que só assim cada um de nós conseguiria chegar ao final de cada dia com a sensação inequívoca de missão cumprida.
Era assim o Jorge. Um animal na profissão. Feroz, determinado, focado, dos que não suporta a derrota, a menos que ela garanta, logo a seguir, a vitória.
Um lutador cativante, uma fera entusiasmante, um vencedor resiliente, um bicho exemplar, um capitão com braçadeira para todo o grupo, como se de um abraço e de um grito de guerra dependesse o pontapé de saída para uma grande conquista, para um momento a tocar o céu.
O céu que agora, de um momento para o outro, ficou ainda mais tingido de azul profundo.
Cartão branco
Se a qualquer um de nós fosse dada a notícia de uma vitória da Seleção Nacional de basquetebol sobre a Espanha, no país vizinho, pensaríamos tratar-se de uma broma.
Mas em Málaga escreveu-se uma brilhante página de história que, no fundo, reflete o que se tem passado em várias modalidades, nos últimos anos: federações a trabalharem muito bem, com foco na formação e na evolução sustentada do aparelho competitivo, com a certeza de que os resultados, mais cedo ou mais tarde, surgirão.
A vitória de Portugal sobre a Espanha, numa modalidade tão técnica como o basquetebol, é um momento dourado dos novos tempos do desporto português.
Cartão amarelo
Nem Gyokeres era, com a camisola do Sporting, o melhor ponta de lança do mundo, nem passou a ser o pior, desde que vestiu as cores do Arsenal. Mas toda a novela alimentada diariamente em função das dinâmicas e dos fluxos da informação em plataforma, ao gosto e ao sabor das necessidades de clickbite, demonstram bem o quão insuflada foi a narrativa, o quão despropositados foram muitos dos episódios.
Chegado ao Emirates, o avançado sueco ainda nem bem entrou em campo e já desiludiu. Fico com a impressão de que muitos dos que escrevem e dão forma às componentes digitais de muitos media portugueses fazem-no ao sabor da conveniência e, muitas vezes, nem leem o que escrevem…