«Nem pensar em deixar sair Amorim, é agora que tem de mostrar o que alcançou em Portugal»
Dimitar Berbatov. Para alguns o ponta de lança de eleição no FIFA, para outros uma das primeiras memórias na Premier League, e um dos grandes herdeiros do futebol búlgaro que dominou a Europa nos anos 90, e até alcançou o quarto lugar no Mundial 1994, nos Estados Unidos. Com 48 golos em 78 internacionalizações, é o maior marcador de sempre da seleção búlgara, tendo deixado de jogar em 2018. Hoje com 44 anos, o antigo avançado de Totenham, Manchester United- onde partilhou uma época com Ronaldo, em 2008 - e Fulham, entre outros, está no Algarve no Summer Football Camp, iniciativa que reúne lendas dos red devils, no curso de futebol do resort Pine Cliffs, em Albufeira, dando conselhos aos rapazes – e cada vez mais raparigas – que procuram jogar futebol. Foi de lá que falou a A BOLA.
Para começar, o que está a fazer no Algarve?
A arranjar um bom bronzeado! (risos) Vim para trabalhar com os miúdos — para ensinar, claro, para tirar fotografias com eles, conversar, responder a alguma perguntas. Também quero que se divirtam, porque é assim que se joga futebol naquelas idades. Claro que também tens de jogar com seriedade. E é isso que venho fazer: mostrar-lhes um pouco de como vejo o futebol, falar com eles, orientá-los durante o tempo que estou aqui, os miúdos e miúdas tem sido fantásticos.
Continua ligado ao Manchester United e recentemente participou na campanha de promoção do terceiro equipamento, aparecendo como um sensei, um mentor. Sei que gosta de artes marciais, como é que aconteceu?
Quando me enviaram o guião e vi as imagens e tudo o que tinha de fazer, pensei ‘isto está mesmo bom’ porque é assim que eu vejo o futebol — calmo e com controlo. Sempre me inspirei para jogar com base nos movimentos, porque via muitos filmes de kung fu naquela altura. O mestre estava sempre calmo, sereno, com movimentos precisos. E o resultado final ficou fantástico. Até hoje continuo a trabalhar com o United a nível mundial, a viajar e a colaborar como embaixador. O United continua a ser uma das maiores marcas do mundo.
This is the Mancunian way.
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Estamos à beira de uma nova época e Rúben Amorim vai começar a temporada do zero. Como acha que vai correr?
Todos temos esperança. Estou... entusiasmado e com cautelas, se é que posso dizer assim, porque tenho esperança e quero mesmo vê-los fazer uma grande temporada, algo que seja significativo, porque já passou muito tempo — 13 anos, acho eu — desde o último título da Premier League [foi em 2012/13]. Sim, ganhámos um ou dois troféus nesse período, mas o título da Premier League ainda não voltou. Mantenho alguma cautela, porque a última temporada foi muito má para todos. A classificação final (15.º) não refletiu o que o United deveria ser. Por isso, tenho esperança de que agora, com o Amorim a ter uma pré-época completa, com os jogadores que trouxe — e talvez mais ainda a chegar, vamos ver —, que todos eles se encaixem no seu sistema de jogo, na sua forma de ver o futebol. E que a partir daí possamos construir. No fim, o que interessa são os resultados. É assim que funciona — podes jogar um futebol incrível, podes divertir-te em campo, mas tens de ter resultados.
Foi determinante ele ter aguentado a pressão e não ter saído, por exemplo? Numa entrevista recente, Marcus Rashford disse que a equipa não tem estado estável desde que Sir Alex Ferguson saiu.
Claro, não havia outra opção. Nem me passava pela cabeça trocá-lo tão cedo, depois de ter chegado. Agora é a altura de mostrar aquilo que pode fazer. É agora que tem de mostrar o que alcançou em Portugal. Teve pré-época, tem a equipa preparada para começar a nova temporada. Claro que não vai ser fácil, a menos que nos surpreendam completamente e comecem a ‘destruir’ os adversários. Mas toda a gente na Premier League está a melhorar, ou pelo menos a tentar. Tens o Liverpool, o City, o Arsenal, o Chelsea — que ganhou agora o Mundial de Clubes. E ainda tens outras equipas do meio da tabela, que estão sempre a tentar empurrar os grandes. Portanto, não vai ser fácil — e isso significa que o United tem de arrancar forte, tem de começar logo desde o primeiro jogo. Não se pode esperar pelo terceiro, quarto ou quinto jogo, porque os outros não vão esperar. Tens de entrar forte desde o início.
Bruno Fernandes é o capitão ideal? Teria sido uma grande perda para a equipa ele ir para a Arábia Saudita?
Ele vai ter tempo para ir para a Arábia Saudita, acreditem em mim, vai ter tempo (risos). Sabe que está num grande clube. Tenho a certeza de que ele quer ganhar a Premier League, porque isso é legado, é o que se quer alcançar. Quando tens essa medalha ao peito, sentes-te realizado, sentes o teu propósito dentro da equipa. Ele é o jogador que faz a diferença, aquele passe perigoso, em profundidade, aquele passe que pode colocar um colega a marcar golo. E também marca. Tem muita experiência a jogar pelo United, é aquele que todos seguem, aquele a quem todos ouvem. Dá para ver dentro de campo. Também sei como se comporta nos treinos. E sei que Amorim é muito exigente e rigoroso com a disciplina e com a forma como os jogadores se comportam fora do campo, isso é muito importante para ele. Gosto disso, porque representar o United não é só dentro das quatro linhas — é também fora delas. É a forma como falas, como tratas os teus colegas, como te relacionas com toda a gente em Carrington, durante os treinos. No campo, tens de ser forte mentalmente — e, às vezes, tens mesmo de ser um pouco agressivo, porque jogas contra adversários difíceis. Por isso, acho que o Bruno é o jogador certo para liderar a equipa neste momento. Ele improvisa, lê bem o jogo — exatamente como eu vejo o futebol. Por isso, fico feliz que ele ainda esteja lá, e espero que, com os jogadores novos que o rodeiam agora, Amorim consiga fazer uma boa mistura com o sistema que gosta e que vai implementar.
Voltando ao curso, hoje em dia os miúdos fazem perguntas diferentes do tempo em que jogava?
Não, não são muito diferentes, cada um tem a sua própria história. Gosto de saber de onde vêm, falo com eles, com os pais. Em casa, em Sofia, também tenho a minha Fundação, há 17 anos que formamos crianças. E no fundo, é sempre igual. Às vezes perguntam-me como foi jogar com o Ronaldo. ‘Como era o Ronaldo? Jogaste com o Messi? Quem é melhor — Messi ou Ronaldo?' Outras vezes as perguntas são mais práticas: Como posso melhorar? Como me posiciono melhor? Como é que marcaste aquele golo?
Falou em raparigas. Há muitas a treinar?
Sim, aqui há algumas, pela forma como controlam e tocam na bola… às vezes são melhores do que os rapazes, para ser sincero. Fico contente por ver que o futebol está a crescer para toda a gente.
A Bulgária esteve muito forte nos anos 90, muitos jogadores acabaram em Portugal, como Balakov, Kostadinov ou Mladenov. O que se lembra do Mundial de 1994? Isso marcou-o?
Bem, eu tinha 13, 14 anos e naquela altura, vias principalmente os jogadores da Bulgária. Não víamos muito o que se passava fora do país, porque não tínhamos canais de televisão para isso. Por isso, quando a seleção nacional, ou mesmo os clubes, faziam algo de bom, admiravas e querias ser como eles. Claro, foi um grande momento para a seleção, porque tivemos muito sucesso nesse Mundial. A partir desse momento, muitos jovens – como eu e os meus amigos – sentiram que queriam mesmo ser jogadores de futebol. Queres sempre momentos como esse – seja no futebol ou noutro desporto – porque quando se alcança algo positivo, isso inspira as gerações seguintes a quererem construir uma equipa como a tua.
When Bulgaria produced one of the shocks of USA '94... pic.twitter.com/pXgyEoLqKU
— 90s Football (@90sfootball) March 23, 2025
Quando foi a sua vez de jogar na Seleção (capitão entre 2006 e 2010) o sucesso já não era o mesmo.
Quando não continuas a construir o sucesso que alcançaste, em vez de subires, começas a descer. Deixas de produzir bons jogadores. Não tens a infraestrutura necessária – como campos de treino, centros de formação... Não há dinheiro para investir nisso. E depois é demasiado tarde, já não se está a formar jogadores com qualidade para jogar nas cinco principais ligas do mundo. Tive a sorte, na minha altura, de trabalhar muito e de ter conseguido ir para o estrangeiro. Tivemos o Stiliyan Petrov, que jogou no Aston Villa e no Celtic, e o Martin Petrov, que também jogou no Manchester City. Com a seleção nacional, quando joguei, conseguimos qualificar-nos para o Euro 2004. Mas estamos num momento em que a produção de bons jogadores, capazes de ir jogar para os grandes campeonatos, neste momento, não é suficiente. Talento existe mas é preciso ter bons treinadores para os formar. E alguém tem de formar esses treinadores, para que saibam como ensinar os jogadores. No fim de contas, tudo depende do dinheiro.