«Napoli, è tuo!»
ALazio de Maurizio Sarri venceu ontem o Sassuolo em Roma (2-0) de modo que a festa do título napolitano foi transferida para a noite de hoje em Udine, onde o Nápoles precisa apenas de um empate para confirmar o título de campeão italiano. A festa da consagração era para ter acontecido neste último domingo, em Nápoles, mas a Salernitana de Paulo Sousa (1-1), que é uma espécie de viciada em empates, impediu a celebração. Trata-se, porém, de uma questão de tempo. Vai acontecer e será um scudetto justissimo na época da ressurreição dos clubes italianos nas competições europeias (cinco apurados para as meias-finais e um finalista milanês assegurado na Champions). O treinador Luciano Spaletti, o Caravaggio da Série A, merece um grande aplauso, assim como o georgiano Khvicha Kvaratskhelia e o nigeriano Victor Osimhen, os homens fortes da campanha, e o nosso Mário Rui, que entra directo para a história do grande clube sulista. Como simpatizante do Nápoles por questões afectivas (foi o clube de Maradona) fico muito feliz por os ver novamente campeões ao fim de mais de três décadas de espera. Até porque vivi de perto o último scudetto napolitano.
Há 33 anos (22 de abril de 1990) estava precisamente em Itália para assistir ao jogo que acabou por dar o segundo scudetto ao Nápoles de Maradona. Julgo que vale a pena recordar essa odisseia até porque foi o último momento de glória do génio argentino. Jogava-se para a 33.ª e penúltima jornada e o Nápoles e o Milan (que era o campeão europeu em título) estavam empatados no 1.º lugar com 47 pontos. O jogo do Nápoles era em Bolonha. O do Milan (que ia jogar com o Benfica a final da Taça dos Campeões em Viena) era em Verona. Foi esse que eu vi, no estádio Marc’Antonio Bentegodi. A bela cidade de Romeu e Julieta era uma pedra no sapato para a nação milanista: dezassete anos antes, o Milan perdera ali, inesperadamente, um scudetto na última jornada. Os jornais dramatizavam essa história da Verona fatale! e foi num clima de ansiedade e angústia que o jogo começou, até porque o Verona, na zona de descida, precisava desesperadamente de pontuar.
O Milan tinha uma equipa fabulosa, a começar pelo treinador (Arrigo Sacchi) e a acabar no inesquecível trio neerlandês Rijkaard, Gullit e Van Basten. Eu estava a torcer pelo Nápoles por causa de Maradona, de quem era fã absoluto, como a maioria dos da minha geração. Havia milhares de adeptos milanistas no estádio e o entusiasmo deles começou a esmorecer com as noticias que chegavam de Bolonha: ao quarto de hora o Nápoles já vencia por 3-0 com golos de Careca (3), Maradona (9) e Francini (15). O Verona defendia-se estoicamente, o Milan parecia nervoso e alguns jogadores perdiam-se em tricas e quezilias desnecessárias. Van Basten sofria faltas duríssimas e protestava com o árbitro. Quando o avançado Marco Simone marcou para o Milan, à meia hora, a arquibancada rossonera, com os nervos em franja, libertou-se como um vulcão. Foi impressionante.
Fãs de Maradona à espera do jogo de hoje
O pior estava para vir. Decorrida uma hora de jogo, o central argentino Victor Sotomayor empatou num esplêndido golpe de cabeça. E pior ficou para o Milan a um minuto do fim, com novo golo do Verona num slalom incrivel de Davide Ballardini. A derrota abria de par em par as portas do título a Maradona e companheiros - a noticia do segundo golo do Verona foi euforicamente festejada por dez mil adeptos napolitanos em Bolonha. No relvado, nem queria acreditar no que estava a ver. Os jogadores do Milan, de cabeça perdida, protestavam com o árbitro (Rosario lo Bello), a quem acusavam (não sem alguma razão) de ter ignorado penalties sobre Massaro e Van Basten que, a dada altura, furioso, despiu a camisola e atirou-a ao chão.
Lo Bello, que já tinha expulsado o treinador Sacchi por protestos excessivos e Rijkaard por este lhe ter cuspido duas vezes (um gesto nojento que o médio viria a repetir dois meses depois num jogo do Mundial com a Alemanha), não teve outro remédio que expulsar o grande Marco. E também o central Costacurta, que, desesperado pelo golo de Ballardini, berrou para Lo Bello: «Estás comprado!». Quatro vermelhos e porta aviões ao fundo na cruel reedição da fatalidade veronesa. E o Barrilete Cósmico aos saltos em Bolonha.
No dia seguinte, em Milão, a minha costela maradoniana deliciou-se com os títulos da Gazetta dello Sport e do Corriere: «Napoli, è tuo!», numa antevisão daquilo que viria a concretizar-se dias depois, na última jornada: a vitória final do Nápoles (1-0 à Lazio) num estádio de San Paolo em delirio, rendido a um Deus Maradona novamente campeão. Estava tão contente que me meti imediatamente num comboio para Nápoles, onde passei dois dias a farejar o ambiente. Que festa estavam eles a preparar!
Foi, de facto, uma proeza notável dessa equipa do Nápoles, treinada pelo discreto Alberto Bigon (Giuliani; Ferrara, Francini, Crippa, Baroni; Fusi, Alemão, De Napoli; Careca, Maradona, Carnevale). Correndo por fora, venceu, em cima da meta, os dois potentados da Lombardia: o Milan campeão europeu (haveria de renovar o título no Prater de Viena, 1-0 ao Benfica) e o Inter de Giovanni Trapattoni, que era o campeão italiano em título e onde brilhavam os alemães Matthaeus, Brehme e Klinsmann, que nesse mesmo verão haveriam de ganhar o título mundial para a Mannschaft no Mundial organizado… pela Itália.
Trinta e três anos depois, sei que Diego Armando Maradona, o melhor futebolista que alguma vez me passou pelos olhos, festejará aos saltos o tri do clube e da cidade que o amou como os antigos amavam os Deuses.
CAMPEONATO: MAIORES ‘JEJUNS’
ONápoles prepara-se para encerrar um ‘jejum’ de mais de três décadas sem scudetto, três anos depois de o Liverpool de Klopp conquistar o primeiro título de campeão inglês em 30 anos (1990-2020). Na época seguinte, foi o Sporting de Amorim a encerrar uma penitência de 19 anos (2002-2021) sem ganhar o campeonato. Como se vê, não há mal que dure sempre. Entre os clubes europeus com relevância internacional, o Sevilha é o que se encontra há mais tempo sem ser campeão nacional, quase 80 anos! O que, sublinhe-se, não impediu o grande clube andaluz de conquistar, durante o longo período de seca, sete títulos europeus (duas Taças UEFA, quatro Ligas Europa e uma Supertaça Europeia)… encontrando-se a caminho de mais uma final na Liga Europa.