Não é todos os dias que um jogo dá para relaxar, motivar e golear (crónica)

Foi fácil, quiçá demasiado fácil. Sobretudo, antes de irmos ao mérito dos leões, pelo enorme fosso existente entre estas duas equipas, no contexto da nossa Liga. Se Rui Borges tivesse escrito o guião do jogo nada seria diferente do que aconteceu: um adversário perfeito para fazer descansar uns, dar repouso ativo a outros, motivar alguns e ainda assim, no do dia, ganhar por seis a zero...

Sensivelmente à mesma hora do Sporting-Aves SAD, o Arsenal recebia no Emirates o Wolverhampton. Aves SAD e Wolverhampton, lanternas vermelhas da I Liga e da Premier League, o primeiro, no fim do dia, com três pontos em 14 jogos, e o segundo com dois pontos em 16 jogos, mostraram que as coisas embora podendo parecer iguais, representam, contudo, realidades diferentes: enquanto os Wolves foram a casa do líder da Premier e da Champions e saíram derrotados devido a um autogolo ao minuto 90+4, os avenses passaram por Alvalade  como almas penadas, derrotados mesmo antes de perderem, frente a um Sporting que depois de duas jornadas muito exigentes (Benfica e Bayern) destinou a noite à regeneração física dos jogadores mais necessitados.  

É por esta aberração, que passa por um quadro competitivo que não se adequa à realidade do país (a Premier tem 20 concorrentes, mas cada equipa pode fazer o que Wolverhampton fez em Londres) que, nesta fase de grandes decisões, é bom que haja um adulto na sala que diga que se persistirmos em apresentar jogos invendáveis em qualquer mercado, sem nenhum interesse competitivo, e não encontrarmos um modelo revitalizador, que nos mantenha na incerteza, ao invés de nos mandar ver a ‘degola dos inocentes’, teremos um grande futuro atrás de nós. Os decisores lá saberão, têm a faca e o queijo na mão e serão eles, para o bem ou para o mal, que serão recordados em conformidade com as decisões que tomarem. 

Vamos lá ao jogo...

Frente a um Aves SAD que nunca desmontou, independentemente do resultado, o 5x4x1, o Sporting entrou com laterais demasiado ansiosos em mostrar serviço (especialmente Ricardo Mangas), um duplo-pivot (Morita e Kochorashvili) com algum défice criativo - suficientes do ponto de vista defensivo, mas irrelevantes na criação do ataque – e um 3x1 (Catamo, Trincão e Maxi + Suárez) - na frente, que durante meia-hora desgastou os avenses, criando condições de ‘bar aberto’ para os ‘Happy Five Minutes’ que se seguiram, em que marcou três golos (32, 35, 37). E tudo isto com Hjulmand e Fresneda, por exemplo, no papel de espetadores com boa vista para o relvado. 

O Aves Sad, que obrigou Rui Silva a uma boa defesa aos 29 minutos (por Perea e por aí se ficou), pareceu escolhido a dedo para a recuperação ativa do Sporting, tantos foram os ‘canyons’ abertos na sua estrutura pelas movimentações, acima de todos, de Trincão, mas também de Maxi e Catamo, bem apoiado por Vagiannidis, e de Luís Suárez, jogador interessante, daqueles que ‘primeiro estranha-se e depois entranha-se', que tem ‘pelo na venta’, nunca dá nenhuma bola por perdida, e é aquilo que os defesas contrários costumam designar por ‘um grande chato’. 

Mas se a primeira parte teve, sobretudo, um tempo para o Sporting ir depenando, pena a pena, o Aves SAD, e outro, de cinco minutos para garantir que este nunca mais voava, a segunda metade foi diferente... 

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Resultado escasso

Ao intervalo, Rui Borges trocou Gonçalo Inácio por Matheus Reis. E logo aos 47 minutos, após uma jogada muito vistosa em que Suárez assistiu Vagiannidis, e este cruzou primorosamente para Maxi, que anichou a bola no fundo das redes, se dúvidas houvesse quanto à sorte do jogo (e, com toda a franqueza, nem os avenses teriam a ilusão de uma recuperação miraculosa, a única coisa que desejavam, realmente, era que suplício acabasse) ficaram nesse instante dissipadas. E quando o ‘poker’ passou a ‘manita’ aos 53 minutos – canto clássico, com desvio ao primeiro poste de Matheus Reis e golo ao segundo de Luís Suárez - os treinadores mexeram nas equipas aos 55 e 57 minutos: o do Sporting, antes, tirando Ricardo Mangas (que simulou um penálti, à ‘mangas’  - 5 minutos -, e conseguiu livrar-se desse amarelo, vendo outro, por uma entrada despropositada sobre Pedro Lima, aos 12) e fazendo entrar Quaresma (Matheus Reis passou a lateral esquerdo), e trocando Maxi por Ioannidis, enquanto que João Pedro Sousa foi ao Paraguai e ao Uruguai encontrar Rivas e Tiago, que lançou nos lugares de Algobia e Kiki Afonso. Basicamente ficou tudo na mesma, um treinador que está a perder por 5-0 aos 53 minutos, não vai, por certo, meter-se em aventuras atacantes, procurará, como foi o caso, quanto muito, fazer contenção de danos; e o que está com o jogo na mão deve lançar ambição e motivação para manter a fervura constante.  

Mas seria a entrada de Alisson (aos 73 minutos, saindo Suárez e passando Ioannidis para o centro do ataque) a ter maior efeito na intensidade leonina. O antigo leiriense, sôfrego por mostrar-se ao mundo, e por isso, por vezes insuportavelmente egoísta, tem muito talento e foi um agitador permanente, sendo a causa primeira da expressiva erosão avense na reta final do jogo. Valeu à equipa de João Pedro Sousa um punhado de boas defesas de João Gonçalves, uma das quais, aos 76 minutos, a remate de primeira, com a bola no ar, de Kochorashvili, verdadeiramente notável, para que o estrago não fosse ainda maior.   

Mas estava escrito que este jogo acabaria na meia-dúzia, e haveria três jogadores com ‘dobletes’: aos 90+3 Geny Catamo, de malas feitas para a CAN, juntou-se a esse clube, onde estavam Maxi e Suárez, e despediu-se de Alvalade colocando a bola no fundo da baliza, verdadeira cereja no topo do bolo da goleada.