Mário Chaves, primeiro treinador de Ivan Lima, e João Cicaria, vice-presidente do Foguteiro, recordam os primeiros tempos do extremo no clube do Seixal

Ivan Lima: o menino da Jamaica que sonha ser grande no Benfica

Chegou ao Benfica com apenas seis anos, mas os primeiros toques na bola foram dados no CDR Fogueteiro, na zona do antigo Bairro da Jamaica, onde vivia. A BOLA foi ao local onde tudo começou para falar com quem acompanhou o crescimento do extremo, que já é um símbolo da comunidade

Apesar de ter apenas 20 anos, a ligação de Ivan Lima ao Benfica já é longa. O extremo soma 14 anos de águia ao peito, numa relação que se iniciou em 2011, quando o clube da Luz o recrutou ainda criança. Depois de passar por todos os escalões da formação e equipa B, a 17 de outubro de 2025, a história do internacional jovem por Portugal ganhou um novo capítulo: a tão desejada estreia pela equipa principal. Em Chaves, e com o Benfica a vencer por 2-0 na 3.ª eliminatória da Taça de Portugal, José Mourinho decidiu premiar o atacante com os primeiros minutos entre os grandes. Aos 89', envergando o número 90, Ivan Lima entrou em campo e concretizou um sonho que carregava desde os seis anos. A amostra foi curta - mal teve tempo para tocar na bola -, mas o simbolismo do momento ultrapassou qualquer ação de jogo: estava dado o passo que sempre imaginou.

O percurso que o levou ao sonho, porém, começou muito longe de Chaves e A BOLA deslocou-se ao Seixal, mais precisamente ao antigo Bairro da Jamaica (ou, simplesmente, Jamaica), para visitar o lugar onde tudo começou. Foi ali, numa zona marcada por dificuldades sociais mas também por histórias de superação, que Ivan começou a construir o seu caminho. Antes de brilhar nos relvados, foi nos ringues e pavilhões que deu os primeiros toques, com a camisola do Clube Desportivo e Recreativo do Fogueteiro, um clube humilde que participa sobretudo em torneios amigáveis. Nunca chegou a ser federado pelo Fogueteiro, mas não precisou de muito tempo para se destacar: ainda miúdo, já chamava a atenção de quem o via jogar.

«Ele veio para cá em 2011 e, ao fim de pouco tempo, vimos logo que estava ali um craque. Como tinha mais habilidade, queria era ter a bola. Via-se de longe que era diferente dos outros. Nós costumamos receber muitos olheiros e, ao fim do mês, já estavam interessados nele. Era um caso sério e isso confirmou-se», relembrou Mário Chaves, o primeiro treinador de Ivan Lima.

Mário Chaves treinou Ivan Lima no Fogueteiro. Foto: Miguel Nunes

«Desde miúdo que ele era habilidoso e rápido. Por isso é que ele fazia muitos golos. Fazia a diferença, era muito versátil, fintava rápido, que foi sempre uma das coisas boas dele, e depois chutava bem também. Contra as outras equipas fazia uma diferença enorme, porque enquanto os outros marcavam um, ele marcava três ou quatro», continuou o técnico, que não escondeu o orgulho ao falar do menino da Jamaica: «É sempre uma sensação boa ver um miúdo feito aqui chegar a estes patamares. É bom para ele e para o clube.»

E se dentro de campo Ivan mostrava talento, João Cicaria, vice-presidente do emblema do concelho do Seixal, destacou também as qualidades humanas do extremo: «Detetámos logo que ele tinha uma aptidão um bocadinho superior aos outros. Além disso, sempre foi uma criança muito humilde, respeitadora e levava os treinos muito a sério. Não se envolvia em conflitos, só tinha amizades e, com ele, se lhe dessem uma bola e não o chateassem, ele resolvia o resto. Sempre dissemos: 'Este não calça cá muito tempo'. E foi verdade.»

Aqui na Jamaica apareciam miúdos de todos os tipos. Uns que queriam brincadeira, uns que vinham para se portarem mal, outros para terem um lanchinho. Tivemos aqui de tudo.

«Tinha um suporte familiar muito bom, especialmente da mãe que lhe dava muita assistência, não o deixava pôr o pé em perigo, embora ele não fosse rapaz para isso. A mãe andava sempre em cima dele, vinha pô-lo e buscá-lo aos treinos, dava-lhe um apoio grande. Aqui, também lhe demos sempre apoio. Ele ainda hoje tem grande amizade com o Mata [presidente do clube]. Mesmo indo para o Benfica, não mudou nada. Continuou a mesma criança. Aqui na Jamaica apareciam miúdos de todos os tipos. Uns que queriam brincadeira, uns que vinham para se portarem mal, outros para terem um lanchinho. Tivemos aqui de tudo. O Ivan sempre se destacou e sempre teve o apoio dos outros, que sempre o respeitaram», acrescentou, confessando que o início no futsal o ajudou a ser o jogador que é hoje.

«Ajudou-o no contacto com a bola. O futsal é muito mais rápido, exige decisões rápidas. Ele era muito rápido de um para um, ainda hoje se nota. Ele passava o meio-campo, disparava e era golo. Nós ensinamos-lhe a rematar alto, onde os guarda-redes não chegam,receção e passe, que são coisas que ensinamos logo ao princípio. Ele foi logo habituado a isso, habituou-se à bola. Nos jogos, agarrava na bola e parecia uma serpente, passava por todos e entregava bem. Depois, teve a humilde de não se deixar deslumbrar.»

João Cicaria, vice-presidente do Fogueteiro. Foto: Miguel Nunes

Para Mário Chaves, o menino que sempre foi rápido e atrevido em campo revelou uma evolução particularmente evidente num aspeto: «Fisicamente. Ele era muito pequenito e franzino, agora está com um 'caparro', parece um lutador. Está totalmente diferente.»

Ivan Lima (à direita) com a camisola do Fogueteiro. Foto: CDR Fogueteiro

O segundo melhor da Jamaica

Conhecido pelas dificuldades sociais que marcaram a zona, o antigo Bairro da Jamaica pode orgulhar-se de ter visto nascer vários jogadores talentosos, entre eles Rafael Leão - o nome maior da comunidade e uma referência para Ivan Lima, que já confessou a José Mourinho o desejo de ser o segundo melhor jogador a sair daquele bairro. Contudo, para João Cicaria, o extremo encarnado tem potencial para ambicionar ainda mais.

«O Rafael Leão já é uma certeza, já transpôs aquela barreira da promessa. O Ivan está numa fase pelo qual o Rafael passou, quando era mais novo. Mas acredito que, mantendo o ritmo, não ficará atrás do Rafael.»

Um exemplo para o futuro

Recém-chegado ao topo do futebol português, Ivan Lima não esquece as suas raízes nem quer que elas sejam esquecidas pelos outros. No Fogueteiro, garantem-nos que o extremo volta sempre que pode, sempre que é convidado e o calendário apertado do Benfica o permite. Regressa aos pavilhões onde começou a dar os primeiros toques não apenas para matar saudades, mas para se assumir como exemplo para os mais novos.

O pavilhão do Fogueteiro. Foto: Miguel Nunes

«Quando pedimos para cá vir, está sempre disponível. Tira fotografias, conversa e aconselha os miúdos. Todos o conhecem e os miúdos adoram quando ele cá vem», disse João Cicaria, deixando, ainda, um desejo para o futuro do jogador:«Estimamo-lo muito, sabemos que ele nos estima e esperamos vê-lo no onze do Benfica e na Seleção. Ele merece. Tem tudo para lá chegar - habilidade, velocidade, cabecinha. Enquanto mantiver a cabeça no lugar, acreditamos muito nele.»