Filipa Patão: «Quanto mais nos tentarem cortar as asas, mais vamos querer voar mais alto»
A derrota com o Hammarby impediu que a equipa repetisse a presença na fase de grupos da Liga dos Campeões, que corresponde aos oitavos-de-final da prova. Sente que o plantel, na altura, talvez ainda não estivesse preparado?
Acho que toca em algo que pouca gente tocou na altura e que acho que é importante: confrontámos pela primeira vez, numa fase diferente da época, uma equipa de um campeonato que já estava mais ou menos a meio e nós, normalmente, quando defrontamos este tipo de equipas como o Rosengard ou Hammarby, que são equipas que normalmente apanhamos quando? Na fase de grupos.
Acho que foi, talvez o nosso pior jogo e temos de ser honestos e falar francamente das coisas: foi dos piores jogos europeus que tivemos em casa. Foi um jogo muito difícil para nós e temos de ter a consciência disso. Não estivemos bem, não estávamos preparados, naquela altura, para aquele jogo e aquele momento e lá está: há que olhar para as coisas também pelo lado positivo e no que conseguimos retirar. Claro que é difícil agora falarmos em coisas positivas quando somos eliminados de uma Liga dos Campeões, podemos dizer que nada tem de positivo, mas gosto de olhar para as coisas de outra forma.
Se o jogo voltasse a realizar-se hoje, o Benfica venceria?
Naquela altura, não estávamos preparados, não tínhamos a consistência necessária para aquela prova e, se calhar, ao longo da época não iríamos ser o Benfica a que temos habituado a Europa e acho que isso também não seria bom.
Ao longo da época, fomos crescendo muito e agora, tocando na sua pergunta, neste momento na forma em que estamos, se defrontássemos o Hammarby posso arriscar dizer que acho que o resultado iria ser diferente ou, pelo menos, a nossa exibição iria ser bem diferente daquela que foi aqui em casa.
Logo a seguir à conquista do título, a Filipa tem uma frase de destaque e que causou alguma sensação, que foi no início da época cortaram-nos as asas, mas continuámos a voar. Está a referir-se a alguém em concreto?
Em concreto? Se fosse aqui agora pegar em nomes… não, simplesmente acaba por ser o simbolismo que a nossa camisola tem. Portanto, não é uma frase dirigida a X, Y ou Z, é o futebol que vivemos em Portugal, sabemos perfeitamente que, sendo nós o Benfica e uma equipa com a responsabilidade que temos todos os dias, é normal que queiram todos os dias condicionar-nos e evitar que ganhemos.
Quando vemos alguém que está no topo, uma equipa que está no topo a ter sucesso, é normal que a mensagem que se crie, que seja passada é será que é agora, não é? E o barulho que vai existir à volta vai ser esse. Por isso é que falei na questão do continuar a voar, porque é isso que dá força e alimenta.
A adversidade tem de alimentar a competição e, quanto mais adversidade tivermos, quanto mais dificuldade tivermos, mais temos vontade de sermos melhores e mais fortes. Por isso digo, quanto mais nos tentarem cortar as asas, mais nós vamos querer voar mais alto. Não é contra ninguém em concreto, não é em específico para nada nem ninguém, é específico para o nosso contexto, Benfica. Se esta casa quiser continuar a ser a casa que é, e eu acredito que sim, vai ser sempre isto.
A Filipa foi a primeira treinadora a alcançar um pentacampeonato, ao qual se juntam cinco Taças da Liga, duas Supertaças e uma Taça de Portugal, com apenas 36 anos. Sente-se uma treinadora realizada?
Essa é uma pergunta difícil, porque acho que vou ser a pessoa que eternamente nunca estará contente, por isso é que depois me chamam carrancuda (risos). Digo-o com a máxima sinceridade, só tive a noção dessa questão de ser a única treinadora pentacampeã quando saiu a notícia, portanto veja lá onde é que está o meu foco.
Acho que posso revelar isso, a jogadora não me vai levar a mal, está em poder ouvir aquilo que ouvi de uma das nossas capitãs, da Pauleta que, olhe, posso dizer-lhe que foi ela quem deu a palestra antes do jogo com o Valadares. Não fui eu, foi a Pauleta. E ela, a primeira coisa que diz na palestra foi relembrar-se de há cinco anos, daquilo que transmiti ao plantel no meu primeiro ano. Isso diz-me muito do que é o plantel do Benfica e da ideia que temos construído todos juntos, todos os dias e todos os anos desde que aqui estou.
Teve um significado especial para si?
A Pauleta disse: a primeira coisa que a míster disse foi que veio para cá para valorizar a atleta no futebol feminino, dentro de Portugal, e a verdade é que isso tem sido feito. Ouvir uma atleta a dizer isto diz-me muito do que é o nosso trabalho e do que são as minhas ambições. As ambições não são para mim.
Essas pequenas coisas de se fazer mais história aqui, menos história ali, mais título ali ou ali, é bom, aquece a alma mas não é o que acho que vai ficar para mim quando um dia deixar de trabalhar, quando um dia deixar de estar no mundo do futebol, é sentir que realmente consegui mudar a vida das jogadoras, dos clubes, do futebol feminino, primeiro em Portugal e depois também, se possível, no mundo, porque acho que há muita coisa para fazer e acho que eu sou ambiciosa o suficiente para querer participar nessa mudança.
Costumo dizer uma coisa engraçada que é: podes não conseguir mudar o mundo, mas podes mudar o mundo de alguém. Portanto olhe, pelo menos esta atleta que falou disso já conseguiu mudar alguma coisinha, porque se lembrou daquilo que eu disse há cinco anos.
Está ligada de forma indiscutível à história do Benfica como treinadora e, antes, já tinha conquistado títulos como jogadora. Tem pena de, na altura em que jogava, não existir o Benfica no campeonato feminino, o que lhe poderia ter permitido ganhar ainda mais títulos?
Não sei, eu nem sei se tinha qualidade para jogar no Benfica, está a ver (risos)? Não, tenho pena por não ter podido representar, enquanto jogadora, o Benfica. Isso terei sempre pena porque isso teria sido um sonho e teria sido muito feliz, de certeza absoluta, se tivesse sido jogadora do Benfica.