Fernando Diniz faz reflexão: «Quase todos os jogadores vêm de lugares desfavorecidos»
Fernando Diniz, treinador do Vasco da Gama, que conta com Nuno Moreira, participou no 2.º Fórum Brasileiro dos Treinadores de Futebol e fez críticas à forma como o futebol e, principalmente, os jogadores são tratados no Brasil e referiu que o país precisa mais de uma revolução psicossocial do que tática.
«As pessoas olham para mim como se fosse obcecado pela parte tática. Eu sou obcecado em fazer o melhor para o jogador. Se eu desenvolvo uma coisa na parte tática e as pessoas acham diferente, tenho pouco ouvido para o que está fora e muito ouvido para o que está dentro. Eu desenvolvo uma construção constante, inacabada daquilo que é melhor para os jogadores e com os jogadores. O que eu persigo a vida inteira é mudar a vida de um John Kennedy, de um Rayan. Do Coutinho, que também precisa de ajuda, porque tem dinheiro, passou por grandes clubes e disputou o Campeonato do Mundo, mas queria parar de jogar. Agora não quer. No fundo, todos precisam de ajuda», começou por dizer, no evento organizado pela Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol.
«Acho que o principal problema do Brasil é psicossocial, não tem tanto a ver com o futebol. As discussões do futebol não têm a devida preocupação. Os treinadores de futebol, antes de tudo, são educadores, independentemente da fase e do clube em que estás, se é da formação, se é equipa grande, pequena... Temos o poder de transformar muitas vidas. Eu sou treinador por causa disso, eu não sou treinador principalmente para ganhar título e levantar taças. Isso é uma consequência do trabalho que eu desenvolvo para poder melhorar a vida dos jogadores e das pessoas que assistem», acrescentou, falando da sua experiência.
«Comecei a jogar futebol com nove anos, então tenho mais de 40 anos no meio do futebol. A minha vida de jogador foi para aprender a ser treinador, não fiz curso, fui aprendendo com os treinadores que tive. Os jogadores estão carentes e sedentos de quem cuide deles. Quase todos vêm de lugares desfavorecidos, favelas, são esses que são os grandes jogadores. E como se tornam grandes jogadores? Muito tempo na rua, sem a intromissão de adulto, a aumentar o repertório motor, a criatividade e a jogar à bola o dia inteiro. Se está muito tempo na rua, está longe da escola e longe da vigilância dos pais», apontou, fazendo um paralelo com a Europa.
«Quando um jogador tem 19 ou 20 anos, tem de responder a esse massacre que é imprensa, as redes sociais, um estádio cheio. Não é a copiar a Europa que a vamos melhorar muita coisa aqui. Todos esses craques cresceram a jogar futebol livremente e a ser criativos. Não é na Europa que sabem lidar com esse tipo de gente, o jogador que vai lá a precisar de ajuda vai e volta rapidinho», prosseguiu.
«Ser treinador e jogador no Brasil é das coisas mais difíceis e a gente valoriza pouco. Há muito treinador bom aqui, é injusto ter uma chancela de estrangeiro e ser tratado de uma maneira melhor, é um completo de colónia o tempo todo. O que vem de fora é bom, o que está aqui é mau, mas não trocamos jornalista, dirigentes. Só trocamos treinador e jogador. Estamos a ir por um caminho errado. A revolução no Brasil é mais psicossocial do que um programa tático, técnico e físico», completou.
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