Feio, Porco e Mau
Kiev. Anos a fio associei a capital da Ucrânia a dois jogos de futebol de equipas portuguesas.
Em 1987, a 22 de abril, o FC Porto de Artur Jorge carimbou passaporte para a (vitoriosa) final de Viena da Taça dos Clubes Campeões Europeus no Estádio Olímpico, triunfo por 2-1 sobre o Dínamo Kiev, golos de Celso e Fernando Gomes, vantagem atenuada por Mykhaylychenko para que se repetisse o desfecho da primeira mão, nas Antas. Na época anterior, a então equipa soviética conquistara a Taça dos Clubes Vencedores de Taças, vitória sobre o Atlético de Madrid (3-0) com uma exibição de sonho.
Uma geração de ouro liderada por Valeriy Lobanovskyi, o treinador que orientou a União Soviética no México-1986 com 12 jogadores do Dínamo Kiev na convocatória, entre os quais dois Bolas de Ouro, os avançados Oleg Blokhin (1975) e Igor Belanov (1986) — proeza que outro ucraniano, Andriy Shevchenko, em 2004, 13 anos após a independência da URSS, também alcançou.
Em 1991, a 27 de novembro, na última edição da Taça dos Clubes Campeões Europeus, já com fase de grupos a anteceder a chegada da Liga dos Campeões, na temporada seguinte, o Benfica, de Sven-Goran Eriksson, perdeu em Kiev, por 0-1, obra de Salenko (selaria no Mundial-1994, ao serviço da Rússia, recorde de mais golos num jogo da história da competição, cinco, num 6-1 frente aos Camarões).
Desta segunda memória de Kiev guardo as imagens arrepiantes da gravíssima lesão de Rui Águas — retratada, nua e crua, numa primeira página de A BOLA com fotografias de Nuno Ferrari — que ficou com o pé direito pendurado. «Tive uma lesão muito grave e perdemos com um golo que nasceu de um mau passe meu. Dificilmente poderia ter sido pior», destacou o antigo avançado por mais de uma vez.
Com a excelente companhia dos saudosos Vítor Queirós e Paulo Esteves, estive como enviado-especial de A BOLA em Kiev para um encontro da Champions entre o Dínamo e o Boavista, a 30 de outubro de 2001. O Boavistão, de Jaime Pacheco, com Ricardo, Bosingwa, Frechaut, Pedro Emanuel, Petit, Sánchez, Martelinho, Duda e Silva, acabadinho de ser campeão nacional, foi derrotado, por 0-1, mas apurou-se para uma segunda fase de grupos na qual se despediria da prova milionária.
Recordo uma cidade de edifícios imponentes em que a pobreza convivia com chocantes sinais exteriores de riqueza, expressos, sobretudo, no parque automóvel, e um povo ávido de contacto com o exterior, pronto a questionar-nos sobre Luís Figo, o grande nome à data do futebol português, Bola de Ouro em 2000.
A 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia e ao fim de três anos ainda não conseguiu cumprir o objetivo que garantira ser possível de alcançar em três dias. Os ucranianos resistem e na sexta-feira, enquanto ouvia as palavras do estadista Volodymyr Zelensky e os urros do boçal Donald Trump, na Sala Oval, lembrei-me que o presidente dos Estados Unidos da América poderia ser protagonista de uma nova versão do célebre Feios, Porcos e Maus, do cineasta italiano Ettore Scola, agora com o título totalmente no singular — Feio, Porco e Mau.