Dembélé esqueceu os filmes para adultos e os jogos para sonhar com a Bola de Ouro

Esta é a temporada dele, sem dúvida. Ficou claro após Anfield, onde desmantelou o Liverpool. O mundo do futebol comenta como o francês atormentou os defesas dos reds nos dois jogos, ultrapassando-os com a frieza de um predador para os derrotar nos momentos cruciais – com o golo decisivo e com a conversão de uma grande penalidade. Dembélé coroou assim um início de ano de sonho, sendo estatisticamente o melhor jogador das principais ligas. Já leva 21 golos, mais seis do que o seu compatriota e perseguidor mais próximo, Kylian Mbappé.

Olhando para a temporada, é sem dúvida a melhor da sua carreira, com 29 golos e seis assistências em todas as competições. Alguns diriam que é um candidato legítimo à Bola de Ouro, juntamente com Mohamed Salah e Raphinha. Deu um golpe no egípcio no duelo da Liga dos Campeões, e o tempo dirá quem será mais produtivo e levará a sua equipa mais longe na corrida final com o brasileiro do Barcelona. Contudo, o caminho de Dembélé até às glórias não foi fácil, principalmente por culpa própria.

Poucos aos 20 anos conseguem manter a cabeça fria e agir com naturalidade ao receberem uma chamada do Barcelona, com uma proposta de 135 milhões de euros, tornando-se a segunda transferência mais cara da história do clube. Tudo isto fruto do seu enorme potencial, mas também do efeito dominó provocado pela saída de Neymar do Barcelona para o Paris Saint-Germain por 222 milhões.

No Camp Nou, foi apresentado como um jogador melhor do que Mbappé e que um dia poderia ser o melhor do mundo, se trabalhasse corretamente. Estas foram as palavras do treinador Xavi Hernández, recebidas com algum ceticismo na altura, mas que oito anos depois se revelariam visionárias. Até o lendário espanhol chegou a desistir dele, afastando-o da equipa e provavelmente pensando que tinha cometido um grande erro ao promover Dembélé.

Tudo porque o jogador natural de Vernon, no norte de França, se comportou como um amador, e não como um profissional. Chegou à Catalunha sem qualquer lesão no Rennes e no Borussia Dortmund, para num dos maiores clubes do mundo sofrer 14, a maioria delas musculares. No total, esteve 784 dias fora dos relvados, ou seja, mais de dois anos.

É sabido que o descanso é crucial para atletas de alta competição, e a importância do sono é inquestionável, especialmente para futebolistas de topo. No entanto, Dembélé ignorava aspetos básicos, essenciais até para semiprofissionais. Chegava a treinar sem dormir, após passar a noite a jogar PlayStation com amigos e a alimentar-se mal, o que levou o Barcelona a providenciar-lhe cozinheiros particulares.

No clube, criticavam-no por ver filmes para adultos até tarde em vez de descansar, por violar repetidamente o regulamento disciplinar, sendo castigado e demorando a perceber os seus erros. Em Espanha, era visto como um jogador de fogachos, incapaz de aproveitar o enorme potencial.

Durante seis anos em Barcelona, mal mostrou sinais de vida em dois deles, certamente ninguém ficou entusiasmado e a separação aproximava-se. Dembélé não estava interessado em futebol, mas deu a volta por cima quando de menino se tornou homem da noite para o dia...

Diz-se que Dembélé mudou após o seu casamento em dezembro de 2021. O casamento em Marrocos foi uma surpresa para os seus amigos e colegas de equipa, tanto que muitos deles nem sabiam da existência da sua parceira, Rima. Tiveram um filho e Dembélé começou a mudar nas últimas duas épocas no Barcelona.

As oportunidades surgiram com maior frequência, a forma física melhorou e começou a investir em si próprio, recorrendo a um fisioterapeuta particular e deslocando-se frequentemente a França para tratamentos preventivos específicos, tudo para evitar lesões. A sua perspetiva sobre a vida, e consequentemente sobre o futebol, mudou. Percebeu a importância da nutrição e contratou um nutricionista para o ajudar a transformar a sua carreira. E conseguiu.

Só que os frutos desse trabalho não foram colhidos pelo Barcelona, mas sim pelo PSG, que o contratou no verão de 2023 por pouco menos de 50 milhões de euros. Para os padrões atuais do futebol mundial, é uma ninharia, mas na Catalunha queriam livrar-se dele o mais rápido possível.

O fracasso em Barcelona não o deteve, Dembélé nunca teve falta de confiança e acreditava que em Paris podia construir um futuro melhor. E conseguiu-o na segunda temporada no Parque dos Príncipes, precisamente quando saiu da sombra de Mbappé.

Tomou consciência da responsabilidade que carrega, chegando a mudar de posição para falso nove e a melhorar a comunicação com o treinador Luis Enrique, apesar de alguns desentendimentos com ele. O espanhol despertou em Dembélé uma fome de futebol nunca antes vista no virtuoso francês e fez dele um dos melhores jogadores do mundo na atualidade, com o sonho da Bola de Ouro mais vivo do que nunca na carreira.