Cadeira de sonho ou bancada de pesadelo?
Conheci André Villas-Boas na temporada 2002/2003, quando o agora dirigente era o observador prévio dos adversários do FC Porto. À altura diretor de Comunicação do Santa Clara, tratei de o receber o melhor possível no Estádio de São Miguel, em Ponta Delgada, uma semana antes de uma visita do clube açoriano ao estádio das Antas.
Jovem, metódico, organizado e muito discreto na componente pública e social das suas funções, já há 22 anos o agora presidente dos azuis e brancos dava mostras de algumas qualidades necessárias para ter sucesso no muito exigente mundo do futebol profissional.
O resto é um livro de história e de estórias de sucesso, com a carreira de treinador em primeiro plano, mas sempre com uma declaração que, no momento, muito terá espantado os mais atentos: «Não vou ser treinador por muito mais tempo.»
Das duas, uma: ou, de facto, a veia metódica e previsional de André Villas-Boas desde muito cedo lhe apontava outros caminhos, ou os desencontros da atividade profissional no futebol de alto rendimento acabaram por produzir uma coincidência épica e, de facto, levá-lo por outros caminhos.
Afinal, a sua «cadeira de sonho», expressão que integrou de imediato os soundbites do futebol português quando a proferiu, investido por Pinto da Costa na condição de treinador principal do FC Porto, era outra, era ainda mais ambiciosa, ainda mais relevante e ainda mais estruturante para o que possam pretender, numa perspetiva de médio e longo prazo, os associados e adeptos do grande clube da Invicta.
Porque a sua experiência como treinador de elite e em competições de alto nível pode ser importante, não restem dúvidas. Mas não será determinante para o sucesso de um mandato presidencial que, fatalmente, começou sob o manto de uma liderança histórica de Jorge Nuno, com todas as suas virtudes e defeitos mas, claro, também com todos os inegáveis sucessos de 40 anos que alcandoraram os portistas ao patamar de clube representante de uma nação no universo do futebol mundial, quando, quatro décadas antes, era um mero — e não tão significativo assim — emblema de cidade e região.
Foi o discurso de confrontação permanente de Pinto da Costa que, curiosamente, alcançou dois alvos estratégicos: projetar o clube além-região e além-fronteiras, mas mantê-lo num controlo absoluto (quase uma Opus Dei, como alguém muito cotado no universo do dragão me dizia, há alguns anos, no seu gabinete da Torre das Antas), e virá-lo para dentro, no que diz respeito à paixão, aos valores que defende e à base popular de implantação que continua a ser trave mestra de sustentação.
André sabia ao que ia, quando confrontou Pinto da Costa. Leu bem o desgaste do anterior líder, percebeu as dinâmicas de intervenção junto dos associados e absorveu a sede de um impulso que a grande maioria revelava (e confirmou nas urnas).
Do ponto de vista administrativo, organizacional e financeiro, a intervenção era urgente, escamoteados que terão sido, numa última fase da liderança pintista, aspetos estruturantes da quase falência técnica do gigante da cidade do Porto.
Mas a história corrente dos principais emblemas faz-se da diferença entre a bola que bate na barra e entra, para a que, batendo também na barra, não entra na baliza.
A componente desportiva, não sendo estruturante nos princípios orientadores de gestão de uma grande empresa, é, porém, conjunturalmente decisiva para a criação de ambiente de sustentação do de todo o edifício projetado. Quer dizer, ou há vitórias, pelo menos intermédias, que equilibrem o sonho, ou virar as costas é o primeiro sinal para a quebra de uma confiança depositada (e de que maneira) nas urnas, ainda por cima humilhando o presidente mais titulado do Mundo.
Aqui chegados, importa refletir sobre dois falhanços (não se lhes pode atribuir outro nome…) em contratações nucleares para esta temporada. Vítor Bruno e Martín Anselmi entram na lista dos flops desportivos, em função dos resultados (não) obtidos e, por consequência, na responsabilidade direta do presidente André Villas-Boas pelas respetivas chamadas ao comando azul e branco.
Bruno, também, por tudo o que envolveu a sua promoção a chefe de equipa, tendo sido adjunto de Sérgio Conceição. Haverá aqui matéria para análise de comportamento e definição de Ética, mas não vamos por aí.
Basta reparar na necessidade encontrada por Villas-Boas, muito pressionado pela opinião pública do clube, para a sua rendição, a meio da temporada.
E também aí, apertado entre a rigidez do modelo financeiro e a necessidade de «dar um murro na mesa», o líder entrou em confronto direto com os mexicanos do Cruz Azul para contratar o comunicólogo com paixão pelo futebol e que, obviamente, teria como um dos grandes objetivos de carreira deixar a liga mexicana e cruzar o Atlântico até à Europa.
Num e noutro casos, momentos houve em que o erro de casting foi notório, fosse pela inabilidade em compreender os desafios colocados, pela inconsistência tática ou pela inexperiência como técnicos de uma equipa que se projeta para a elite.
Mas há um responsável maior. André Villas-Boas, cujo estado de graça terminou e que tem de decidir, para mostrar e confirmar que esta é, verdadeiramente, a sua cadeira de sonho.
Se o não fizer rapidamente, passará a ter de enfrentar uma bancada de pesadelo, sedenta de golos, exibições, vitórias. De um Porto de Honra, portanto.