Treinador português está sem clube, depois de ter treinado Botafogo e Fortaleza em 2025

Benfica, sucesso no estrangeiro e porta aberta a FC Porto e Sporting: «Não treinar? Fico insuportável»

Renato Paiva reforça a paixão pelo treino e pelo jogo e assume que tem como objetivo continuar a trabalhar em clubes e (ainda) não em seleções. Do passado no Equador, no Brasil e no México ao (provável) futuro no Chile. Benfiquista assumido, mas com porta aberta a dragões e leões. E ainda a experiência no Botafogo e a relação com John Textor

Aos 55 anos, Renato Paiva tem um passado umbilicalmente ligado à formação do Benfica, onde lançou e ajudou a potenciar imensos jogadores que hoje dão cartas a nível europeu e mundial, mas o seu percurso tem também contemplado sucesso além-fronteiras. Nesta entrevista exclusiva concedida a A BOLA, o treinador, cujo futuro pode passar pelo futebol chileno, revisita o passado e olha para a frente repleto de objetivos.

— Esteve muitos anos ligado à formação do Benfica e o passado recente catapultou-o para outros voos e com bastante sucesso no estrangeiro, casos de Equador, México e Brasil. Fale-nos um pouco sobre o seu percurso.

— Deixe-me começar por dizer que estou no jornal que tem uma ligação muito sentimental para mim, porque foi ao colo do meu avô que soletrei pela primeira vez uma palavra. Segundo a minha família, esse momento foi a ver o jornal A BOLA, talvez há uns 50 anos. Toda a minha família tem um carinho muito grande pelo jornal A BOLA e é sempre um gosto ter as vossas portas abertas para mim. Comecei a jogar nas camadas jovens do Vitória de Setúbal, mas quando mudei de escalão os estudos eram de manhã e os treinos também, pelo que os meus pais só me deram duas opções: ou estudar ou estudar. Ainda fui para o futsal e é aí que o Naná me convida para ser adjunto. Eu já andava muito na pesquisa do treino e nesse momento, em que estou a ler uma tese de formatura do Carlos Carvalhal, ele vai treinar o Vitória de Setúbal, na segunda divisão. Pedi ao presidente se podia assistir aos treinos, ele apresentou-me ao Carlos, que disse logo que sim. O adjunto era o Rifa e o diretor-desportivo o Quinito. Fizemos amizade e no final dos treinos íamos almoçar, comer um peixinho, e os papéis da mesa ficavam todos riscados com desenhos de futebol [risos]. Foi aí, confrontando a teoria e a prática, que comecei a beber muitíssimo e houve um crescimento forte.

— Segue-se uma longa caminhada nas camadas jovens do Benfica, com sucesso nos resultados desportivos e na formação de jovens jogadores que chegaram ao topo.

— Entro para o Benfica quando há uma abertura para o scouting de jovens. Vou a uma entrevista com o António Carraça, na altura diretor da formação, mas já tinha o intuito do treino. Fui ver jovens, andei muitas manhãs e tardes a ver jogadores, à chuva, nos pelados, à procura dos pais... Depois entro para a área do treino, primeiro como adjunto do Bruno Lage, e depois o Jaime Graça chamou-me e disse-me que eu ia treinar os sub-14. Depois dá-se a construção do Benfica Campus e não podemos negar a importância da evolução das infraestruturas. Quando o presidente [Luís Filipe Vieira] olha para a questão da formação de valores, tipo Bernardo Silva, que não vestiram a camisola do Benfica e estão a brilhar em clubes de fora... A partir desse momento, foram profissionalizados os treinadores da formação, que hoje são praticamente os mesmos e os que saíram foi por vontade própria, pelos convites que tiveram para seguirem as suas carreiras.

— Chegou a estar às portas da equipa principal do Benfica, mas depois acabou por sair, rumou ao Equador e sagrou-se campeão no Independiente Del Valle.

— Eu tinha informado o presidente Luís Filipe Vieira que queria sair quando aparecesse um projeto importante. Foram aparecendo alguns, entre os quais de Portugal, e depois também o Independiente, que me interessou logo porque no início das entrevistas falaram-me logo da formação. Senti que era muito a minha cara. As entrevistas duraram dois meses, falei com quase toda a gente do clube e na última entrevista disse ao presidente que dos três treinadores que tinham ficado qualquer um deles seria muito bem escolhido. Acabei por ser eu. Um clube com uma metodologia muito parecida com a da Europa, na formação. Estávamos em 2021, o clube tinha vindo de ganhar a Sul-Americana, mas o campeonato nacional ainda não tinha sido ganho. Até porque o Independiente não é um dos crónicos candidatos. Mas acabámos por conseguir conquistar o título.

— Conquistar logo um título no primeiro projeto a nível sénior foi como juntar o útil ao agradável...

— Sim. E, tal como diz o nosso amigo JJ [Jorge Jesus], também tivemos nota artística. Além das 11 vendas que o clube fez em ano e meio. Depois de ser campeão fiquei às portas do Los Angeles FC, ainda fui para Los Angeles para assinar, mas não assinei. Houve o Pachuca... e depois aparece o León. Tive vários convites. Ganhámos, apresentámos qualidade e potenciámos jogadores.

— Depois teve mais experiências no estrangeiro, no México e no Brasil. O que cresceu com tudo isto?

­— Ui! Cresci em tanta coisa... Encontrei grupos difíceis de trabalhar, outros super abertos, realidades exigentes de jogar para ganhar títulos e outras para não descer de divisão. Fomos campeões baianos no Bahia, por exemplo. O crescimento, em situações positivas e negativas, é geral. Porque foram projetos altamente diferenciados. No Botafogo, por exemplo, é uma pessoa que manda e decide sozinha, é dono e não quer saber.

— Falemos de John Textor, uma pessoa altamente controversa. O que é que se passou realmente entre si e John Textor? Que relação teve com o dono do Botafogo?

— Entendo a sua pergunta, mas eu não preciso de falar sobre John Textor porque ele fala por si próprio. Tudo aquilo que faz e diz é claro e, depois, quem está no meio, julga. A sua comunicação define-o. Dessa passagem, preferia dizer que trabalhei num clube absolutamente fantástico, com um grupo de jogadores único, cuja empatia e sinergia eram totais e absolutas. E com um apoio absurdo e uma identificação total com as pessoas com quem trabalhei no meu dia a dia. Ainda hoje nos relacionamos no Rio de Janeiro. Encontrei uma equipa que vinha de ser campeã da Libertadores e do Brasileirão, mas completamente dilacerada, com 12 saídas. Houve algumas contratações que não resultaram, também por falta de paciência e de tempo, e acabámos por ir de menos a mais. Quando embarcámos no avião para irmos para o Mundial de Clubes, em junho, tínhamos 13 jogos sem perder, oito vitórias, dois empates e um deles com este Flamengo, no Maracanã, e duas derrotas, com o Bahia e com o Capital, para a Taça, em que jogámos com uma equipa secundária. Vamos para os EUA a seis pontos do Flamengo, com a segunda melhor defesa do campeonato, vivos na Libertadores e na Taça do Brasil. Perante o grupo que tínhamos no Mundial, com PSG e Atlético Madrid, dizia-se que veríamos se não seríamos goleados. Estávamos no grupo da morte. Ganhámos ao Seattle, ao PSG e tínhamos de perder por três com o Atlético Madrid para sermos eliminados. Perdemos por um e no último minuto. Hoje diz-se no Brasil que a vitória mais emblemática do Botafogo foi essa com o PSG. Aliás, esse senhor [John Textor] disse-me na cara que era o dia mais feliz da vida dele. Deu-me, inclusivamente, um beijo em público. Eu do Botafogo fico com isto. Os números falam por nós, as ações do senhor falam por ele.

— Segue-se o Fortaleza, onde as coisas não correram tão bem quanto desejaria. O que falhou?

— Volto a entender a sua pergunta, aliás, eu não sou de fugir a perguntas, mas sobre o Fortaleza não vou falar. E não vou falar porque acho que ninguém pode ser avaliado num mês de trabalho. Ninguém é técnico num mês de trabalho. Peço imensa desculpa, mas vou deixar assim. Está no meu currículo, porque assinei um contrato, porque estive lá e fiz jogos pelo Fortaleza, mas ninguém é profissional de nada com um mês de trabalho.

— Com exceção a esse tempo no Fortaleza, sente que no estrangeiro há outro tipo de estabilidade para os treinadores quando comparamos com o que acontece em Portugal?

— Depende dos contextos. Hoje em dia, e cada vez mais, é raro encontrar-se quem avalie pelo processo. É a ditadura do marcador, do resultado. Futebol é rendimento e resultado, mas, na minha opinião, não é só. Porque só ganha um e então tinha de estar sempre tudo a mudar. Encontrar, por exemplo, um projeto como o do Palmeiras, em que o Abel tem tido um êxito tremendo, derivado do seu trabalho e da sua competência, só é possível devido ao projeto e à estrutura que o apoia incondicionalmente. Estas duas questões são indissociáveis: quem dirige e quem treina. Quando isto se desfaz em caminhos diferentes, o desfecho é claro. Houve uma coisa que me marcou claramente quando cheguei ao Del Valle. Tive duas derrotas nos dois primeiros jogos e após essa segunda derrota, estava eu sentado no autocarro, e recebo uma mensagem do presidente a dizer para eu estar tranquilo porque sabiam como nós trabalhávamos. Disse-me para continuar com as minhas convicções no trabalho e no final da época seríamos campeões. Isto tem de andar sempre lado a lado.

— Até porque, e voltando ao Botafogo, projetou jogadores que foram vendidos para a Premier League. Isto deve ser avaliado.

— Vários. O próprio Igor Jesus disse-me, depois de jogos com o Universidad do Chile e o PSG, que tinham sido os melhores jogos que tinha feito na carreira e que se sentia como não se tinha sentido como nenhum treinador. Isso tem muito valor, obviamente. É uma das facetas de um treinador. O Palmeiras do Abel, por exemplo, quando não ganha está na luta. Está na luta! Depois disso e do excelente Mundial que tínhamos feito, ninguém no Botafogo queria acreditar no que estava a acontecer.

— Fala-se nos bastidores que o seu próximo projeto poderá ser no Universidad do Chile. Confirma?

­— Como sabe, saí para aquele quadrante do mundo, que é a América do Sul e a América Central, e ali estou a desenvolver trabalho. É normal que esse trabalho atraia atenções de quem dirige. Olho para o Universidad do Chile como um gigante do campeonato chileno e um clube muito grande do panorama da América do Sul. É um clube que luta constantemente para ser campeão e claro que é sempre apetitoso para um treinador. Eu gosto de desafios grandes, mas a única coisa que agora posso dizer é que é um clube muito grande e nenhum treinador pode dizer que não a clubes grandes.

— Está com 55 anos e, portanto, com muita carreira pela frente. Que projetos tem?

— Treinar. A minha vida passa por isto. A minha esposa sabe e diz-me várias vezes, com razão, que eu fico insuportável quando não trabalho. Posso até dizer que fui abordado para treinar uma seleção...

— ... Qual?

— Não posso dizer.

— Mas europeia?

­— Não. Da América do Sul. Mas eu sinto-me jovem demais para treinar uma seleção, ainda é cedo. Quero é treinar todos os dias, ter jogos. É isso que me desafia.

— Treinar na primeira Liga em Portugal é sonho ou objetivo?

— Eu não tenho sonhos. E quando durmo sonho muito pouco. No futebol tenho objetivos, isso é claro para mim. Já tive alguns convites, ainda agora, no início desta temporada. Em Portugal despede-se com imensa facilidade e é uma pena importarmos hábitos nocivos. Não me atrai voltar a Portugal tão cedo, mas, sendo português, não gostaria de terminar a minha carreira sem treinar na Liga.

— Tem uma ligação de muitos anos com o Benfica. Será sempre um treinador de porta aberta para treinar FC Porto ou Sporting?

­— Sempre. Sou um profissional. Era sempre mais fácil dizer que sou da Académica ou do Belenenses. Se não assumisse o meu benfiquismo estaria a trair a minha família, os meus amigos e a minha consciência. O FC Porto e o Sporting são clubes gigantes e não acredito que haja treinadores que possam fechar portas a clubes gigantes. Ser de um clube não significa ser contra outros clubes. Vejo adversários, não vejo inimigos. Um dia, se isso acontecesse, quereria, obviamente, ganhar todos os jogos.

Veja aqui a entrevista na íntegra: