«Achei que deveria ser dada a oportunidade a uma pessoa que esteve mais de uma dezena de anos ligada aos órgãos sociais», partilhou.

Bagão Félix: «Não estou ferozmente contra Rui Costa, estou a favor de um caminho diferente»

Candidato à presidência do Conselho Fiscal pela lista de Noronha Lopes defende que o Benfica entrou numa fase de lassidão. Está numa equipa com «princípios éticos e provas dadas profissionalmente»

António Bagão Félix, 77 anos, dispensa muitas apresentações, mas por dever de ofício cumpre-nos pelo menos dizer que é o sócio 6.102 do Benfica, que exerceu funções de vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral de 1992 a 1994, foi Ministro da Segurança Social e do Trabalho de 2002 a 2004, das Finanças e da Administração Pública de 2004 a 2005 e é candidato a Presidente do Conselho Fiscal pela lista de João Noronha Lopes. Voz respeitada no universo do Benfica, da política, da sociedade portuguesa, economista, gestor, botânico, fala em grande entrevista a A BOLA.

— Em primeiro lugar, porque é candidato a presidente do Conselho Fiscal pela lista de João Noronha Lopes? 

— Muito obrigado pelo convite, é um gosto estar aqui n’A BOLA e nas novas instalações que não conhecia. Sou candidato porque fui desafiado por João Noronha Lopes. Enfim, talvez com a minha idade já devesse estar mais sentado no sofá apenas a ver os jogos, mas achei o projeto tão interessante, tão empolgante, tão autêntico, tão genuíno do ponto de vista do benfiquismo e tão profissional do ponto de vista de densidade gestionária que acabei por aceitar o convite. Porque, até lhe digo uma coisa, não vislumbro que tivesse aceitado este convite com outras pessoas, foi mesmo com João Noronha Lopes apenas.

— Que contributo poderá dar ao Benfica

— Em primeiro lugar, em caso de ser eleito como presidente do Conselho Fiscal, o de exercer bem essas funções. É um órgão importante, em que os sócios depositam confiança. Devem entender um Conselho Fiscal como guardião da confiança dos sócios. É um órgão com as suas funções mais conhecidas, de fiscalização, de controlo económico, patrimonial, financeiro, económico, mas também, na medida em que me for solicitado e nos plenários dos órgãos sociais, contribuir com a minha opinião e ajudar a que o caminho que foi gizado e o programa que foi apresentado tenham eficácia e concretização vencedora.

— Em 2020, também esteve ao lado de João Noronha Lopes, mas não avançou com ele para os órgãos sociais. Houve essa possibilidade? 
— Houve. Honestamente, tenho que dizer que houve, não é? Mas, na altura, por razões de natureza profissional, entendi que não poderia ou não deveria aceitar, mas apoiei João Noronha Lopes. Aliás, tinha na altura um espaço semanal no jornal da A BOLA, onde, lembro-me perfeitamente, numa página inteira exprimi porque é que votava em João Noronha Lopes, apesar também do sentimento de gratidão para com Luís Filipe Vieira, por uma série de coisas boas que foram feitas, especialmente até à conquista do tetra e outros avanços patrimoniais e logísticos. Até creio que lhe chamei ‘O dever de gratidão e a esperança do futuro.’  E esse futuro já era, do meu ponto de vista, com o Noronha Lopes e agora mais intensamente com ele em 2025. 

— Nessas eleições de 2020, muitas pessoas ficaram desconfortáveis com o apuramento dos resultados e também com os resultados. João Noronha Lopes disse que não contestava os resultados para evitar que os benfiquistas andassem à pancadaria. Compreende essa decisão e essa justificação? 

— Compreendo. Tanto que faria da mesma maneira. Geraram-se algumas situações de desconfiança, de algum mal-estar relativamente à forma como os resultados foram apresentados, como os votos físicos foram postos numa situação um pouco estranha, mas o Benfica, acima de tudo, é o lema da campanha, e aí também era o Benfica acima de tudo. Entendeu-se que não se deveria gerar uma instabilidade e concordo inteiramente.  Aliás, daí surge uma questão consequente, que é a do voto eletrónico. Pelo menos esse mal-estar e essa penumbra que se gerou à volta dos resultados de 2020 tiveram essa consequência positiva, que é a de acautelar a veracidade da vontade dos sócios sem dúvidas. E foi isso que em 2025, de algum modo, se concretizou com o voto físico. Repare bem, o voto eletrónico é muito interessante.

— É favorável ao voto eletrónico? 

— Em tese sou, mas duas notas. Falando de eleições políticas, conhece algum país da Europa que tenha voto eletrónico, tirando a Lituânia ou a Estónia, nos países bálticos?  Não. Por alguma razão é. E a razão é que só se pode ir completamente para o voto eletrónico quando não há um por mil de dúvidas, não há nenhuma dúvida de que o sistema, que é tecnológico, com algoritmos, com aspectos que as pessoas comuns, como nós, não controlam, portanto, não pode a priori gerar qualquer fator de desconfiança. Já agora, a propósito do voto eletrónico, vi até considerações de pessoas, de algum modo ligadas à outra lista,  que com o voto eletrónico teriam votado muito mais, porque era muito mais cómodo. Não, o voto eletrónico continua a ser presencial. Não é um voto eletrónico no sentido de a pessoa poder votar em casa ou por outros meios online.  Não, exige à mesma a presença do votante. E a emissão da senha.  Nesse aspecto, não haveria alteração porque os sócios tinham que, à mesma, vir às urnas votar.

— Com exceção daqueles no estrangeiro. 

Com exceção do estrangeiro, exatamente. 

— Um ano depois dessas eleições, apresentaram-se apenas Rui Costa e Francisco Benitez e a candidatura de Rui Costa, acusando ou insinuando, no fundo, sugere pelo menos que João Noronha Lopes desistiu do Benfica. Como é que interpreta esta insinuação, acusação ou afirmação, e também a decisão de Noronha Lopes não se candidatar em 2021? 

— Só ele é que pode responder. Só posso responder que, em teoria, se me colocasse no lugar dele também não teria ido a esse escrutínio. Porque era um momento muito especial de Benfica.  Era um momento muito especial do ponto de vista reputacional,  do ponto de vista de fraturas de outra ordem que não a desportiva e que não a associativa. E Rui Costa, no fundo, foi... Vou ser sincero, votei em Rui Costa. Votei em Rui Costa porque achei que deveria ser dada a oportunidade a uma pessoa que esteve mais de uma dezena de anos ligada aos órgãos sociais, ou mesmo membro dos órgãos sociais, e que, portanto, deveria ter, naquele momento, informação e até experiência que pudesse conduzir a uma fase de passagem para um novo ciclo. Admito que, nesse aspecto, alguma coisa não correu bem. O próprio Rui Costa disse que, nesses quatro anos, aprendeu muito. Aprendeu muito, mas numa organização deste tipo, numa instituição como o Benfica, com a sua grandeza, com a sua exigência, não há presidentes estagiários. E, nesse sentido, de algum modo defraudou algumas das minhas expectativas. Pensei que estivesse melhor preparado para as exigências e para os desafios que se lhe colocaram.

— Mas não aceita, por exemplo, o argumento de Rui Costa de que, naquela altura, sim, o Benfica precisava destes candidatos todos? 

— Não, sinceramente, não. Há um aspecto que poder-se-á considerar que é algo subjetivo e que é de difícil análise, mas Rui Costa, naquela altura, personificava um fator de esperança. Aliás, viu-se na votação, não é? Poder-se-á dizer que umas pessoas são mais pessimistas, outras são mais otimistas, que esperavam melhores resultados, que esperavam piores resultados, mas ele, de algum modo, era o rosto da esperança de um Benfica fora de questiúnculas judiciais, fora de traumas reputacionais.  E, portanto, era-lhe dada esse salvo-conduto, entre aspas, para gerir o Benfica.  Enfim, foi assim que entendi e que acho que a grande maioria dos benficistas entendeu. No fundo, aquelas eleições, foram alguns meses depois relativamente à sua investidura provisória.  Aquilo apareceu numa lógica de continuidade. No fundo, mais do que uma eleição, foi mais sufragar o vice-presidente que ascendeu à presidência por demissão do anterior presidente. Portanto, não foi bem uma eleição no sentido de haver vários caridades, várias opções, etc, etc. Mas foi no sentido plebiscitário, de sufragar a sua entrada como presidente.

— Esse estado de espírito, ou essa ideia que tinha em relação a Rui Costa, acabou por ser reforçada em 2023, quando o Benfica foi campeão. Disse, então, que Rui Costa unia a razão e o coração, as finanças e os resultados desportivos. O que mudou, entretanto, para si, em relação a Rui Costa? 

— Note, não estou a ser juiz da ação do Rui Costa. Como qualquer um de nós, fez coisas certas, fez coisas menos certas ou erradas.  Não é isso que está em causa. O que está em causa, e isso que fique muito claro, é que haver seis candidaturas e agora duas, mas no início seis candidaturas aos órgãos sociais do Benfica, é um fator de vitalidade. Eu, por exemplo, estou nesta lista, pelas razões que lhe disse, mas estou nesta lista não numa visão de um filme a preto e branco, de um lado está o bem, do outro lado está o mau, ou vice-versa. Não. É uma forma diferente de ver o futuro do Benfica. Porque nós somos todos benfiquistas nos fins a atingir: vitórias de campeonatos, boa situação financeira, forte associativismo, boa formação, excelentes modalidades. Aí somos todos benfiquistas a 100 por cento. Seja quem for o candidato, desde que esteja de boa fé, obviamente. Agora, a questão que se coloca é: qual é o método, quais são os meios, qual é a forma de gerir os recursos, que tipo de investimento se faz, se é um investimento mais inteligente ou um investimento mais imediatista, para atingir esses objetivos que todos comungamos?  Posso citar apenas algumas questões, não é?  E nisso, eu, quando estou nesta candidatura, não estou, entre aspas, ferozmente contra a Rui Costa. Estou, saudavelmente e conscientemente, a favor de um caminho diferente para prosseguir os objetivos que todos nós temos à frente.

— Porque é esse caminho melhor que o do Rui Costa? 
— O caminho é melhor, do meu ponto de vista, por várias razões.  Em primeiro lugar, porque a equipa que João Noronha Lopes constituiu é uma equipa muito valiosa, do ponto de vista dos princípios éticos, do ponto de vista de provas dadas profissionalmente e de um inabalável benfiquismo. Esse é o primeiro ponto. Portanto, nós, quando estamos com uma equipa, acreditamos ou não acreditamos nas pessoas que estão connosco. Eu acredito. Em segundo lugar, porque o Benfica entrou numa fase de alguma lassidão, algum cinzentismo, que, por exemplo, se reflete nas relações com as entidades externas, desde a Federação, a Liga e os próprios media. Um Benfica algo conformista. Não ganhámos, mas estivemos quase a ganhar. Os nossos direitos têm que ser salvaguardados, mas depois não se vai ao fórum onde esses direitos a salvaguardar devem ser defendidos. Entrou-se num ambiente de algum conformismo. E o Benfica, num mercado cada vez mais concorrencial, num mundo cada vez mais difícil e complexo,  não pode ser gerido… Com bonomia, sim, com respeitabilidade, sim. Mas também com energia e com rigor. Aliás, o rigor não é adversário da ambição. É a sua base. A base para a ambição começa no rigor. Vou dar agora aqui um exemplo concreto. O que quero no Benfica, como qualquer benficaista, julgo eu,  é sentir-me bem, é ganhar, é sentir estabilidade como elemento patrimonial, também, e tudo isso. Quando a Direção de Rui Costa, que está a acabar o seu mandato, apresentou o Benfica District, disse para os meus botões: ‘mas é isto que eu quero para o Benfica? Quero que o Benfica agora tenha uma vertente imobiliária?’ Não quero qualquer vertente imobiliária. Compreendo uma lógica aí, que é a lógica de o Benfica aumentar as receitas permanentes, ou receitas não esporádicas ou arriscadas, isso é bom. Mas, mais do que construir um hotel ou uma arena,  o que é preciso, por exemplo, é, como o Noronha Lopes defende e preconiza, aumentar a lotação de estado para 83 mil pessoas, o que significa que aí temos receitas asseguradas, porque há uma fila de espera bastante grande na procura de lugares, e, portanto, receitas permanentes dentro do core business, ou seja, dentro do núcleo fundacional e fundamental do Benfica, não fora dele.

— As duas coisas não podem estar de mãos dadas?
— Não, porque eu já tenho idade suficiente para perceber que estudos fazem-se muitos e, normalmente, de agrado com aquilo que nos pedem. Os economistas são assim, os juristas também são, somos todos. Quando, por exemplo, se apresentou esse projeto do Benfica District, que em 10 anos era pago, porque permitia um cash flow de 30 milhões por ano,  para um investimento de 300 milhões, se não estou a falhar nos números, isso, no papel, é muito bonito. Mas um projeto dessa empregadura, numa atividade que é acessória, ou secundária, ou marginal, ou adventícia do Benfica… não podemos pensar que o estudo que nos garante 30 milhões por ano se vai efetivar. Muito longe disso. Aí a velhice é um posto, não é? E nós sabemos que nada disso depois acaba por acontecer e pode-se complicar. Se é preciso mais receitas permanentes, receitas estáveis,  que se façam essas receitas estáveis no core business,  ou seja, no desporto, na atividade desportiva, e, portanto, desde logo no estádio, não é?  Ou no naming do estádio, ou em determinado tipo de receitas corporate, ou seja o que for.