Animais e plantas. Em agosto, aprender com a natureza

1. Em agosto, as crianças com as famílias, muitas, regressam à chamada terra, seja ela qual for. E a terra é isso mesmo: de repente, nas férias, quem sai das cidades e vai para as aldeias, percebe que o chão não é feito de madeira ou alcatifa ou calçada portuguesa. Não é direita nem homogénea, feita de encomenda para ninguém se desequilibrar nem sujar. Uma infância com medo das quedas e da sujidade não é bem uma infância, mas adultice pateta antes do tempo.

Desaprendizagem

2. Manoel de Barros, um grande poeta brasileiro, falecido há poucos anos, é um bom exemplo da poesia que fala da necessidade urgente do humano esquecer o que aprendeu técnica e funcionalmente, defendendo uma educação que é, ao mesmo tempo, uma desaprendizagem. E quem aprende ou desaprende? As crianças, mas também os adultos, claro.

Ensino

3. O que é então o ensino?
1 - desaprender as coisas parvas que se aprendeu.
2 -aprender algo de estimulante.
«Nosso conhecimento não era de estudar em livros.
Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos.
Seria um saber primordial?
Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor e não por sintaxe.»
(Manoel de Barros)

Natureza, professor

4. A natureza, portanto, como a professora. Os animais, as plantas, as pedras, a terra como aquilo que nos pode ensinar, como aquilo que está à nossa espera para mostrar um caminho, um obstáculo, uma necessidade de salto, uma urgência ou uma exigência de lentidão; enfim uma natureza que nos ensina que o corpo tem olhos pés pernas mãos tronco e etc. e é com isso tudo que se aprende. Não apenas com olhos para as imagens e ouvidos para a linguagem.
«O lugar onde a gente morava quase só tinha bicho solidão e árvores.»
Uma outra escola: em vez de quadro, cadeira e muitíssimas horas sentado: solidão, bicho e árvores.
Agosto pode ser isso.

As primeiras brincadeiras

5. Manoel de Barros fala constantemente desse regressar à infância, dessa necessidade de brincar com o que está à nossa frente - e o que está à nossa frente, o que sempre esteve à frente do homem e da criança, não é a máquina nem é a linguagem: é a natureza.
As primeiras brincadeiras do homem são com a terra, árvore, pedra, animal, com a água, até com o ar, com o vento, com a luz. A inclinação do sol não diz apenas respeito ao sol, diz respeito a quem está aqui em baixo; a inclinação do sol é, então, uma espécie de convite. Brincadeiras debaixo do sol e da chuva. Agosto pode ser isso.

E o Avô

6. E Manoel de Barros fala ainda do modo como a natureza e a família se cruzam, por exemplo, nestes versos incrivelmente afectivos e tácteis sobre o avô:
«Andar à toa é coisa de ave.
Meu avô andava à toa.
Não prestava pra quase nunca.
Mas sabia o nome dos ventos
E todos os assobios para chamar passarinhos.»
Manoel de Barros fala ainda das aves que tomavam o avô «por telhado e passavam as tardes frequentando o seu ombro.»
Um professor que ensina através de mudez e da imobilidade: só uma não-linguagem e um não-movimento extremamente exactos conseguem atrair pássaros.
Agosto é o mês onde os avós são confundidos, por certos pássaros, com telhados hospitaleiros.