José Mourinho e Mário Branco (à direita) protestaram contra Gustavo Correia no fim do jogo com o Casa Pia. Diretor geral 
foi expulso ainda no relvado Foto — Sérgio Miguel Santos
José Mourinho e Mário Branco (à direita) protestaram contra Gustavo Correia no fim do jogo com o Casa Pia. Diretor geral foi expulso ainda no relvado Foto — Sérgio Miguel Santos

A faísca do discurso pode incendiar a multidão

As críticas às arbitragens, pela persistência com que acontecem, pelo tom e pelo conteúdo são um risco real que contribui para uma agressividade que pode fugir de controlo.

As críticas à arbitragem não são desta semana, nem dos últimos meses. As críticas são praticamente diárias, multiplicam-se em conferências de imprensa, comunicados oficiais e debates televisivos. Dirigentes, treinadores, atletas e até comentadores falam de justiça e imparcialidade, mas a forma como tem sido comunicado e argumentado permite que se instale um clima de desconfiança, hostilidade e agressividade.

Este artigo não pretende analisar possíveis erros de arbitragem nem culpabilizar alguém pelas suas palavras, pretende apenas lançar um alerta sobre um risco real, a crescente hostilidade que pode conduzir a um clima desportivo de maior agressividade e risco.

A psicologia explica-nos que o discurso é um dos maiores motores de comportamento coletivo. Quando as figuras de referência adotam uma linguagem de ataque ou suspeita, enviam uma mensagem clara: “estamos em guerra”. O cérebro humano responde a essa perceção de ameaça ativando mecanismos de defesa e reatividade emocional.

Perante a frustração tendemos a procurar culpados. De acordo com a teoria da atribuição, quando algo corre mal, preferimos atribuir a responsabilidade a fatores externos em vez de reconhecer falhas próprias. No futebol, esse “culpado externo” é quase sempre o árbitro. A curto prazo, este tipo de discurso alivia a dor da derrota; a longo prazo, instala a ideia de perseguição e destrói a confiança no sistema. Algo que vai sendo reforçado pelo viés da confirmação.

Quando um grupo acredita que é sistematicamente prejudicado, tudo o que acontece serve para confirmar essa crença. Um erro a favor do adversário é prova de conspiração; um erro a favor próprio é simplesmente “justiça divina”. Este ciclo de reforço cria uma profecia autorrealizável: quanto mais se acredita que existe hostilidade, mais hostilidade se gera, passando a viver-se num estado permanente de suspeita.

Quando o discurso se torna combustível, a emoção alastra-se e a distância entre este discurso e o comportamento agressivo das massas vai uma distância muito curta. A teoria da desindividualização de Zimbardo ajuda a explicar este fenómeno: em grupo, o indivíduo perde a noção de responsabilidade pessoal e age guiado pela emoção coletiva. As palavras inflamadas de quem lidera reforçam essa fusão, legitimam o excesso e dissolvem o limite entre paixão e agressão, transformando o desporto num contexto de risco para todos os envolvidos.

O futebol português não precisa de unanimidade nem de discursos domesticados, precisa de maturidade emocional. A emoção é a alma do jogo, mas quando é mal gerida transforma-se em faísca. O verdadeiro desafio não é ignorar os possíveis erros, mas sim discuti-los em lugares próprios, com menos frustração e raiva e mais responsabilidade.