Valeu aquele raio de sol em jogo de céu cinzento (crónica)
Ao vencer no Estádio do Bessa o dérbi da Invicta, o FC Porto cumpriu os mínimos, tal é a desproporção de valores, e garantiu o lugar mais baixo do pódio da Liga, enquanto que o Boavista saiu do prélio em estado comatoso, com a sobrevivência entre os maiores em risco.
Foi, diga-se desde já, um jogo sem primores técnicos, animado qualitativamente por umas pinceladas de Fábio Vieira e por uma obra-prima de Rodrigo Mora, que aos 20 minutos, meteu a bola 'onde a coruja dorme' (expressão do folclore futebolístico brasileiro, a propósito de uma fotografia de Domício Pinheiro, que apanhou, durante um jogo, uma coruja pousada sobre o ângulo superior da baliza do Palmeiras, há seis décadas), sem qualquer hipótese de defesa para Vaclik. Foi como se um artista do Cirque du Soleil aparecesse, de repente, junto dos malabaristas que ganham a vida no vermelho dos semáforos, uma espécie de caviar numa mesa onde os comensais matavam a fome sobretudo com pão e água.
Foi, claramente, um jogo nivelado por baixo, em que o FC Porto acabou a defender a vantagem tangencial, enquanto que o Boavista fazia das fraquezas forças, e tentava o impossível. E aqui pode ser estabelecida a primeira diferença entre as equipas: o FC Porto está claramente cansado psicologicamente (aquelas tochas atiradas pelos Super Dragões para a baliza de Diogo Costa disseram muito...) e fez de uma desinspiração que, contudo, nunca foi relapsa, o seu modo de estar; já o Boavista, com as limitações que se lhe conhecem, deixou a pele em campo, deu o que tinha e não tinha, e apesar do desaire há que tirar o chapéu ao espírito indómito demonstrado. Se na qualidade do futebol estamos perante um Boavistinha, na atitude deparamo-nos com um Boavistão.
MEIA HORA ACEITÁVEL
Com o FC Porto armado num 3x4x2x1, que deixava Samu entre os centrais e procurava canalizar jogo pelas alas, com as duplas Moura/Mora e João Mário/Fábio Vieira, e o Boavista, com um 4x2x3x1 que passava a 4x4x2 cada vez que Diaby jogava ao lado de Bozenik, os dragões cedo começaram a incomodar o veterano Vaklic, logo aos dois e três minutos Samu e Fábio Vieira criaram situações de perigo, e até aos 30 minutos mandaram no jogo, obtendo dois golos (Mora e Marcano) que traduziam o que se tinha passado em campo. Porém, à passagem da meia hora a equipa de Anselmi desligou-se do jogo, o seu futebol passou a ser deslaçado, e a única coisa que funcionava bem era a linha dos centrais, que colocou por 11 vezes os boavisteiros em fora de jogo ao longo da partida. Foi num contexto de futebol de saldo dos portistas e de muitas dificuldades dos axadrezados, que estes reentraram no jogo num lance caricato, aos 34 minutos, em que Zé Pedro aliviou a bola contra o braço levantado de Nehuen Pérez, sem que daí adviesse qualquer benefício para os dragões, antes pelo contrário. O árbitro teve uma interpretação literal, apontou para os onze metros, e Reisinho, que dessa distância tem gelo nas veias, reduziu para 1-2.
NIVELAR POR BAIXO
Anselmi, ao intervalo, mandou a equipa ter uma entrada forte no segundo tempo, e logo aos 47 minutos, após um bom centro de Eustáquio, Samu tentou (e falhou) a finalização de calcanhar. Mas esta determinação portista foi sol de pouca dura, porque um grande susto pregado por Diaby (que derivou da direita para o meio, por troca com Reisinho) a Marcano e Diogo Costa (49), colocou os dragões à beira de um ataque de nervos, minando-lhes a confiança.
E foi a partir desse momento que o jogo se nivelou definitivamente por baixo, ficando o futebol do primeiro mais perto do que é capaz o último, e não o contrário. Neste contexto, para refrescar a equipa e tentar dar-lhe mais velocidade a partir da esquerda, Anselmi trocou Mora por Pepê (67), apostando mais tarde (79) em mudanças diretas - João Mário por Martim Fernandes e Eustáquio por Pérez - sem que se visse qualquer melhoria qualitativa.
Stuart Baxter foi tentando colocar mais unidades na frente, mandou a jogo Ariyibi (79), e foi sobre este jogador que Nehuen Perez cometeu falta aos 82 minutos, que lhe valeu o segundo cartão amarelo. Anselmi, perante o perigo, nem hesitou: trocou Samu por Namaso, na tentativa de ter um jogador fresco para prender os centrais boavisteiros, e Fábio Vieira por Otávio, recompondo a defesa, que nesta altura já era assumidamente a cinco. O técnico axadrezado jogou o que tinha no banco, ainda tentou Van Ginkel na frente para dar resposta ao futebol direto que a sua equipa ia praticando até à exaustão, mas o resultado não sofreria alteração, sendo que uma das derradeiras jogadas a ficar na retina foi um atraso de meio campo de Marcano para Diogo Costa. Após 90 minutos que só tiveram na inspiração de Mora um momento inesquecível, o FC Porto sabe que vai ser terceiro, e o Boavista deve tentar o melhor e preparar-se para o pior...
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