Noronha Lopes defende que «para ser presidente do Benfica não basta ser benfiquista»

Noronha Lopes: «Para ser presidente do Benfica não basta ser benfiquista»

Candidato de 58 anos fala em «clube adiado que precisa de liderança»

No dia em que João Noronha Lopes formaliza a (nova) candidatura à presidência do Benfica, A BOLA publica uma entrevista com o gestor e empresário de 58 anos. Neste excerto da conversa, o candidato explica as razões que o levam a avançar, contrariando a intenção manifestada pelo próprio, após ter sido derrotado por Luís Filipe Vieira, em 2020, e aponta justificações para não ter ido a votos no ano seguinte.

— Em 2020, quando perdeu as eleições para Luís Filipe Vieira, disse que seria a sua única eleição, embora prometendo que nunca abdicaria da sua cidadania benfiquista. O que o leva a decidir, agora, concorrer novamente?  
— Disse-o com exatamente a mesma convicção que me levou a avançar. Mas também disse que estaria sempre disponível para o Benfica, como estive durante estes anos. E o que me leva a avançar é que o Benfica precisa de liderança e, neste momento, não tem. O Benfica é um clube adiado durante os últimos quatro anos e precisa de mudar, e precisa de mudar agora.

— O Benfica teve depois eleições logo no ano a seguir, em 2021. Estava envolvido em casos judiciais e Luís Filipe Vieira foi detido. O contexto agora é mais favorável?

— Não se trata do contexto ser mais favorável, trata-se de hoje reunir as condições pessoais e profissionais que me permitem avançar. Mas deixe, antes de mais, que lhe diga o seguinte: esta é uma eleição que não é contra ninguém, é uma eleição a favor do Benfica. Rui Costa é uma grande figura do benfiquismo e um jogador que todos nós admirámos como o nosso camisola 10. Mas, para ser presidente do Benfica, não basta ser benfiquista. É preciso ter a competência e a capacidade para o liderar. E aquilo que os benfiquistas querem, antes de mais, ver no seu presidente, é essa capacidade de liderança, de ter visão estratégica, de saber escolher os melhores e de os pôr a trabalhar em conjunto acima dos seus interesses pessoais, de ter ambição, de ter coragem para tomar decisões difíceis e, principalmente, de ter a coragem para defender o Benfica nas alturas próprias.

— Em 2020 teve 261 mil votos, 34,7 por cento, um apoio significativo dentro do contexto das eleições do Benfica na altura. Teme, neste espaço temporal, ter perdido alguns desses apoiantes por não ter avançado em 2021?  
— Eu não vejo a questão assim. O Benfica vai a eleições, uma celebração da democracia naquele que é o maior clube português e que já era democrático antes da democracia existir. E, portanto, é bom que existam vários candidatos, é bom que possamos debater ideias, debater projetos e ouvir todos os benfiquistas. E nestas eleições todos aqueles que se apresentarem obviamente serão bem-vindos e aquilo que espero é que seja um debate construtivo a bem do Benfica.

— Quando é que tomou esta decisão de avançar novamente para a corrida à presidência do Benfica?  
— É uma decisão que já foi tomada há alguns meses. Para concorrer ao Benfica é preciso que tenhamos as condições pessoais e profissionais, como disse, e que tenhamos a capacidade para pensar e para estudar aquilo que é o Benfica. Tenho uma equipa com a qual já estou a trabalhar há alguns meses e estamos a fazer um diagnóstico profundo daquilo que é o Benfica, olhar para aquilo que são as melhores práticas, não só em Portugal como no estrangeiro, conseguir reunir um conjunto de pessoas que são os melhores nas suas áreas profissionais para olharem não só para a área desportiva, mas para a área financeira, para a área digital, para a área das receitas e aquilo que posso garantir aos benfiquistas é que estou pronto e a minha equipa está pronta para liderar o Benfica.

— Foi um nome que esteve sempre muito presente, até em termos de assembleias. O seu nome também sempre muito falado como candidato para estas eleições. Permita-me a provocação, entre aspas: hesitou mesmo avançar ou, digamos, que era o segredo mais mal guardado destas eleições? Já havia muita gente à espera que avançasse, de facto.  
— Avancei porque, mais uma vez, estou preocupado com a situação do Benfica e acho que tenho condições para o mudar. Foi uma decisão ponderada, foi uma decisão que já foi tomada há alguns meses e que apenas comunico agora porque não quis desestabilizar o Benfica enquanto ainda tinha competições para ganhar em Portugal. E, portanto, guardei este anúncio para o final da época, exatamente porque, para mim, acima dos meus interesses pessoais estão os interesses do Benfica.

— Tendo em conta o contexto, eventualmente até a sua própria preparação pessoal, porque já passou por um ato eleitoral, sente que agora, cinco anos depois, tem mais condições de chegar a presidente do Benfica?

— Olhe, acho que aquilo que tenho, hoje em dia, é um dos grandes luxos da vida: é ser um homem livre e independente. E, portanto, candidato-me não sendo empurrado por ninguém, não faço parte de grupos de interesses, não tenho grupos empresariais por trás e não precisei de ir ao beija-mão a ninguém. Faço-o com muita convicção e com a liberdade de poder pensar pela minha cabeça e de colocar os interesses do Benfica acima de tudo. E é isso que eu farei quando for eleito presidente do nosso clube.

— Falou do timing de anúncio desta candidatura, quis esperar pelo final da época. Esse deveria ser o timing também das eleições? Deveriam ser antecipadas para o verão?

-Neste momento, este presidente e esta Direção não reúnem condições para permitir um bom planeamento da época desportiva que aí vem. E, portanto, quando assim é, acho que é no melhor interesse do clube, e no melhor interesse daquilo que tem de ser o sucesso desportivo, que as eleições tenham lugar mais cedo.

— O que tem a dizer a quem o possa acusar de, em 2021, não ter avançado por ser difícil, e agora avançar por ser mais fácil?

— Sempre estive disponível para o Benfica em alturas muito difíceis. Fiz parte da Direção de Manuel Vilarinho. Fui um dos primeiros que desafiaram Vilarinho a avançar numa altura muito difícil, em que era importante manter o clube nas mãos dos seus donos, que são os sócios. Estive disponível para avançar numa altura muito difícil, contra Luís Filipe Vieira, quando achei que era importante mudar e alterar aquilo que tinha sido uma prática de muitos anos no Benfica, e quando todos os outros se recusaram a avançar. E, principalmente, é preciso que os benfiquistas percebam que ser ativo na defesa dos interesses do Benfica não é falar mais alto ou não é estar sempre à procura dos holofotes da televisão. Estive presente naquilo que foram momentos determinantes da vida do Benfica nestes últimos anos. E, antes de mais, estive presente nas Assembleias Gerais, que é onde se vê o benfiquismo. Dei a minha opinião, fiz as minhas críticas construtivas, fi-las cara a cara com o presidente Rui Costa, com respeito institucional, mas não deixei de lhe dizer aquilo que penso. E estive, por exemplo, presente num momento determinante para a vida do clube, que foi o processo de revisão dos estatutos. Comecei a trabalhar nisso antes da Direção, constituí uma comissão para a revisão dos estatutos. Assim que o presidente disse que iria formar uma comissão, coloquei todo o trabalho que tinha sido feito à disposição da comissão que foi nomeada pela Direção, exatamente porque não havia absolutamente razão nenhuma para estarmos a competir. Os interesses do Benfica estão acima de tudo e foi isso que procurei fazer.

— Conta concorrer nestas eleições contra Rui Costa?

— Como já disse, não vou concorrer contra ninguém. Vou concorrer, acima de tudo, pelo Benfica. Ninguém coloca em causa o benfiquismo de Rui Costa, que foi um ídolo de todos nós enquanto jogador. Mas não basta ter benfiquismo para ser presidente do Benfica. É preciso ter competência e é preciso ter capacidade para o liderar. Os benfiquistas, neste momento, o que querem ver no seu presidente é, antes de mais, liderança. E uma liderança que tenha um rumo, que consiga reunir as melhores equipas que trabalhem em conjunto, que tenha coragem para defender os interesses do Benfica, que traga muita ambição, não só para o futebol, mas também para as modalidades. E é isso que estou a fazer com as minhas equipas, a preparar, e aquilo que posso garantir é que vou estar disponível e estarei pronto para liderar o Benfica no dia a seguir à minha eleição.

— Há cinco anos dizia-nos que Rui Costa, como grande figura do Benfica, tinha um papel discreto na SAD, e que gostaria que ele tivesse um papel mais ativo no futebol do Benfica. Porque é que tinha esta opinião há cinco anos e porque mudou, entretanto, essa opinião?

— O Rui Costa esteve presente em muitos momentos da vida do Benfica nos últimos anos. Primeiro na SAD e depois enquanto vice-presidente do Benfica. O que me parece importante realçar aqui é que, durante este tempo, o Benfica ganhou pouco, teve pouco rigor nas contas e não foi bem defendido. E é isso que tem de mudar. O Benfica tem de ter um presidente que o saiba liderar, que tenha a competência para escolher as melhores pessoas e que defenda o Benfica nas alturas próprias.

— Podia dar exemplos concretos disso que está a argumentar?  
— Sim, vou-lhe dar dois exemplos que me parecem elucidativos. O presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ex-presidente da Liga, em determinada altura, colocou em causa o Benfica, quando disse, a propósito da centralização [dos direitos televisivos], que havia um clube que achava que valia mais do que todos os outros. Aquilo que pergunto a Pedro Proença é quanto é que valeria esta Liga sem o Benfica? E quando Pedro Proença colocou em causa aquilo que o Benfica vale no futebol português, aquilo a que assisti foi a um silêncio total da Direção do Benfica. Tive a oportunidade, aliás, de questionar a Direção do Benfica e o seu presidente, numa Assembleia Geral, sobre o porquê deste silêncio. Aquilo que os benfiquistas esperariam era que, nessa altura, o presidente Rui Costa tivesse vindo defender o Benfica. E, já agora, que explicasse quais as razões que o levam a apoiar Pedro Proença, uma vez que até hoje não são conhecidas de nenhum benfiquista. Na última final da Taça [de Portugal], assistimos a uma vergonha, uma agressão bárbara de um jogador do Sporting a um jogador do Benfica. O presidente ou a Direção fazem um comunicado logo a seguir, a condenar os acontecimentos. Aquilo que esperaria é que na reunião dos presidentes da Liga, que teve lugar a seguir, que essa defesa do Benfica fosse assumida intransigentemente pelo presidente, de uma forma frontal e direta perante todos os presidentes. O que é que aconteceu? O presidente do Sporting falou, o presidente do FC Porto falou, e o presidente do Benfica, mais uma vez, ficou em silêncio. Não é assim que se defendem os interesses do Benfica. Os interesses do Benfica têm de ser defendidos com firmeza, na altura própria e com coragem e perante aqueles que achamos que não estão a contribuir para aquilo que deve ser a melhoria do futebol português.

Veja a entrevista na íntegra: